quinta-feira, 27 de julho de 2023

QUAIS SÃO AS MINHAS PRIORIDADES NA VIDA?

 Missa do 17. dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 3,5.7-12; Romanos 8,28-30; Mateus 13,44-52.

 

            Um homem vende todos os seus bens para comprar um campo onde se encontra um tesouro escondido. Um outro homem vende todos os seus bens para comprar uma pérola preciosa. A atitude desses dois homens deve nos questionar: quanto eu estou disposto a “pagar” pela minha salvação? Quanto eu estou disposto a renunciar para caminhar segundo a vontade de Deus? Qual lugar Deus ocupa verdadeiramente na minha vida, no dia a dia?

            Todo mundo quer ir para o Céu (todo mundo quer ser salvo), desde que não tenha que fazer nada. Quando vamos comprar algo (comida, remédio, roupa etc.), queremos o menor custo e o maior benefício. Assim também é a procura por Deus no mundo atual: as pessoas querem uma igreja, uma religião, um “Deus” que exija o menor custo e proporcione o maior benefício possível. Esse “Deus” é totalmente contrário ao Deus de Jesus Cristo, ao Deus da Sagrada Escritura.

            Quando Jesus se refere ao Reino dos Céus, está falando do nosso relacionamento com Deus. A primeira comparação que Jesus faz é falar de Deus como um tesouro escondido num campo. Ao comparar Deus a um tesouro, Jesus está questionando os nossos valores. Quanto vale para mim o meu relacionamento com Deus? Quanto eu estou disposto a sacrificar do meu tempo, para me colocar na presença de Deus (oração, missa, meditação diária etc.). Quanto eu estou disposto a sacrificar do meu dinheiro para ajudar no trabalho de evangelização (dízimo)?

            Deus é um tesouro “escondido”: não pode ser visto, nem tocado. A nossa geração vive obcecada por aquilo que vê. Essa é a grande ironia do mundo atual: muito daquilo que vemos nos destrói, nos cega, nos perverte, porque inverte os nossos valores. A visão é o contrário da fé: “Caminhamos pela fé, não pela visão clara” (2Cor 5,7). O cristão não vive por aquilo que vê, mas por aquilo que crê. Portanto, a pergunta é: eu creio no “Deus escondido” (Is 45,15)? Eu aceito caminhar com Deus, mesmo não sabendo para onde Ele deseja me conduzir?

            A segunda comparação que Jesus faz é com a pérola preciosa. Algumas pessoas muito ricas não se importam em pagar preços absurdos e abusivos em bolsas, sapatos, relógios, roupas, comidas, passeios, porque isso lhes dá a ideia de poder. Só elas podem pagar valores absurdos por coisas materiais, enquanto dão – quando dão – quantias irrisórias para instituições de caridade ou entidades beneficentes. Inversão de valores. Vivem atrás de bijuterias e ignoram a pérola preciosa que é Deus, o Deus que está na pessoa dos necessitados, dos injustiçados, dos que sofrem.

            A pergunta permanece: quanto você está disposto a sacrificar em vista da sua salvação? Que lugar Deus ocupa em sua vida, concretamente? Quanto você sacrifica do seu tempo (oração) e do seu dinheiro (dízimo), para as coisas de Deus? Não se esqueça de que Deus pode até tolerar ser ignorado, mas nunca colocado em segundo lugar, na vida de qualquer pessoa que seja.

            Enfim, a terceira comparação que Jesus faz é com uma rede de pesca cheia de peixes que precisam ser separados: os grandes vão para o comércio e os pequenos são devolvidos ao mar. Essa rede de pesca representa a nossa desculpa em não nos decidir: “Deus é o mesmo, em todas as religiões”; “Deus é bom”; “Deus é misericordioso”; “No final, todos serão salvos”. Quem quiser encontrar Deus na sua vida precisa aprender a se sentar diariamente e a separar na sua consciência e no seu coração o que presta do que não presta. Nenhum relacionamento com Deus é possível quando levamos tudo embolado; quando não aceitamos nos desfazer de pensamentos, sentimentos e atitudes que não prestam, porque são contrários à verdade de Deus em relação a nós.

