Missa do 3º. Dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 8,23b – 9,3; 1Coríntios 1,10-13.17; Mateus 4,12-23
O
Evangelho de hoje nos coloca diante do início da vida pública de Jesus. Até
então, Jesus vivia de forma anônima, em Nazaré. O que faz com que Jesus deixe
Nazaré e passe a morar em Cafarnaum é a prisão de João Batista, prisão que
tinha por objetivo silenciar a voz de João, a qual incomodou Herodes. Se a voz
de João é silenciada com sua prisão, Jesus entende que é hora de ele, Palavra
de Deus encarnada na realidade humana, sair do seu anonimato e se pronunciar.
Essa atitude de Jesus nos lembra aquilo que o Papa Francisco ensina: a
existência de cada um de nós contém uma palavra única de Deus para a
humanidade. Essa palavra deve ser pronunciada, ou seja, cada um de nós é
chamado a ocupar o nosso lugar na história da salvação; cada um de nós deve
deixar sua Nazaré e mudar-se para Cafarnaum; cada um de nós precisa abraçar a
tarefa, a missão, a vocação para a qual nascemos e na qual se encontra a razão
de ser da nossa existência.
O
que nos chama a atenção no Evangelho é que Jesus não se muda de Nazaré para
Jerusalém, a capital do país, mas para uma região desprezível e mal afamada,
chamada pejorativamente de “Galileia dos pagãos”. Habituados com as redes
sociais, que alimentam o nosso narcisismo – a nossa necessidade de sermos
vistos – , nós fugimos das periferias e fazemos de tudo para brilhar no centro,
na “capital”, onde teremos visibilidade. Aliás, a busca pela visibilidade tem escravizado,
adoecido e desumanizado muitas pessoas. Em nome de serem vistas, percebidas,
notadas, elas abrem mão dos seus valores, dos seus princípios, e aceitam se
tornar vulgares, vazias e fúteis, sujeitando-se a serem meros produtos de
consumo da mídia, que tem o pode de transformar príncipes em sapos e sapos em
príncipes.
Diferente
da nossa sociedade narcisista, Jesus nunca buscou fama, nem visibilidade. Ele
nunca aceitou se tornar vazio e fútil para ganhar a simpatia das pessoas. Pelo
contrário, rejeitando aparecer e ter fama, Jesus escolheu iniciar sua vida
pública no meio de pessoas tidas como sujas, mestiças, impuras, desprezíveis.
Enquanto a região da Judeia era habitada por judeus “puros”, a Galileia era
chamada exatamente de “Galileia dos pagãos”, por ser habitadas por pessoas
pobres, simples, analfabetas, trabalhadores braçais, cuja vivência religiosa
era desprezada pelo judaísmo ortodoxo. O que isso diz para a sua vida? Você já
encontrou o seu lugar nesse mundo? Você está florescendo aonde a mão de Deus
lhe plantou, ou vive lamentando por estar na periferia e não ocupar o centro
das atenções do mundo?
Escolhendo
colocar-se junto das pessoas que habitavam uma região desprezível do seu país,
Jesus cumpriu a profecia que diz: “O povo que vivia nas trevas viu uma grande
luz e para os que viviam na região escura da morte brilhou uma luz” (Is 9,1; Mt 4,16). A luz que você é está sendo levada
para os idosos que vivem na região escura da tristeza, da solidão, do abandono?
A luz que você é está sendo levada às crianças e adolescentes de famílias
desestruturadas, que vivem no meio da violência e do tráfico de drogas? A luz
que você é está sendo levada às famílias que sofrem com problemas financeiros,
com doenças, com brigas e separações? A luz que você é disputa lugar com os
ambientes luxuosos, iluminados com lustres caríssimos, ou você se alegra por
levar sua luz aos ambientes mais escuros, onde há pessoas sem fé, sem
esperança, sem sentido de vida?
A
missão de Jesus sempre foi “procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10).
Mas ele não se pôs a fazer isso sozinho. Pelo contrário, quis formar um grupo
de discípulos. Os quatro primeiros discípulos foram escolhidos por Jesus entre
pescadores do mar da Galileia: Pedro e André, Tiago e João. A eles Jesus lançou
um desafio: “Sigam-me, e eu farei de vocês pescadores de homens” (Mt 4,19). Jesus
aproveitou a experiência daqueles pescadores e os desafiou a aplicar tal
experiência de forma nova, resgatando pessoas do mar da destruição, do pecado e
da morte. Cada um de nós tem sua profissão. Jesus nos convida a vivê-la não
simplesmente em função de ganhar dinheiro, mas em função de fazer o bem à
humanidade e de ajudar a salvar as pessoas que estão à nossa volta e que talvez
estejam se afogando no mar da destruição.
“Pescar
homens” significa resgatar pessoas das inúmeras situações de morte. O sentido
da nossa vida não está em nos dar bem neste mundo materialista, mas em ajudar a
resgatar pessoas para Deus, para a vida, para a esperança, para a fé e o amor. Nosso
mundo é um imenso mar no qual inúmeras pessoas estão sendo destruídas, mortas.
Não basta que nós tenhamos a nossa consciência tranquila pelo fato de não
fazermos o mal aos outros. É preciso muito mais do que isso: é preciso fazer o
bem de que somos capazes, de que temos condições de fazer, lembrando de que não
existe acaso: se a vida nos coloca junto de determinadas pessoas, é porque
podemos e devemos ser para elas uma “rede” de salvação, que as resgata do mal e
da morte.
Uma
última palavra. Se existe um resgate a ser feito fora da Igreja – ela existe
para resgatar as pessoas que estão se perdendo, no mundo –, existe também um
resgate a ser feito dentro da Igreja: o resgate da unidade: “entrem em acordo
uns com os outros e não admitam divisões entre vocês” (1Cor 1,10). O apóstolo
Paulo encontrou a Igreja de Corinto dividida: “Eu sou de Paulo”; “Eu sou de
Apolo”; “Eu sou de Pedro”; “Eu sou de Cristo!” (1Cor 1,12). Diante dessa
divisão, Paulo fez uma pergunta: “Será que Cristo está dividido?” (1Cor 1,13). Hoje,
a principal divisão dentro da Igreja é a mesma que se encontra fora dela,
causada pela polarização: “Eu sou de direita”; “Eu sou de esquerda”. Ora, a
Igreja é o Corpo de Cristo (cf. 1Cor 12,12-27). Assim como o nosso corpo tem o
lado direito e o lado esquerdo, e ambos são necessários para a saúde e o bom
funcionamento do corpo, assim aqueles que se identificam com a “direita” como
aqueles que se identificam com a “esquerda” devem trabalhar pelo bem comum. Não
sejamos cristãos diabólicos – o diabo é o divisor –, alimentando brigas e
divisões entre nós, mas cristãos fraternos, trabalhando pela concórdia e pela
unidade, conforme Jesus orou: “que todos sejam um, (...) para que o mundo creia
que tu me enviaste” (Jo 17,20-21).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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