quinta-feira, 25 de agosto de 2022

DESFAZER-SE DO FERMENTO DA SOBERBA E DO ORGULHO

 Missa do 22º dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,19-21.30-31; Hebreus 12,18-19.22-24a; Lucas 14,1.7-14. 

 

Qual é o seu tamanho? Você é “grande” o suficiente para ser visto, ou “pequeno” demais para ser notado? Diz o ditado: “O que não é visto, não é lembrado”. Na sociedade da aparência, quem não é visto, é ignorado, simplesmente “não existe”. Então, para não serem ignorados, muitos se expõem o quanto podem nas redes sociais. Por medo de serem ignoradas, pessoas gastam tempo e dinheiro investindo no culto ao corpo, enfeitando-o de maneira chamativa – roupa, maquiagem, cabelo, tatuagem, piercing etc. – além de comprarem carros caros e construírem casas desnecessariamente grandes, tudo para serem notadas, vistas. É o medo de não ser percebido aos olhos alheios.

O problema é que, por trás do excesso de exposição, da mania de grandeza, do chamar a atenção sobre si, está uma ferida chamada “sentimento de inferioridade”. Quanto maior é esse sentimento, mais a pessoa faz o contrário, exatamente para mostrar-se grande, importante. A ironia em tudo isso é que hoje você tem pessoas fisicamente grandes, aparentemente bem sucedidas, ocupando altos cargos nas empresas, sendo seguidas por inúmeros fãs nas redes sociais, mas, interiormente, essas mesmas pessoas, além de serem fúteis e vazias, não têm estrutura emocional: tombam diante de qualquer vento contrário, se desequilibram diante de qualquer frustração, caem em depressão diante de qualquer queda de “popularidade”.

Enquanto a sociedade da aparência cultua a copa da árvore, Deus nos convida a olhar, a valorizar e a cuidar da raiz da árvore. A raiz não é vista, exatamente porque está “escondida” debaixo da terra. Por isso, ela simboliza a virtude da humildade, pois “humildade” vem de “humus”, terra. Uma pessoa humilde não é uma pessoa “enterrada”, rebaixada, mas uma pessoa que se assenta sobre suas raízes. Ela está em contato com a sua verdade interior. Ela tem consciência do seu real tamanho e do seu real valor. Ela não se alimenta dos olhares alheios para saber que tem importância. A consciência do seu valor, da sua importância, não está no fato de ela ocupar o centro, o lugar mais “importante” ou de destaque, mas de ocupar o lugar que foi chamada a ocupar, a enraizar-se ali e ali produzir os frutos de que é capaz.

Enquanto o ser humano foge do sentimento de inferioridade inchando-se de soberba, de orgulho, de arrogância, de empáfia, Deus escolheu fazer-se humilde em Jesus Cristo. Ele nasceu de maneira humildade (estrebaria), cresceu de maneira humilde (na insignificante Nazaré), viveu de maneira humilde (região da Galileia, longe da capital, Jerusalém), e escolheu estar com os humildes, exatamente com aqueles que eram ignorados e desprezados pela política e pela religião do seu tempo, para tornar realidade palpável esta palavra do Senhor: “Eu habito em lugar alto e santo, mas estou junto com o humilhado e desamparado, a fim de animar os espíritos desamparados, a fim de animar os corações humilhados” (Is 57,15).

Deus só pode ser encontrado na humildade. O coração orgulhoso, o olhar arrogante nos afasta de Deus. Quem busca ser grande segundo os contravalores do mundo torna-se um copo cheio: nele não cabe mais nada; não cabe Deus. Seria de se esperar que a religião nos tornasse pessoas humildes, mas às vezes acontece o contrário: estar na Igreja serve de status, de projeção da própria imagem, de colocar-se ou de sentir-se acima dos outros. Quando fazemos isso, traímos a Eucaristia, pois ela é pão sem fermento, exatamente porque Cristo foi um homem não fermentado, não inchado de orgulho, nem de soberba. O que se espera de uma pessoa que consagra e/ou comunga o Corpo de Cristo é que ela seja uma pessoa não fermentada pela arrogância, mas reconhecida por sua humildade.

