Missa do 2º dom. Quaresma. Palavra de Deus: Gênesis 12,1-4a; 2Timóteo 1,8b-10; Mateus 17,1-9.
Estamos
entrando na segunda semana da nossa caminhada para a Páscoa, para a passagem
que necessitamos que Deus realize em nossa vida: do medo para a coragem, da escuridão
para a luz, da tristeza para a alegria, da escravidão para a liberdade; em
resumo, de uma situação de morte para uma situação de vida. Já vimos, no
primeiro domingo da Quaresma, que essa passagem não depende somente de Deus,
mas também de nós mesmos, sobretudo em relação à nossa maneira de lidar com as
tentações, pois o diabo não quer que essa passagem seja feita. Hoje, no segundo
domingo da Quaresma, essa passagem ganha uma nova compreensão: todos necessitamos
passar de uma situação de desfiguração para uma situação de transfiguração.
Antes
de olharmos para a transfiguração de Jesus, precisamos olhar para a
desfiguração de Abraão. A vida dele e de Sara estava desfigurada por três
motivos: a idade avançada de ambos (aproximação da morte), a ausência de filhos
(esterilidade de Sara) e o fato de não terem um pedaço de terra nem mesmo para
serem sepultados. Em outras palavras, a vida de Abraão e Sara estava
interrompida, sem perspectiva de futuro. Essa situação de desfiguração só mudou,
só se transfigurou, porque Abraão aceitou sair, aceitou caminhar com Deus,
mesmo sem saber para onde iria.
Cada
um de nós precisa se perguntar: minha vida está paralisada? Qual situação está me
desfigurando neste momento? Qual é a minha disposição em sair, em romper com
minhas precárias seguranças humanas, e aceitar caminhar com Deus, aceitar que
Ele interfira na minha vida e alargue o horizonte da minha história? Não basta
reclamarmos daquilo que está desfigurado em nós. É preciso tomarmos a coragem
de sair, de nos levantar do desânimo e da prostração, de entregar a direção da
nossa vida a Deus, que tem algo novo a nos oferecer, que tem o poder de
transfigurar a nossa vida. A passagem da desfiguração para a transfiguração
começa por uma atitude nossa: aceitar caminhar com Deus, obedecendo à
orientação da sua Palavra em nossa forma de conduzir a nossa existência.
Olhemos
agora a transfiguração de Jesus. Jesus sempre viveu no meio de pessoas
desfiguradas pela doença, pela fome, pelo maligno, pelo pecado e pela rejeição
religiosa e social da sua época. Além disso, como qualquer um de nós, ele também
se sentiu desfigurado algumas vezes pelo cansaço, pela fome, pelo desencanto
com uma religião que se importava com a Lei, mas não com a vida das pessoas,
pelas próprias tentações que sofreu e, especialmente, pela consciência de que a
sua vida estava caminhando na direção da morte de cruz (cf. Mt 16,21-28). Desse
modo, Jesus sobe a montanha levando consigo sua própria desfiguração, bem como
a desfiguração de toda a humanidade. Seu subir à montanha tinha um único propósito:
falar com o Pai sobre a desfiguração que ele estava experimentando no seu
ministério.
Toda
e qualquer situação de desfiguração que passamos precisa ser entregue a Deus,
por meio da oração, pois Ele é “o Pai das misericórdias e o Deus de toda
consolação” (2Cor 1,3). Diariamente precisamos sair da planície e subir a
montanha para nos colocar na presença de Deus e falar com Ele sobre as
situações que desfiguram a vida nossa e da humanidade. O Evangelho é muito
claro: Jesus “foi transfigurado” diante de Pedro, Tiago e João. A transfiguração
não é algo que eu ou você tenha a capacidade de produzir, mas é obra do Deus de
toda a consolação em nós. Só Ele pode nos dar discernimento diante daquilo que
está desfigurado em nós e no mundo, e nos apontar o caminho da transfiguração.
Durante
a experiência de transfiguração de Jesus, aparecem Moisés e Elias, porque Jesus
se encontra na esfera celeste, na glória de Deus, onde já estavam esses homens
justos. Moisés e Elias não são espíritos que descem à montanha para falar com
Jesus, mas é Jesus quem sobe até a esfera celeste para se encontrar com o Pai e
receber dele a força para enfrentar as situações de desfiguração. E assim, a
presença do Pai envolve Jesus e os três discípulos por meio de uma nuvem
luminosa, confirmando Jesus como “filho muito amado”, a quem nós, seus
discípulos, devemos ouvir, sobretudo nos momentos de desfiguração.
Se
as situações de desfiguração costumam nos jogar por terra, Jesus transfigurado
toca em nós e nos encoraja: “Levantem-se e não tenham medo” (Mt 17,7). Deus
quis que Pedro, Tiago e João testemunhassem a transfiguração de Jesus para que
nós, seus discípulos, entendamos que enfrentar situações de desfiguração faz
parte da vida de todo ser humano. No entanto, sempre poderemos encontrar em
Deus momentos de transfiguração, quando nos confiamos às suas mãos e recebemos
d’Ele a força para continuarmos a nossa missão de ajudar a transfigurar o mundo
em que vivemos. Neste sentido, a Campanha da Fraternidade nos desafia a transfigurar
aqueles que à nossa volta estão desfigurados devido à fome.
Enfim,
lembremos do apelo do apóstolo Paulo: “Sofre comigo pelo Evangelho, fortificado
pelo poder de Deus” (2Tm 1,8b). Viver segundo o Evangelho e anunciá-lo a esse
mundo cujos valores estão invertidos comporta sofrimento para todo discípulo de
Jesus. No entanto, o Deus de toda consolação nos consola em nossas aflições e nos
sustenta pelo poder do seu Espírito. O importante é compreendermos que nem
Jesus, nem qualquer discípulo, seu teve uma vida permanentemente transfigurada.
Enquanto estivermos nesse mundo, experimentaremos momentos de desfiguração e momentos
de transfiguração. Sobretudo nos momentos de desfiguração, cabe nos perguntar se
ela é fruto de atitudes erradas da nossa parte, fruto das injustiças sociais
que devemos combater ou fruto da cruz que nos cabe enfrentar. Quanto à nossa transfiguração
definitiva, ela permanece como promessa no horizonte da nossa existência,
quando Jesus vier nos fazer subir com ele a montanha eterna, que é o Reino de
Deus (cf. Fl 3,20-21).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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