            E então, você quer encontrar Deus na rede da sua vida? Pare de funcionar como esgoto, que tudo engole, e aprenda a funcionar como filtro, separando a verdade da mentira, o bem do mal, o que convém daquilo que não convém à sua salvação. Lembre-se de que essa rede de pesca hoje é a Internet (net = rede). Existem sites, jogos, vídeos, filmes, textos, imagens que definitivamente não prestam, porque invertem os seus valores, corrompendo você. Não queira colocar Deus junto com o lixo que você acumula na sua mente e no seu coração.

            “Peça o que você deseja, e eu lhe darei” (1Rs 3,5). Não é difícil prever os pedidos que muitos de nós fariam, diante dessa proposta de Deus: sucesso, prosperidade, beleza física, um outro corpo, a morte dos nossos inimigos, uma saúde imbatível, ser feliz etc. O rei Salomão pediu um coração capaz de discernir entre o bem e o mal. Mas hoje, quem se importa com isso? “Pagando bem, que mal tem?”, perguntam muitos, com ironia e cinismo. A oração de Salomão agradou a Deus, por que ele pediu “sabedoria para praticar a justiça” (1Rs 3,11). Pergunte a si mesmo ou às pessoas o que é mais importante: ser uma pessoa justa ou ser uma pessoa feliz? Não se assuste com a resposta. Como o nosso nível de consciência moral está baixíssimo, é muito mais importante desfrutar, ter prazer, lucrar, do que se esforçar em ser uma pessoa justa, ajustada ao coração de Deus. Não é de admirar que muitas das orações não são atendidas. Deus não está interessado em satisfazer os caprichos do nosso ego, mas em nos dar o que é necessário para a nossa salvação. Em resumo, meditemos neste apelo de Jesus: “Busquem o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as outras coisas lhes serão dadas em acréscimo” (Mt 6,33).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 20 de julho de 2023

SE VOCÊ QUER COLHER TRIGO, NÃO CULTIVE JOIO

 Missa do 16º dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 12,13.16-19; Romanos 8,26-27; Mateus 13,24-30.36-43.

 

            Cultivar: sem essa atitude, no campo da nossa vida só cresce mato. Se queremos colher bons frutos, precisamos cultivá-los. O bem só cresce se for cultivado. Por outro lado, o mal não precisa sê-lo; basta que não se cultive o bem, para que o mal encontre espaço para nascer, crescer e tomar conta do terreno. Então, como está o cultivo dos seus relacionamentos? Como está o cultivo da sua fé, da sua esperança, do seu amor? É preciso repetir: coisas boas só nascem se forem cultivadas; já as coisas ruins nascem simplesmente por falta do cultivo das coisas boas.

            Quando olhamos o campo do mundo, é nítido enxergar nele a presença do joio: egoísmo, maldade, indiferença, desumanidade, mentira, traição, preguiça, má vontade etc. Por que há tanto joio no mundo atual? Porque muitas pessoas deixaram de cultivar o trigo. “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons” (Martin Luther King). O mal cresce na exata proporção em que as pessoas desistem de cultivar o bem. Se há muita coisa ruim no campo da nossa vida, muito provavelmente é porque desistimos de cultivar atitudes que fariam germinar o trigo, o bem, a vida, a saúde emocional, a paz e a alegria de conviver juntos.

            A parábola do joio tem propositalmente seu acento no mal. Jesus quer nos tornar conscientes de que, por mais boa vontade que tenhamos e por mais esforço que façamos em cultivar o bem, o mal sempre encontrará espaço para surgir. “‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde veio então o joio?’ O dono respondeu: ‘Foi algum inimigo que fez isso’” (Mt 13,27-28). Nós temos um inimigo: ele não é uma pessoa de carne e osso, mas um ser espiritual – o diabo. Ele trabalha incessantemente para semear joio no campo da nossa vida: inimizade, ciúme, inveja, maldade, desânimo, pessimismo etc. Seu maior interesse não é necessariamente que nos tornemos pessoas más, mas que simplesmente deixemos de cultivar o bem.