Enfim, é preciso muita coragem e muita liberdade interior para se cultivar a humildade, para suportar sentir-se insignificante perante o mundo fútil e vazio em que vivemos, cujos olhos só enxergam e valorizam a superficialidade e são incapazes de enxergar em profundidade. É preciso nos lembrar de que “por mais alto que esteja, o Senhor vê os humildes e conhece os soberbos de longe” (Sl 138,6). Só à luz dos olhos de Deus é que podemos nos dar conta do nosso verdadeiro tamanho e tomar consciência do nosso real valor, da importância e do significado da nossa existência neste mundo.

Além da virtude da humildade, Jesus nos convida a desenvolver a atitude da gratuidade: “Quando você der uma festa, convide os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. Então você será feliz! Porque eles não lhe podem retribuir. Você receberá a recompensa na ressurreição dos justos” (Lc 14,13-14). Para a mentalidade moderna, tudo tem que ter retorno: todo investimento tem que gerar algum tipo de lucro, de ganho. Jesus nos desafia a experimentar a alegria de dar sem receber nada em troca. Aliás, ele mesmo afirma que “há mais alegria em dar do que em receber” (At 20,35). Quando ajudamos quem não pode nos retribuir e, sobretudo, quando ajudamos quem “não merece” a nossa ajuda, experimentamos Deus, pois Ele é gratuidade: “faz nascer o sol sobre bons e maus e cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,45). Só a gratuidade pode curar as feridas abertas na humanidade, feridas causadas pela competitividade selvagem, desumana, da lei que afirma: “quem pode mais, chora menos”.

Rezemos hoje pelos nossos Catequistas. Eles têm o grande desafio de ajudar a encantar-se por Jesus, o Deus sem fermento, uma geração fermentada pela mania de grandeza, que se alimenta do que é fútil e vazio, que, altamente influenciada pelas redes sociais, se preocupa com a copa da árvore e despreza o cuidado com suas raízes, uma geração para a qual “fazer a Primeira Eucaristia” é meramente um ato de projeção social e não uma configuração Àquele que tem um coração manso e humilde (cf. Mt 11,29).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

ENTRE ALTOS E BAIXOS, EXPERIMENTAR A CONSTANTE PRESENÇA DE DEUS

 Missa da Assunção de Maria. Palavra de Deus: Apocalipse 11,19a; 12,1.3-6a.10ab; 1Coríntios 15,20-27a; Lucas 1,39-56

 

Nós, seres humanos, caminhamos sobre a terra. Acima de nós está o céu; abaixo, a terra, com aquilo que a Bíblia chama de “região dos mortos”. De fato, tudo aquilo que morre é “enterrado”, isto é, volta para a terra. Caminhando sobre a terra, percebemos em nós duas forças ou dois apelos: um, que nos puxa para cima, para o alto, para a Vida; outro, que nos puxa para baixo, para a morte. Isso faz com que, às vezes, nos sintamos “inclinados” para o alto, para Deus, para a esperança – é quando nos sentimos vivos! Às vezes, porém, nos sentimos “pra baixo”, derrubados, dobrados ao chão, como que enterrados no desânimo – é quando nos sentimos mortos por dentro.

Hoje celebramos a Assunção, a elevação de Maria em corpo e alma ao céu. É um dogma de fé. Nossa Igreja crê na preservação do corpo de Maria após a morte, justamente pelo fato de que seu corpo foi escolhido por Deus para gerar o autor da Vida, Cristo. Assim como o corpo do Filho “não foi abandonado à região da morte”, “não conheceu a corrupção” (cf. At 2,26-31), assim cremos que o corpo da Mãe recebeu essa graça de ser recolhido por Deus no céu, após a sua morte, pois seu corpo foi o sacrário vivo que concebeu Jesus, vencedor da morte, Aquele por meio do qual “todos ressuscitarão”, “todos reviverão” (cf. 1Cor 15,21-22).

