Missa da Assunção de Maria. Palavra de Deus: Apocalipse 11,19a; 12,1.3-6a.10ab; 1Coríntios 15,20-27a; Lucas 1,39-56
Nós,
seres humanos, caminhamos sobre a terra. Acima de nós está o céu; abaixo, a
terra, com aquilo que a Bíblia chama de “região dos mortos”. De fato, tudo
aquilo que morre é “enterrado”, isto é, volta para a terra. Caminhando sobre a
terra, percebemos em nós duas forças ou dois apelos: um, que nos puxa para
cima, para o alto, para a Vida; outro, que nos puxa para baixo, para a morte. Isso
faz com que, às vezes, nos sintamos “inclinados” para o alto, para Deus, para a
esperança – é quando nos sentimos vivos! Às vezes, porém, nos sentimos “pra baixo”,
derrubados, dobrados ao chão, como que enterrados no desânimo – é quando nos
sentimos mortos por dentro.
Hoje
celebramos a Assunção, a elevação de Maria em corpo e alma ao céu. É um dogma
de fé. Nossa Igreja crê na preservação do corpo de Maria após a morte,
justamente pelo fato de que seu corpo foi escolhido por Deus para gerar o autor
da Vida, Cristo. Assim como o corpo do Filho “não foi abandonado à região da
morte”, “não conheceu a corrupção” (cf. At 2,26-31), assim cremos que o corpo
da Mãe recebeu essa graça de ser recolhido por Deus no céu, após a sua morte,
pois seu corpo foi o sacrário vivo que concebeu Jesus, vencedor da morte, Aquele
por meio do qual “todos ressuscitarão”, “todos reviverão” (cf. 1Cor 15,21-22).
A
elevação de Maria em corpo e alma ao céu nos pergunta se estamos alimentando em
nós a força que nos eleva para o alto ou a força que nos puxa para baixo; se estamos
escolhendo nos definir a partir do alto ou a partir de baixo. Enquanto vivermos
experimentaremos essa tensão entre o céu e a terra, entre a vida e a morte,
entre nos sentirmos perto de Deus e nos sentirmos distantes d’Ele. Essa tensão
foi descrita no Apocalipse com dois sinais: o sinal da Mulher vestida de sol e
o sinal do Dragão cor de fogo, que foi expulso do céu e precipitado para a
terra (cf. Ap 12,9). A Mulher representa não somente Maria, mas a Igreja, isto
é, nós, povo de Deus, chamados a gerar vida e esperança em um mundo marcado
pela cultura de morte. Assim como Jesus e sua Mãe, a Igreja encontra-se num
mundo que, escravo da ambição do lucro, fragiliza a vida e favorece
constantemente a morte. Nesse combate, somos sustentados pela certeza da
vitória de Deus, como diz a Palavra: “Se nós trabalhamos e lutamos, é porque
pomos a nossa esperança no Deus vivo, Salvador de todos os homens, sobretudo dos
que têm fé” (1Tm 4,10).
O
Evangelho nos coloca diante de duas mães de família: Maria e Isabel; a mãe
jovem e a mãe anciã. Ambas estão grávidas. Ambas se alegram por suas famílias
terem sido visitadas pelo Deus que “derruba do trono os poderosos e eleva os
humildes; que enche de bens os famintos, e despede os ricos de mãos vazias” (cf.
Lc 1,52-53); pelo Deus que se posiciona contrário à desigualdade social, porque
ela produz violência e morte em muitas famílias. Hoje elevamos nossa súplica a
Deus por todas as famílias empobrecidas por uma política econômica que favorece
os que já são ricos e prejudica os que são pobres; por todas as famílias
afetadas pelo desemprego, pelos vícios, pela dependência química; famílias
machucadas pela separação, entristecidas pelo luto, desprovidas de fé e de
esperança porque não alcançadas pela ação pastoral da nossa Igreja.
A
visita de Maria a Isabel, levando àquela família a alegria do Espírito Santo, questiona
o fechamento das nossas famílias em si mesmas e a ausência nossa, enquanto
Igreja, das famílias que precisam ser visitadas pela ação renovadora e
transformadora do Espírito Santo. Inúmeras famílias perderam a direção do céu e
se sentem distantes de Deus. Nelas não há espaço para a fé, a esperança e o
amor, porque se encontram voltadas para baixo, enterradas na desorientação, na
descrença, na inimizade; sua esperança foi substituída pela apatia; quando não,
pela escravidão do consumismo, um consumismo que, além de trazer vazio,
endivida e gera ainda mais conflito e discussão em casa. As casas estão hoje,
em sua maioria, habitadas pela solidão: a mãe busca sobreviver à solidão com remédios,
bebida, droga ou homens; os filhos buscam sobreviver à solidão afundando-se e
perdendo-se na Internet; o pai busca sobreviver à solidão nos bares ou em relações
de adultério...
Hoje
pedimos a intercessão de Nossa Senhora por todas as famílias. “Querer formar
uma família é ter a coragem de fazer parte do sonho de Deus, a coragem de
sonhar com Ele, a coragem de construir com Ele, a coragem de unir-se a Ele nesta
história de construir um mundo onde ninguém se sinta só”, afirma o Papa
Francisco (AL n.322). Que todas as famílias experimentem a força do braço do
Senhor a libertá-las e a protegê-las do poder do mal. Que cada família seja
visitada pela força do Alto, que é o Espírito Santo, e trabalhe no sentido de
desenterrar-se, de desejar voltar a viver, de olhar para o céu e deixar-se
elevar até Deus. Que cada família aprenda a lidar com a tensão existencial
entre o céu e a terra, entre a alegria e a tristeza, entre o ganho e a perda,
entre a vida e a morte, e aprenda a experimentar Deus nos seus altos e baixos, como
o salmista: “Se subo ao céu, Tu lá estás; se desço no abismo, ali também Te
encontro” (Sl 139,8).
Neste terceiro domingo de agosto, mês
vocacional, celebramos o dia do(a)s Religioso(a)s, das pessoas que não se
casaram por causa do Reino dos céus (cf. Mt 19,12), homens e mulheres cuja
afetividade não foi direcionada para alguém em particular, mas para amar a
todos, especialmente os que não se sentem ou de fato não são amados em nosso
mundo. Assim como Maria, elevada em corpo e alma aos céus, o(a)s religioso(a)s
são um sinal a nos lembrar que o desejo último de cada um de nós é nos unir
definitivamente a Deus na sua Glória, como Maria está.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
Nenhum comentário:
Postar um comentário