            “Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo, e foi embora” (Mt 13,25). Todos nós precisamos dormir. Ninguém consegue vigiar 24 horas por dia. Mas o problema é que esse “dormir” hoje se desdobrou em distração, em excesso de trabalho, em esgotamento, em preocupação excessiva com o supérfluo, enquanto se descuida do essencial. Enquanto os pais “dormem”, o inimigo semeia joio no coração dos filhos; enquanto o marido ou a esposa “dorme”, o inimigo semeia joio no campo da relação conjugal; enquanto a Igreja “dorme”, o inimigo semeia joio no coração de muitos fiéis; enquanto passamos horas navegando no mundo virtual, o inimigo semeia joio no campo da nossa vida real...

            Mais uma vez é preciso ficar claro: a parábola do joio quer nos tornar conscientes de que, enquanto estivermos no campo do mundo, teremos que lidar com a realidade do mal. Não existem pessoas que sejam totalmente trigo, nem totalmente joio, assim como não existem ambientes (casa, trabalho, igreja etc.) onde só haja joio ou trigo. Se a nossa tendência é querer “arrancar” de uma vez por todas o mal do nosso meio, Jesus nos alerta que isso nunca funcionará: “‘Queres que vamos arrancar o joio?’ O dono respondeu: ‘Não! pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo. Deixai crescer um e outro até a colheita!’” (Mt 13,28-30). Enquanto o ser humano estiver vivo, poderá escolher entre cultivar-se como joio ou como trigo. Ninguém está definitivamente perdido, assim como ninguém está definitivamente salvo. Até a hora da colheita, podemos mudar, seja para melhor, seja para pior.

            O foco da explicação que Jesus nos dá, a respeito da parábola do joio, está na colheita. Ela inicia o momento do julgamento. Julgar significa separar. O Pai entregou ao Filho o poder de julgar (cf. Jo 5,22). Justamente porque Jesus conhece o ser humano por dentro (cf. Jo 2,25), Ele pode separar o joio do trigo. A primeira coisa de que precisamos tomar consciência é de que haverá uma colheita no fim da nossa existência: todo ser humano será “recolhido” por Deus na hora da sua morte. Após ser recolhido, será julgado, conforme as suas atitudes (cf. 2Cor 5,10; Jo 5,28-29). No momento do julgamento, ocorrerá primeiro a condenação dos que fizeram o mal: “o Filho do Homem enviará os seus anjos, e eles retirarão do seu Reino todos os que fazem outros pecar e os que praticam o mal; e depois os lançarão na fornalha de fogo” (Mt 13,41-42). Depois disso, o trigo será recolhido no celeiro de Deus: “Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai”, da mesma forma como o trigo maduro brilha nos campos.

            A certeza a respeito do julgamento, da separação entre joio e trigo, deve nos tornar conscientes de que nada ficará impune, porque Deus não é indiferente às injustiças praticadas no mundo em que vivemos. Todo ser humano se confrontará com a sua própria consciência e com as consequências das suas atitudes. Quem escolheu cultivar-se como joio, colherá as consequências de tal cultivo, assim como quem escolheu cultivar-se como trigo. E ainda que alguns buscassem fugir à responsabilidade de cultivar-se, é preciso lembrar-se dessa verdade: “O homem não é produto das suas circunstâncias, mas das suas decisões” (Victor Frankl). O que nos “define” como joio ou trigo não são as coisas que nos acontecem, mas o que decidimos fazer com aquilo que nos afeta.   

            Confiemos o cultivo diário de nós mesmos ao Espírito Santo. Ele “vem em socorro da nossa fraqueza” (Rm 8,26); Ele “intercede por nós” segundo os desígnios de Deus para que nos tornemos o trigo que fomos chamados a ser. Não entendamos a “demora” de Deus em intervir na história humana e eliminar definitivamente o mal como indiferença diante do sofrimento e das injustiças humanas, mas como “indulgência”: “A tua força é princípio da tua justiça, e o teu domínio sobre todos te faz para com todos indulgente... Dominando tua própria força, julgas com clemência... Assim procedendo, ensinaste ao teu povo que o justo deve ser humano” (Sb 12,16.18.19). A nossa sede de justiça não deve nos desumanizar, mas nos encher da esperança de vale a pena retomar a cada dia o nosso cultivo como trigo, não obstante o joio que cresce à nossa volta.