A elevação de Maria em corpo e alma ao céu nos pergunta se estamos alimentando em nós a força que nos eleva para o alto ou a força que nos puxa para baixo; se estamos escolhendo nos definir a partir do alto ou a partir de baixo. Enquanto vivermos experimentaremos essa tensão entre o céu e a terra, entre a vida e a morte, entre nos sentirmos perto de Deus e nos sentirmos distantes d’Ele. Essa tensão foi descrita no Apocalipse com dois sinais: o sinal da Mulher vestida de sol e o sinal do Dragão cor de fogo, que foi expulso do céu e precipitado para a terra (cf. Ap 12,9). A Mulher representa não somente Maria, mas a Igreja, isto é, nós, povo de Deus, chamados a gerar vida e esperança em um mundo marcado pela cultura de morte. Assim como Jesus e sua Mãe, a Igreja encontra-se num mundo que, escravo da ambição do lucro, fragiliza a vida e favorece constantemente a morte. Nesse combate, somos sustentados pela certeza da vitória de Deus, como diz a Palavra: “Se nós trabalhamos e lutamos, é porque pomos a nossa esperança no Deus vivo, Salvador de todos os homens, sobretudo dos que têm fé” (1Tm 4,10).

O Evangelho nos coloca diante de duas mães de família: Maria e Isabel; a mãe jovem e a mãe anciã. Ambas estão grávidas. Ambas se alegram por suas famílias terem sido visitadas pelo Deus que “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; que enche de bens os famintos, e despede os ricos de mãos vazias” (cf. Lc 1,52-53); pelo Deus que se posiciona contrário à desigualdade social, porque ela produz violência e morte em muitas famílias. Hoje elevamos nossa súplica a Deus por todas as famílias empobrecidas por uma política econômica que favorece os que já são ricos e prejudica os que são pobres; por todas as famílias afetadas pelo desemprego, pelos vícios, pela dependência química; famílias machucadas pela separação, entristecidas pelo luto, desprovidas de fé e de esperança porque não alcançadas pela ação pastoral da nossa Igreja.

A visita de Maria a Isabel, levando àquela família a alegria do Espírito Santo, questiona o fechamento das nossas famílias em si mesmas e a ausência nossa, enquanto Igreja, das famílias que precisam ser visitadas pela ação renovadora e transformadora do Espírito Santo. Inúmeras famílias perderam a direção do céu e se sentem distantes de Deus. Nelas não há espaço para a fé, a esperança e o amor, porque se encontram voltadas para baixo, enterradas na desorientação, na descrença, na inimizade; sua esperança foi substituída pela apatia; quando não, pela escravidão do consumismo, um consumismo que, além de trazer vazio, endivida e gera ainda mais conflito e discussão em casa. As casas estão hoje, em sua maioria, habitadas pela solidão: a mãe busca sobreviver à solidão com remédios, bebida, droga ou homens; os filhos buscam sobreviver à solidão afundando-se e perdendo-se na Internet; o pai busca sobreviver à solidão nos bares ou em relações de adultério...

Hoje pedimos a intercessão de Nossa Senhora por todas as famílias. “Querer formar uma família é ter a coragem de fazer parte do sonho de Deus, a coragem de sonhar com Ele, a coragem de construir com Ele, a coragem de unir-se a Ele nesta história de construir um mundo onde ninguém se sinta só”, afirma o Papa Francisco (AL n.322). Que todas as famílias experimentem a força do braço do Senhor a libertá-las e a protegê-las do poder do mal. Que cada família seja visitada pela força do Alto, que é o Espírito Santo, e trabalhe no sentido de desenterrar-se, de desejar voltar a viver, de olhar para o céu e deixar-se elevar até Deus. Que cada família aprenda a lidar com a tensão existencial entre o céu e a terra, entre a alegria e a tristeza, entre o ganho e a perda, entre a vida e a morte, e aprenda a experimentar Deus nos seus altos e baixos, como o salmista: “Se subo ao céu, Tu lá estás; se desço no abismo, ali também Te encontro” (Sl 139,8).

Neste terceiro domingo de agosto, mês vocacional, celebramos o dia do(a)s Religioso(a)s, das pessoas que não se casaram por causa do Reino dos céus (cf. Mt 19,12), homens e mulheres cuja afetividade não foi direcionada para alguém em particular, mas para amar a todos, especialmente os que não se sentem ou de fato não são amados em nosso mundo. Assim como Maria, elevada em corpo e alma aos céus, o(a)s religioso(a)s são um sinal a nos lembrar que o desejo último de cada um de nós é nos unir definitivamente a Deus na sua Glória, como Maria está.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi  

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

TOME POSIÇÃO DIANTE DO COMBATE!

