Missa do 20. dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 38,4-6.8-10; Hebreus 12,1-4; Lucas 12,49-53
Uma coisa é você estar sentado numa
arquibancada, assistindo a um jogo, uma disputa, uma luta. Outra coisa é você
estar no campo, no meio do jogo, da disputa, da luta. O homem ou a mulher de
Deus não é uma pessoa que está comodamente sentado(a) na arquibancada da história,
vendo a humanidade debater-se entre o bem e o mal, a verdade e a mentira, a
vida e a morte. Pelo contrário, nós estamos dentro dessa luta, desse combate
que acontece diariamente, e somos obrigados a nos posicionar e escolher de qual
lado estamos. Em outras palavras, não existe neutralidade: diante de tudo o que
acontece à nossa volta, temos que tomar uma posição: ou somos a favor, ou somos
contra; ou nos unimos e lutamos do lado de quem trabalha pela vida, ou nos
unimos e lutamos do lado de quem trabalha pela morte.
Teoricamente, nós somos favoráveis à
vida, ao bem, à verdade e à justiça. Contudo, na prática a história é outra.
Devido à inversão de valores em que vive o nosso mundo, hoje tornou-se muito
mais fácil fazer o mal do que fazer o bem, propagar a mentira e não a verdade,
permitir situações de injustiça e de morte, ao invés de combatê-las. O preço a
pagar por lutar em favor da vida, da justiça e da verdade é muito alto! Aí está
o exemplo do profeta Jeremias, na primeira leitura. Por defender a verdade e anunciar
a catástrofe do exílio na Babilônia como consequência da infidelidade do povo
de Israel para com Deus, Jeremias teve sua morte decretada: “Pedimos que seja
morto este homem”; ele lança “desânimo” entre as pessoas; “este homem... não propõe
o bem-estar do povo, mas sim a desgraça” (Jr 38,4).
“Pedimos que seja morto este homem”.
Hoje, pede-se que seja morta toda pessoa que trabalha em defesa dos índios e da
Amazônia; toda pessoa que levanta sua voz contra o poder paralelo não só dos
traficantes, mas também dos policiais corruptos e dos milicianos; toda pessoa
que denuncia o aprofundamento da miséria e da fome no Brasil; toda pessoa que defende
os valores cristãos e se pronuncia contra o aborto e a promoção da cultura gay
etc. Assim como Jeremias foi jogado dentro de uma cisterna onde “não havia
água, somente lama; e assim ia-se Jeremias afundando na lama” (Jr 38,7), assim
é preciso afundar na lama das fake news toda pessoa que combate a atual política
de morte que intensifica a violência, a desigualdade social e a fome em nosso
País, além de desviar recursos da Saúde da Educação para a compra de apoio no
Congresso.
Justamente porque temos que nos posicionar
diante do que acontece à nossa volta, a carta aos Hebreus nos faz este desafio:
“Deixemos de lado o que nos pesa e o pecado que nos envolve. Empenhemo-nos com
perseverança no combate que nos é proposto, com os olhos fixos em Jesus, que em
nós começa e completa a obra da fé” (Hb 12,1-2). Um combate nos é proposto: lutar
contra o pecado, tanto no âmbito pessoal quanto no social. Enquanto nos
posicionamos dentro desse combate, devemos nos espelhar em Jesus, que “suportou
a cruz, não se importando com a infâmia” (Hb 12,2), isto é, não se importando
em ser ignorado, menosprezado, atacado e criticado por pessoas de valores invertidos.
Nossos olhos devem se manter fixos
em Jesus, que não combateu o mal no mundo defendendo o uso de armas ou da
violência, mas que se colocou junto aos fracos, aos injustiçados, aos prejudicados
pela indiferença política e religiosa da sua época. Tomando posição diante do
combate que todo ser humano enfrenta dentro e fora de si, Jesus nunca se deixou
abater pelo desânimo, mas sempre confiou na força da verdade, da justiça e da
vida. Eis porque o autor da carta aos Hebreus nos anima: “Não vos deixeis
abater pelo desânimo!” (Hb 12,3).
Mantendo os nossos olhos fixos em
Jesus, nós nos tornamos conscientes da importância do fogo e da divisão. “Eu
vim para lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso!”
(Lc 12,49). O fogo ao qual Jesus se refere é o Espírito Santo, fogo que aquece
o que está frio, que devolve a vida de Deus a quem se sente morto
interiormente; fogo que purifica o ouro e a prata, isto é, que santifica o
coração humano; fogo que tem o poder de derreter o mais duro metal, símbolo do
poder do Espírito Santo de transformar o coração humano, de transformar a
pessoa a partir de dentro. Jesus deseja que esse fogo se acenda e se espalhe por
toda a terra, fazendo cada ser humano reviver a partir de dentro.
Mas, junto com o fogo, Jesus veio
trazer a divisão (cf. Lc 12,51)! Essa divisão não é inimizade, mas a consciência
de que há coisas totalmente incompatíveis na vida de uma pessoa que deseja ser
de Deus, que tenha decidido viver segundo o Evangelho. É incompatível para essa
pessoa seguir Jesus e ser a favor da violência e das armas (cf. Mt 26,52; Jo
18,10-11); é incompatível seguir Jesus e manter-se distante dos que sofrem e
passam fome, pois o próprio Jesus se identifica com essas pessoas (cf. Mt
25,31-46); é incompatível para uma pessoa ser de Deus e não se importar com a
criação, com o meio ambiente, o qual Deus confiou aos cuidados do ser humano
(cf. Gn 1,28-31).
Concluindo, quem decide seguir Jesus
deve se preparar para lidar com conflitos. Esses conflitos acontecerão,
primeiramente, dentro da alma da pessoa, em relação aos interesses do seu ego,
contrários ao Evangelho. Depois, eles ocorrerão fora da pessoa, no convívio com
pessoas e situações movidas não pelo interesse no bem comum, não pela defesa da
vida, mas por interesses egoístas, mesquinhos e que produzem morte. Precisamos
abraçar o combate que nos é proposto, suportando sofrer a dor da divisão: não
há como nos unirmos ao Pai e ao Filho no trabalho de salvação de cada ser
humano sem nos opormos frontalmente a tudo o que atenta conta a vida do ser
humano.
Rezemos por todos os pais, por todos
os homens que, como Jeremias e Jesus, sofrem a rejeição do mundo e são
atingidos pelas injustiças daqueles que, ao mesmo tempo em que descuidam da
vida, favorecem a morte através das suas atitudes pessoais. Rezemos por todos
os pais cujo coração precisa receber o fogo do Espírito Santo e ser purificado,
transformado, reavivado na sua fé e no seu sentido de vida. Rezemos por todas
as famílias que sofrem com a presença do pai alcoólatra ou viciado nas drogas,
do pai agressivo e violento; por todas as famílias onde o pai não está mais
presente e é a mãe que tem que abraçar todos os dias o combate pela
sobrevivência e pela defesa da sua família.
Que cada pai ou mãe aproprie-se
dessa oração do salmista: “Esperando, esperei no Senhor, e inclinando-se, ouviu
meu clamor. Retirou-me da cova da morte e de um charco de lodo e de lama. Colocou
os meus pés sobre a rocha, devolveu a firmeza a meus passos... Eu sou pobre,
infeliz, desvalido, porém, guarda o Senhor minha vida, e por mim se
desdobra em carinho. Vós me sois salvação e auxílio: vinde logo, Senhor, não
tardeis!” (Sl 40,2.3.18).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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