 

            Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 13 de julho de 2023

MAIS IMPORTANTE DO QUE COLHER RESULTADOS É INICIAR PROCESSOS

Missa do 15º dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 55,10-11; Romanos 8,18-23; Mateus 13,1-9

 

            Nas diversas áreas da nossa vida – afetiva, profissional e espiritual –, nós queremos resultados. Quando eles não vêm, nós abandonamos o projeto que havíamos abraçado e vamos em busca de outro. Mas, além da busca por resultados, nós estamos cada vez mais imediatistas: queremos colher hoje o que plantamos ontem. Esquecemos de que as mudanças ou os resultados que mais desejamos em nossa vida só surgirão se o processo for respeitado. Semear, germinar, crescer, florescer e frutificar é um processo. Portanto, quando não vemos os resultados (frutos) que esperamos, precisamos nos perguntar, primeiro, se nós lançamos as sementes certas. Afinal de contas, como é possível colher aquilo que não plantamos? Em segundo lugar, é preciso perguntar se estamos respeitando o processo, o que significa não sermos imediatistas.

            O texto de Isaías e o Evangelho que ouvimos hoje nos falam da eficácia da Palavra de Deus: o que Ele fala, realiza. Quando a Sagrada Escritura afirma que “Deus é fiel” está afirmando que existe 100% de correspondência entre o seu falar e o seu agir: “Eu estou vigiando sobre minha palavra para realiza-la” (Jr 1,12); “O que sai da minha boca é a verdade, uma palavra que não voltará atrás” (Is 45,23); “a palavra que sair de minha boca: não voltará para mim vazia; antes, realizará tudo que for de minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi, ao enviá-la” (Is 55,11).

            Jesus é ao mesmo tempo o Semeador e a semente – Palavra viva de Deus! Ele semeou o Evangelho em todo tipo de terreno, isto é, no coração de toda e qualquer pessoa. Mas o resultado dessa semeadura foi decepcionante! Dos 100% das sementes lançadas, somente 25% frutificaram; os outros 75% se perderam! O que você faria se se empenhasse 100% numa causa, num projeto, e visse que o resultado final foi bem sucedido somente em 25%? Você abandonaria o projeto? Você se encheria de desânimo, de pessimismo e deixaria de semear?

Quando nos doamos 100% para uma causa e vemos que o resultado foi de apenas 25%, não há como não nos sentirmos fracassados. Jesus certamente se questionou sobre isso, mas ele entendeu que o problema não estava nele – Semeador –, nem na semente – Evangelho; o problema estava no tipo de terreno, ou seja, na forma como as pessoas ouviam e acolhiam a sua Palavra. Assim como a semente só pode germinar num terreno arado (aberto para receber o que ali é semeado), assim a eficácia da Palavra de Deus depende absolutamente da boa disposição da pessoa em ouvir, acolher e esperar, até que a Palavra se cumpra, a exemplo de Maria: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38), ou do salmista: “Eu espero, Senhor, eu espero com toda a minha alma, esperando tua palavra” (Sl 130,5).

Segundo Jesus, três atitudes nossas neutralizam a eficácia da Palavra de Deus em nós. A primeira é a distração ou a desatenção com que ouvimos a Palavra: “Algumas sementes caíram à beira do caminho, e os pássaros vieram e as comeram” (Mt 13,4). O próprio Jesus explica que os pássaros que comem a semente representam o Maligno: “vem o Maligno e rouba o que foi semeado em seu coração” (Mt 13,19). Concretamente, o Maligno é a distração em nossas celebrações (a pessoa que conversa ao lado, o celular, a falta de esforço em se concentrar...). A segunda atitude é a superficialidade: a pessoa se alegra ao ouvir a Palavra de Deus, “mas não tem raiz em si mesma, é de momento: quando chega o sofrimento ou a perseguição, por causa da palavra, ela desiste logo” (Mt 13,21). Essa é a grande marca do nosso tempo: ser de momento, ser movido pela emoção e não suportar contrariedade ou adversidade justamente por viver segundo o Evangelho. Enfim, a terceira atitude é o conflito de interesses: a pessoa “ouve a palavra, mas as preocupações do mundo e a ilusão da riqueza sufocam a palavra, e ela (a pessoa) não dá fruto” (Mt 13,22). Entre obedecer à Palavra de Deus, que visa a nossa conversão e a nossa salvação, e se deixar seduzir pelas ilusões do mundo, que nos prometem bem-estar e sucesso, a segunda opção é muito mais atraente!