 Missa do 20. dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 38,4-6.8-10; Hebreus 12,1-4; Lucas 12,49-53

 

            Uma coisa é você estar sentado numa arquibancada, assistindo a um jogo, uma disputa, uma luta. Outra coisa é você estar no campo, no meio do jogo, da disputa, da luta. O homem ou a mulher de Deus não é uma pessoa que está comodamente sentado(a) na arquibancada da história, vendo a humanidade debater-se entre o bem e o mal, a verdade e a mentira, a vida e a morte. Pelo contrário, nós estamos dentro dessa luta, desse combate que acontece diariamente, e somos obrigados a nos posicionar e escolher de qual lado estamos. Em outras palavras, não existe neutralidade: diante de tudo o que acontece à nossa volta, temos que tomar uma posição: ou somos a favor, ou somos contra; ou nos unimos e lutamos do lado de quem trabalha pela vida, ou nos unimos e lutamos do lado de quem trabalha pela morte.

            Teoricamente, nós somos favoráveis à vida, ao bem, à verdade e à justiça. Contudo, na prática a história é outra. Devido à inversão de valores em que vive o nosso mundo, hoje tornou-se muito mais fácil fazer o mal do que fazer o bem, propagar a mentira e não a verdade, permitir situações de injustiça e de morte, ao invés de combatê-las. O preço a pagar por lutar em favor da vida, da justiça e da verdade é muito alto! Aí está o exemplo do profeta Jeremias, na primeira leitura. Por defender a verdade e anunciar a catástrofe do exílio na Babilônia como consequência da infidelidade do povo de Israel para com Deus, Jeremias teve sua morte decretada: “Pedimos que seja morto este homem”; ele lança “desânimo” entre as pessoas; “este homem... não propõe o bem-estar do povo, mas sim a desgraça” (Jr 38,4).

            “Pedimos que seja morto este homem”. Hoje, pede-se que seja morta toda pessoa que trabalha em defesa dos índios e da Amazônia; toda pessoa que levanta sua voz contra o poder paralelo não só dos traficantes, mas também dos policiais corruptos e dos milicianos; toda pessoa que denuncia o aprofundamento da miséria e da fome no Brasil; toda pessoa que defende os valores cristãos e se pronuncia contra o aborto e a promoção da cultura gay etc. Assim como Jeremias foi jogado dentro de uma cisterna onde “não havia água, somente lama; e assim ia-se Jeremias afundando na lama” (Jr 38,7), assim é preciso afundar na lama das fake news toda pessoa que combate a atual política de morte que intensifica a violência, a desigualdade social e a fome em nosso País, além de desviar recursos da Saúde da Educação para a compra de apoio no Congresso.  

            Justamente porque temos que nos posicionar diante do que acontece à nossa volta, a carta aos Hebreus nos faz este desafio: “Deixemos de lado o que nos pesa e o pecado que nos envolve. Empenhemo-nos com perseverança no combate que nos é proposto, com os olhos fixos em Jesus, que em nós começa e completa a obra da fé” (Hb 12,1-2). Um combate nos é proposto: lutar contra o pecado, tanto no âmbito pessoal quanto no social. Enquanto nos posicionamos dentro desse combate, devemos nos espelhar em Jesus, que “suportou a cruz, não se importando com a infâmia” (Hb 12,2), isto é, não se importando em ser ignorado, menosprezado, atacado e criticado por pessoas de valores invertidos.

            Nossos olhos devem se manter fixos em Jesus, que não combateu o mal no mundo defendendo o uso de armas ou da violência, mas que se colocou junto aos fracos, aos injustiçados, aos prejudicados pela indiferença política e religiosa da sua época. Tomando posição diante do combate que todo ser humano enfrenta dentro e fora de si, Jesus nunca se deixou abater pelo desânimo, mas sempre confiou na força da verdade, da justiça e da vida. Eis porque o autor da carta aos Hebreus nos anima: “Não vos deixeis abater pelo desânimo!” (Hb 12,3).

            Mantendo os nossos olhos fixos em Jesus, nós nos tornamos conscientes da importância do fogo e da divisão. “Eu vim para lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso!” (Lc 12,49). O fogo ao qual Jesus se refere é o Espírito Santo, fogo que aquece o que está frio, que devolve a vida de Deus a quem se sente morto interiormente; fogo que purifica o ouro e a prata, isto é, que santifica o coração humano; fogo que tem o poder de derreter o mais duro metal, símbolo do poder do Espírito Santo de transformar o coração humano, de transformar a pessoa a partir de dentro. Jesus deseja que esse fogo se acenda e se espalhe por toda a terra, fazendo cada ser humano reviver a partir de dentro.

