quinta-feira, 18 de agosto de 2022

ENTRE ALTOS E BAIXOS, EXPERIMENTAR A CONSTANTE PRESENÇA DE DEUS

 Missa da Assunção de Maria. Palavra de Deus: Apocalipse 11,19a; 12,1.3-6a.10ab; 1Coríntios 15,20-27a; Lucas 1,39-56

 

Nós, seres humanos, caminhamos sobre a terra. Acima de nós está o céu; abaixo, a terra, com aquilo que a Bíblia chama de “região dos mortos”. De fato, tudo aquilo que morre é “enterrado”, isto é, volta para a terra. Caminhando sobre a terra, percebemos em nós duas forças ou dois apelos: um, que nos puxa para cima, para o alto, para a Vida; outro, que nos puxa para baixo, para a morte. Isso faz com que, às vezes, nos sintamos “inclinados” para o alto, para Deus, para a esperança – é quando nos sentimos vivos! Às vezes, porém, nos sentimos “pra baixo”, derrubados, dobrados ao chão, como que enterrados no desânimo – é quando nos sentimos mortos por dentro.

Hoje celebramos a Assunção, a elevação de Maria em corpo e alma ao céu. É um dogma de fé. Nossa Igreja crê na preservação do corpo de Maria após a morte, justamente pelo fato de que seu corpo foi escolhido por Deus para gerar o autor da Vida, Cristo. Assim como o corpo do Filho “não foi abandonado à região da morte”, “não conheceu a corrupção” (cf. At 2,26-31), assim cremos que o corpo da Mãe recebeu essa graça de ser recolhido por Deus no céu, após a sua morte, pois seu corpo foi o sacrário vivo que concebeu Jesus, vencedor da morte, Aquele por meio do qual “todos ressuscitarão”, “todos reviverão” (cf. 1Cor 15,21-22).

A elevação de Maria em corpo e alma ao céu nos pergunta se estamos alimentando em nós a força que nos eleva para o alto ou a força que nos puxa para baixo; se estamos escolhendo nos definir a partir do alto ou a partir de baixo. Enquanto vivermos experimentaremos essa tensão entre o céu e a terra, entre a vida e a morte, entre nos sentirmos perto de Deus e nos sentirmos distantes d’Ele. Essa tensão foi descrita no Apocalipse com dois sinais: o sinal da Mulher vestida de sol e o sinal do Dragão cor de fogo, que foi expulso do céu e precipitado para a terra (cf. Ap 12,9). A Mulher representa não somente Maria, mas a Igreja, isto é, nós, povo de Deus, chamados a gerar vida e esperança em um mundo marcado pela cultura de morte. Assim como Jesus e sua Mãe, a Igreja encontra-se num mundo que, escravo da ambição do lucro, fragiliza a vida e favorece constantemente a morte. Nesse combate, somos sustentados pela certeza da vitória de Deus, como diz a Palavra: “Se nós trabalhamos e lutamos, é porque pomos a nossa esperança no Deus vivo, Salvador de todos os homens, sobretudo dos que têm fé” (1Tm 4,10).

O Evangelho nos coloca diante de duas mães de família: Maria e Isabel; a mãe jovem e a mãe anciã. Ambas estão grávidas. Ambas se alegram por suas famílias terem sido visitadas pelo Deus que “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; que enche de bens os famintos, e despede os ricos de mãos vazias” (cf. Lc 1,52-53); pelo Deus que se posiciona contrário à desigualdade social, porque ela produz violência e morte em muitas famílias. Hoje elevamos nossa súplica a Deus por todas as famílias empobrecidas por uma política econômica que favorece os que já são ricos e prejudica os que são pobres; por todas as famílias afetadas pelo desemprego, pelos vícios, pela dependência química; famílias machucadas pela separação, entristecidas pelo luto, desprovidas de fé e de esperança porque não alcançadas pela ação pastoral da nossa Igreja.

A visita de Maria a Isabel, levando àquela família a alegria do Espírito Santo, questiona o fechamento das nossas famílias em si mesmas e a ausência nossa, enquanto Igreja, das famílias que precisam ser visitadas pela ação renovadora e transformadora do Espírito Santo. Inúmeras famílias perderam a direção do céu e se sentem distantes de Deus. Nelas não há espaço para a fé, a esperança e o amor, porque se encontram voltadas para baixo, enterradas na desorientação, na descrença, na inimizade; sua esperança foi substituída pela apatia; quando não, pela escravidão do consumismo, um consumismo que, além de trazer vazio, endivida e gera ainda mais conflito e discussão em casa. As casas estão hoje, em sua maioria, habitadas pela solidão: a mãe busca sobreviver à solidão com remédios, bebida, droga ou homens; os filhos buscam sobreviver à solidão afundando-se e perdendo-se na Internet; o pai busca sobreviver à solidão nos bares ou em relações de adultério...

Hoje pedimos a intercessão de Nossa Senhora por todas as famílias. “Querer formar uma família é ter a coragem de fazer parte do sonho de Deus, a coragem de sonhar com Ele, a coragem de construir com Ele, a coragem de unir-se a Ele nesta história de construir um mundo onde ninguém se sinta só”, afirma o Papa Francisco (AL n.322). Que todas as famílias experimentem a força do braço do Senhor a libertá-las e a protegê-las do poder do mal. Que cada família seja visitada pela força do Alto, que é o Espírito Santo, e trabalhe no sentido de desenterrar-se, de desejar voltar a viver, de olhar para o céu e deixar-se elevar até Deus. Que cada família aprenda a lidar com a tensão existencial entre o céu e a terra, entre a alegria e a tristeza, entre o ganho e a perda, entre a vida e a morte, e aprenda a experimentar Deus nos seus altos e baixos, como o salmista: “Se subo ao céu, Tu lá estás; se desço no abismo, ali também Te encontro” (Sl 139,8).

Neste terceiro domingo de agosto, mês vocacional, celebramos o dia do(a)s Religioso(a)s, das pessoas que não se casaram por causa do Reino dos céus (cf. Mt 19,12), homens e mulheres cuja afetividade não foi direcionada para alguém em particular, mas para amar a todos, especialmente os que não se sentem ou de fato não são amados em nosso mundo. Assim como Maria, elevada em corpo e alma aos céus, o(a)s religioso(a)s são um sinal a nos lembrar que o desejo último de cada um de nós é nos unir definitivamente a Deus na sua Glória, como Maria está.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi  

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