Então, onde você se encontra: entre as 75% de pessoas que não se deixam transformar pela Palavra de Deus, ou entre as 25%, que se dispõem a fazer um caminho com Deus, respeitando o processo de escuta, acolhida e interiorização da Palavra, de forma que ela modifique as suas atitudes no dia a dia? Com quem você prefere estar: com a maioria ou com a minoria? Como você reage, quando a Palavra de Deus é contrária à sua vontade, aos seus desejos? Lembre-se do que disse Santo Agostinho: “A palavra de Deus é o inimigo da tua vontade, até tornar-se originador da tua salvação. Então, a palavra de Deus também estará em harmonia contigo”.

“Quem tem ouvidos, ouça!” (Mt 13,9). Na Sagrada Escritura, ouvir significa obedecer. Ouvir a Palavra de Deus e não obedecê-la significa arrancar a semente que foi plantada em nós, impedindo, desse modo, que o processo da mudança, da cura, da transformação aconteça. “Quem tem ouvidos, ouça!” (Mt 13,9). O apóstolo Paulo nos convida a ouvir o gemido do Espírito Santo em nós.: “Sabemos que toda a criação, até ao tempo presente, está gemendo como que em dores de parto. E não somente ela, mas nós também, que temos os primeiros frutos do Espírito, estamos interiormente gemendo, aguardando a adoção filial e a libertação para o nosso corpo” (Rm 8,22-23).

O processo da germinação da semente é doloroso, porque supõe o tempo da espera, mas é uma espera carregada de esperança: o que Deus falou, cumprirá! Sendo assim, cada um de nós precisa escolher como avaliar a sua vida: se a partir dos resultados ou se a partir dos processos. Mais importante do que ver mudanças rápidas (resultados) em nossa vida é iniciar processos – lançar diariamente as sementes das mudanças que desejamos; sobretudo, as que Deus quer para cada um de nós. Por isso, ao invés de lamentar pelos frutos que não surgem no campo da nossa existência, perguntemos se temos lançado as sementes desses frutos.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 7 de julho de 2023

QUAIS FARDOS SÃO VERDADEIRAMENTE SEUS?

 Missa do 14. dom. comum. Palavra de Deus: Zacarias 9,9-10; Romanos 8,9.11-13; Mateus 11,25-30.

 

            “Uns confiam em carros, outros em cavalos; nós, porém, invocamos o nome do Senhor nosso Deus. Eles se inclinam e caem; nós, porém, nos mantemos em pé” (Sl 20,8-9). As palavras desse salmo nasceram num contexto de luta, de guerra, de combate. Cada um de nós tem sua luta, seu combate; primeiro, no âmbito interno – temos que lutar contra nosso instinto de acomodação, nossas tentações e aquelas atitudes que fazem mal a nós mesmos; além disso, temos lutas ou combates externos – nossa sobrevivência em um País injusto, desigual e violento, nossa convivência com pessoas más, além do combate espiritual contra o maligno. Então, se temos lutas e combates dentro e também fora de nós, a quais armas estamos recorrendo para lutar? Em outras palavras, em quem ou no quê estamos colocando nossa confiança, para sairmos vencedores em nossas lutas?

            Para vencer as lutas da vida, “uns confiam em carros, outros em cavalos”. Carros e cavalos eram usados nas guerras, na época do salmista. Hoje, poderíamos reler este salmo dizendo: uns confiam no dinheiro, outros na força das armas; uns confiam na ciência e na tecnologia, outros na disseminação de mentiras e na desinformação; uns confiam que só um mal maior pode destruir um mal menor, outros deixaram de lutar e abandonaram qualquer sonho, meta ou ideal que exija deles luta, esforço, determinação. O fato é que perante a vida ninguém de nós é um expectador que está sentado na arquibancada, assistindo a uma disputa. Pelo contrário, todos nós estamos em campo, na luta entre o bem e o mal, entre a vida e a morte, e precisamos nos lembrar de que a única condição para vencermos essa luta é ter ciência de que “nenhum rei se salva com exército numeroso, o valente não se livra por sua grande força” (Sl 33,16); “não é pela força que o homem triunfa” (1Sm 2,9c).