            Mas, junto com o fogo, Jesus veio trazer a divisão (cf. Lc 12,51)! Essa divisão não é inimizade, mas a consciência de que há coisas totalmente incompatíveis na vida de uma pessoa que deseja ser de Deus, que tenha decidido viver segundo o Evangelho. É incompatível para essa pessoa seguir Jesus e ser a favor da violência e das armas (cf. Mt 26,52; Jo 18,10-11); é incompatível seguir Jesus e manter-se distante dos que sofrem e passam fome, pois o próprio Jesus se identifica com essas pessoas (cf. Mt 25,31-46); é incompatível para uma pessoa ser de Deus e não se importar com a criação, com o meio ambiente, o qual Deus confiou aos cuidados do ser humano (cf. Gn 1,28-31).

            Concluindo, quem decide seguir Jesus deve se preparar para lidar com conflitos. Esses conflitos acontecerão, primeiramente, dentro da alma da pessoa, em relação aos interesses do seu ego, contrários ao Evangelho. Depois, eles ocorrerão fora da pessoa, no convívio com pessoas e situações movidas não pelo interesse no bem comum, não pela defesa da vida, mas por interesses egoístas, mesquinhos e que produzem morte. Precisamos abraçar o combate que nos é proposto, suportando sofrer a dor da divisão: não há como nos unirmos ao Pai e ao Filho no trabalho de salvação de cada ser humano sem nos opormos frontalmente a tudo o que atenta conta a vida do ser humano.

            Rezemos por todos os pais, por todos os homens que, como Jeremias e Jesus, sofrem a rejeição do mundo e são atingidos pelas injustiças daqueles que, ao mesmo tempo em que descuidam da vida, favorecem a morte através das suas atitudes pessoais. Rezemos por todos os pais cujo coração precisa receber o fogo do Espírito Santo e ser purificado, transformado, reavivado na sua fé e no seu sentido de vida. Rezemos por todas as famílias que sofrem com a presença do pai alcoólatra ou viciado nas drogas, do pai agressivo e violento; por todas as famílias onde o pai não está mais presente e é a mãe que tem que abraçar todos os dias o combate pela sobrevivência e pela defesa da sua família.   

            Que cada pai ou mãe aproprie-se dessa oração do salmista: “Esperando, esperei no Senhor, e inclinando-se, ouviu meu clamor. Retirou-me da cova da morte e de um charco de lodo e de lama. Colocou os meus pés sobre a rocha, devolveu a firmeza a meus passos... Eu sou pobre, infeliz, desvalido, porém, guarda o Senhor minha vida, e por mim se desdobra em carinho. Vós me sois salvação e auxílio: vinde logo, Senhor, não tardeis!” (Sl 40,2.3.18).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

O RESGATE DA CAPACIDADE DE TER ESPERANÇA

 Missa do 19. dom. comum. Sabedoria 18,6-9; Hebreus 11,1-2.8-19; Lucas 12,32-48.

            O que é uma vida sem esperança? É como uma sala fechada, onde não há porta nem janela que se possa abrir. Quem é colocado ali, acaba morrendo asfixiado, porque não há entrada de ar. Uma pessoa sem esperança é uma pessoa em “des-espero”: ela deixou de esperar; ela nada espera; seu presente está fechado em si mesmo; ela está fechada num ambiente onde não há abertura alguma para a entrada de ar e de luz.

            As leituras que acabamos de ouvir nos falam da importância da esperança: “A noite da libertação... foi esperada” (Sb 18,6.7). “A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera” (Hb 11,1). Abraão morou provisoriamente em tendas porque “esperava a cidade alicerçada” (Hb 11,10). Jesus, no Evangelho, nos fez este convite: “Sejam como pessoas que estão esperando seu senhor voltar” (Lc 12,36). E o salmo deixa claro que nós não esperamos por algo ou por alguma coisa; esperamos por Alguém! “No Senhor nós esperamos confiantes, porque ele é nosso auxílio e proteção! (...) Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, da mesma forma que em vós nós esperamos!” (Sl 33,20.22).  

