Missa do 12º dom. comum. Palavra de Deus: Zacarias 12,10-11;13,1; Gálatas 3,26-29; Lucas 9,18-24.
O
ser humano sempre busca remédio para suas dores e resposta para suas perguntas.
Quando surge uma dor ou uma pergunta, queremos nos livrar delas o quanto antes.
Assim, nós procuramos por Deus porque cremos que Ele tem a cura para todas as
nossas doenças, o remédio para todas as nossas dores, a resposta para todas as
nossas perguntas. Mas, de vez em quando, Deus frustra nossas expectativas, e ao
invés de nos irar daquela situação difícil, fecha as saídas de fuga e nos diz:
“Está na hora de você enfrentar isso!”. Eis, portanto, a profecia que Ele nos faz
na primeira leitura: “Derramarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de
Jerusalém um espírito de graça e de oração; eles olharão para mim. Ao que eles
feriram de morte, hão de chorá-lo, como se chora a perda de um filho único, e
hão de sentir por ele a dor que se sente pela morte de um primogênito” (Zc
12,10).
“Eles
olharão para mim”, isto é, “ao que feriram de morte”! Deus se identifica com as
pessoas que sofrem e que são mortas por defenderem a vida, a verdade, a
justiça, os pobres, os injustiçados, o meio ambiente... Deus entende que os nossos
olhos, que muitas vezes só enxergam os nossos próprios interesses, precisam ser
lavados, banhados nas lágrimas de algum tipo de dor, para que enxerguemos a
realidade que está à nossa volta e que pede a nossa colaboração para ser
transformada, humanizada. Foi por isso que Deus disse aos habitantes de
Jerusalém: “... haverá um grande pranto... haverá uma fonte acessível... para
ablução (ato de lavar) e purificação” (Zc 12,11; 13,1).
Influenciados
pela “ditadura da felicidade”, nós gostaríamos de desviar o olhar daquilo que
nos causa sofrimento; gostaríamos de não ter que chorar, mas Deus nos convida a
encarar a dor e a chorar as feridas que estão à nossa volta, como se dissesse: “Não
salte por cima da dor; escute-a e tome posição diante dela. Não ignore a sua
pergunta; deixe-se inquietar por ela”.
Jesus
sempre foi uma pessoa alegre, feliz, mas sua vida nunca foi uma fuga calculada
para manter-se distante de todo tipo de dor. Muito pelo contrário: ele
deixou-se afetar pela dor dos que sofrem. Além disso, como todo ser humano,
Jesus também tinha suas dores e suas perguntas. Onde ele buscava respostas para
as suas perguntas e as suas dores? Na oração: “Jesus estava rezando num lugar
retirado, e os discípulos estavam com ele” (Lc 9,18). Como foi que Jesus saiu
da sua oração? Ele saiu consciente de que devia sofrer muito, ser rejeitado,
morrer e ressuscitar ao terceiro dia (cf. Lc 9,22)!
Há
uma palavra no Evangelho segundo São Lucas que percorre a vida de Jesus,
marcando sua identidade: “devo”. Essa palavra diz que existem sofrimentos que
não são opcionais, mas fazem parte do caminho da vida. Se eu quiser salvar meu
casamento, recuperar meu filho, crescer como pessoa, me libertar, me santificar,
se eu quiser me salvar, “devo” lidar com uma determinada cruz, “devo” enfrentar
uma determinada dor. Enquanto uma pessoa imatura procura orientar sua vida
desviando-se do “eu devo” e buscando apenas o “eu gosto”, a pessoa madura sabe
reconhecer qual é o momento em que precisa enfrentar o seu “devo”, porque ali
está a sua oportunidade de ser fiel aos valores que sustentam a sua vida e que
dão sentido à sua existência.
Assim
como aconteceu com Jesus, toda experiência de cruz nos coloca em crise, joga
por terra as nossas certezas e nos faz questionar não só a nós mesmos, mas o
próprio Deus. Nem mesmo Jesus foi poupado disso. Nem tudo era claro para Jesus,
assim como não o é para nós. Há experiências de sofrimento que nos levam a
questionar até mesmo se vale à pena continuar vivendo, se vale à pena continuar
na missão que abraçamos, na fé que professamos, na função que desempenhamos. E
assim como fez Jesus, nós precisamos aprender a fazer: nos colocar diante do
Pai, na oração, e deixar que Ele nos torne conscientes a respeito da Sua vontade
para a nossa vida.
A
oração de Jesus nos ensina que Deus não aceita assumir o papel de anestésico em
nossa vida, eliminando toda e qualquer possibilidade de dor. Quanto mais a
nossa espiritualidade se reduz a uma espiritualidade de autoajuda, mais nos
afastamos do verdadeiro Deus. A verdade é que ninguém chega a Deus desviando-se
da sua cruz; ninguém experimenta a ressurreição ao terceiro dia sem antes de
tido que lidar de uma maneira livre e responsável com o sofrimento, a rejeição
por parte do mundo e a própria morte.
“Se alguém quer me seguir, renuncie
a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar sua
vida, vai perdê-la...” (Lc 9,23-24). Quem quiser eliminar a dor e a pergunta
que são próprias da vida vai esvaziar sua vida de sentido. Quem ceder à
tentação sempre atual de eliminar o sofrimento, de cancelar a cruz, não se
tornará uma pessoa madura, mas seguirá pela vida como uma pessoa infantilizada,
frouxa, que espana com qualquer apertão que leva da vida.
Eis,
portanto, o convite de Jesus a cada ser humano: não fuja de si mesmo; vá de
encontro à sua verdade; não se faça de vítima, esperando que as pessoas sintam
pena de você; não viva reclamando, achando que isso fará a vida “pegar mais
leve” com você; acolha a vida com tudo o que ela tem de alegria e tristeza,
vitória e derrota, luz e sombra, perda e ganho, altos e baixos; não se desvie
da dor ou da cruz que cabe somente a você enfrentar, porque aquilo diz respeito
ao seu crescimento, ao seu amadurecimento, à sua redenção e à sua libertação. Não
busque Deus como um potente anestésico que faça você não sentir a dor da sua
cruz; busque-O como força para lidar com a sua cruz.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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