            O profeta Zacarias convida a cidade de Jerusalém, dominada por um império estrangeiro, a exultar de alegria porque o seu verdadeiro rei vem para salvá-la. Ele não chega montado em um cavalo, mas em um jumento; ele não vem revestido de soberba e arrogância, mas de humildade. Sem armas humanas, ele eliminará os carros e os cavalos de guerra, quebrará o arco do guerreiro inimigo e estabelecerá a paz. Se fizermos memória da entrada de Jesus em Jerusalém (cf. Mt 21,1-11; Mc 11,1-11; Lc 19,28-38; Jo 12,12-16), saberemos que esse rei humilde é Jesus. Nós, seus discípulos, precisamos nos perguntar sobre quais cavalos temos montado e em quais armas temos pego para enfrentar a luta da vida de cada dia. Como nós esperamos que a paz seja estabelecida em nosso mundo, quando estamos tão cheios de agressividade e de intolerância conosco mesmos, com as pessoas, com Deus e com a própria vida?     

            O apóstolo Paulo nos recorda de que só existem dois tipos de pessoas na face da terra: os que se apoiam na força da carne (a ilusão da capacidade humana, fechada em seus interesses egoístas) e os que se apoiam na força do espírito (os que, apoiados no Espírito de Deus, lidam com as adversidades de maneira a crescerem, amadurecerem e se tornarem seres humanos melhores). Aqui vale a palavra que Deus dirigiu a Zorobabel, diante do desafio de reconstruir o Templo de Jerusalém: “Não pela força, não pelo poder, mas sim por meu Espírito” (Zc 4,6). Se nos convencermos dessa verdade, nossa forma de nos posicionar diante das adversidades que sempre aparecerão em nosso caminho de vida será diferente.  

            A luta cansa, o combate suga as nossas forças. Muitos desistiram de lutar e se entregaram à derrota, ao conformismo, mas nosso Senhor hoje nos dirige sua Palavra: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11,28-30). Na época de Jesus, o fardo eram as 613 normas e regras que os fariseus haviam criado, cuja observância diária era exigida para se estar com a consciência tranquila perante Deus. Jesus resumiu tudo ao mandamento do amor (cf. Mt 22,34-40), o qual se traduz concretamente na seguinte atitude: “Tudo aquilo que você quer que as pessoas lhe façam, faça você para elas, pois nisso se resume toda a Sagrada Escritura” (citação livre de Mt 7,12).

            A proposta de Jesus poderia ser distorcida por alguns como uma “vida sem fardo”, uma religião sem exigência alguma, uma fé reduzida a um caminho sem qualquer obstáculo, uma Bíblia corrompida em um livro de autoajuda, com indicações precisas para se alcançar uma vida bem sucedida, sem lugar para lutas ou combates e, sobretudo, sem risco algum de sermos vencidos pelos embates da vida. No entanto, não existe vida sem fardo, justamente porque o sentido da vida está em lidar com o fardo que nos é próprio carregar, entendendo-o como a tarefa que só pode ser realizada por nós e por mais ninguém.

            A libertação da sobrecarga que Jesus nos propõe se refere às cobranças internas ou externas que nada têm a ver com a nossa verdadeira missão neste mundo. Por isso, quando nos sentimos esgotados e começamos a adoecer física e/ou emocionalmente, precisamos nos perguntar se os fardos que estamos carregando são realmente nossa responsabilidade fazê-lo, ou se, por ventura, há pessoas folgadas à nossa volta que estão jogando seus próprios fardos sobre nós com a nossa permissão. Ter ciência e saber respeitar os próprios limites é condição necessária para não permitirmos que sejam jogados sobre as nossas costas fardos que não são nossa responsabilidade carregar.

            Enfim, uma última palavra sobre o fardo. Há muitos anos atrás, num determinado país, um repórter fotografou uma menina carregando sobre suas costas o irmão menor. Ele perguntou à menina: “Ele não é pesado?”, ao que a menina respondeu: “Não, é meu irmão”. Que resposta você daria à pessoa que lhe perguntasse se seu casamento é pesado, se seu pai ou sua mãe é pesado(a), se seu trabalho é pesado, se lidar com suas lutas interiores é pesado, se sua cruz é pesada?

 

            Pe. Paulo Cezar Mazzi