            Esperar é difícil, sobretudo para uma geração como a nossa, mal acostumada com o imediatismo da tecnologia. Queremos tudo para ontem. Nos tornamos pessoas impacientes e intolerantes, pessoas que não suportam o processo da mudança, do crescimento, da transformação. Plantamos ontem e queremos colher hoje! Não respeitamos o tempo necessário até que a resposta chegue, até que a ferida seja tratada e curada, até que a noite termine e irradie um novo dia. Mesmo em relação a Deus, não suportamos o fato de que não podemos forçá-Lo a agir no nosso tempo: “Meu patrão está demorando” (Lc 12,45), o que faz com que joguemos tudo pro alto, abandonemos nossa fidelidade e busquemos ser feliz agora, do nosso jeito.

            No horizonte da vida cristã está o encontro com o Senhor e com a realização das suas promessas: “Sejam como pessoas que estão esperando seu senhor voltar” (Lc 12,36). Somente a força da esperança nos faz suportar o momento presente, marcado por perguntas que ainda não foram respondidas, por feridas que ainda não foram curadas e por problemas que ainda não foram solucionados. Tanto as coisas boas quanto as ruins são transitórias. Tanto nossos sucessos quanto nossos fracassos são temporários. O nosso estar no mundo é, exatamente como Abraão, um “morar em tendas”. O erro de muitas pessoas é desperdiçar tempo, dinheiro e energia tentando transformar o transitório em definitivo.

            Para nos tirar dessa ilusão, a vida nos traz situações de perda, de destruição, de mudanças drásticas que nos tiram nossas seguranças humanas e nos obrigam a rever o fundamento da nossa existência: O mais importante é o que eu tenho, o que eu faço, ou o que eu sou como pessoa? A minha fé em Deus se ancora nas Suas promessas ou apenas naquilo que Ele já realizou em minha vida? O que tem mais valor: aquilo que Deus já realizou em minha vida ou aquilo que Ele ainda realizará? Quando é que a vida vale a pena: quando eu estou feliz ou quando eu encontro um sentido para viver, mesmo lidando com um sofrimento? “Eles desejam uma pátria melhor, isto é, a pátria celeste” (Hb 11,16). Quem reduz o sentido da sua vida em ser feliz aqui e agora não suporta nenhuma contrariedade, nenhum “ainda não”. Quem, pelo contrário, mantém sua vida aberta ao futuro, ventilada pela esperança, abraça sua tarefa diária e se mantém aberto àquilo que Deus está realizando em sua vida.

Jesus afirmou: “onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12,34). Nossa vida gira em torno daquilo que para nós tem valor. Para algumas pessoas, o tesouro é o corpo, a aparência, a influência e os consequentes “seguidores” nas redes sociais. Para essas pessoas, torna-se insuportável envelhecerem, não serem admiradas ou percebidas, perderem a “importância” para os outros. Para algumas pessoas, o tesouro é o dinheiro e os bens materiais que ele pode comprar. Suas grandes casas são frequentemente habitadas pelo vazio e seus castelos desmoronam mediante um infarto, um AVC ou um câncer. E para nós? Nosso coração está no Senhor ou em algo que desejamos que Ele nos dê? Nosso tesouro é o nosso relacionamento com Deus, ou nosso interesse naquilo que estamos esperando que Ele nos dê?

O Evangelho termina com um alerta de Jesus: “Vós também ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes” (Lc 12,40). Na hora em que menos imaginarmos, estaremos deixando o transitório e caminhando para o definitivo. Na hora em que menos imaginarmos, nossa tenda será desfeita e seremos convidados a mudar para nossa casa definitiva (cf. 2Cor 5,1-10). Portanto, é preciso manter nossa vida aberta, cientes de que o Senhor está vindo ao nosso encontro. E ele deseja nos encontrar como “administradores fiéis e prudentes” (cf. Lc 12,42). O administrador não é dono; ele apenas “administra” a vida que recebeu, e a melhor forma de administrarmos a nossa vida é nos mantendo abertos à pergunta: Qual a tarefa que a vida está pedindo de mim neste momento? Do quê eu estou sendo chamado a cuidar neste momento?

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi