Missa do Corpo e Sangue do Senhor. Palavra de Deus: Gênesis 14,18-20; 1Coríntios 11,23-26; Lucas 9,11b-17.
Antes
de falarmos da Eucaristia como sacramento, devemos falar dela como alimento.
Ela é o sinal mais claro de que Deus não apenas criou o ser humano, mas que
também lhe deu os meios de sobrevivência, através do alimento. “Em Ti esperam
os olhos de todos e no tempo certo Tu lhes dás o alimento: abres a Tua mão e
sacias todo ser vivo com fartura” (Sl 145,15-16).
O
Evangelho nos mostra que Jesus nunca ignorou a necessidade das pessoas que
procuravam por Ele: “Acolheu as multidões, falava-lhes sobre o Reino de Deus e
curava todos os que precisavam”. Os discípulos, por sua vez, quiseram se livrar
do problema da fome das multidões: “Despede a multidão, para que possa ir aos
povoados e campos vizinhos procurar hospedagem e comida, pois estamos num lugar
deserto”. Mas Jesus disse: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. A fome não é
apenas um problema econômico, político ou social, mas também religioso. Ela não
é “natural”, mas “produzida”, “fabricada”. Ela nasce da ganância do coração de
alguns: "Na terra há o
suficiente para satisfazer as necessidades de todos, mas não para satisfazer a
ganância de alguns" (Ghandi).
Enquanto
cristãos, não podemos celebrar a Eucaristia sem levar em conta a fome que está
à nossa volta. Hoje, no Brasil, apenas quatro entre dez famílias tem acesso
pleno à alimentação. 33 milhões de brasileiros estão com fome diariamente! Essa
fome não é acidental, mas fruto de uma política econômica que favorece quem tem
muito e prejudica quem tem pouco ou quase nada. O que nós, cristãos, temos a
ver com isso? A resposta está em Atos 4,32.34: “Ninguém considerava
exclusivamente seu o que possuía, mas tudo entre eles (os primeiros cristãos)
era comum... Não havia entre eles necessitado algum”. A nossa postura diante da fome à nossa volta
revela o que a Eucaristia significa para nós; revela se nós nos recordamos que
Aquele que comungamos é o mesmo que nos dirá no julgamento: “Vinde, benditos de
Deus Pai, (...) porque tive fome e me destes de comer...”, ou então
“Afastai-vos de mim, malditos, (...) porque tive fome e não me destes de comer”
(Mt 25,34.35.41.42).
Quando
os discípulos quiseram fugir da responsabilidade de lidar com a fome da
multidão, Jesus lhes disse: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Eles responderam:
“Só temos cinco pães e dois peixes”. Quando estamos diante de situações
difíceis, costumamos nos desesperar ou desanimar, dizendo: “Não temos”, “isto é
pouco”, “despede-os”, “que vão eles próprios comprar”. Diante de qualquer
imprevisto, olhamos para nós mesmos, medimos nossas próprias forças e nos
angustiamos, ao invés de olharmos para o Pai do céu, que é a fonte inesgotável
de todo dom.
Ao
tomar os pães e os peixes em suas mãos, Jesus elevou os olhos ao céu, para
orientar o nosso olhar para o Pai, de quem tudo recebemos. A seguir, pronunciou
a bênção, para devolver aquele alimento à sua verdadeira natureza, que é o de
circular, dividir-se, gerar vida, energia, convivialidade. A carência foi
vencida pela generosidade e pela gratuidade. O olhar de Jesus para o céu nos
lembra que “o pouco com Deus é muito, e o muito sem Deus é nada”.
Consideremos
agora a Eucaristia como sacramento. O apóstolo Paulo nos fala de Jesus como
“corpo doado” e “sangue derramado”. Antes de ser entregue por Judas (cf. Jo
13,11), Jesus tomou a iniciativa de ele mesmo se entregar a nós, no pão e no
vinho, para que todas as vezes que comermos desse pão e bebermos desse cálice
possamos proclamar que ele morreu porque nos amou até o fim. Uma vez que sua
morte foi uma Páscoa, a passagem dele deste mundo para o Pai, em cada
Eucaristia proclamamos a morte e a ressurreição de Jesus “até que ele venha”
(1Cor 11,26) para nos fazer assentar com ele à mesa do banquete no Reino de
Deus.
Hoje,
em nossas igrejas, não são poucas as pessoas que não comungam. Isso nos
preocupa? O apóstolo Paulo afirma que a decisão de comungar ou não deve partir
da consciência da pessoa (cf. 1Cor 11,28-29). A nós, Igreja, cabe formar bem a
consciência das pessoas quanto ao significado do Corpo e do Sangue do Senhor.
São corajosas e questionadoras essas palavras do Papa Francisco: “A
Eucaristia... não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um
alimento para os fracos” (A Alegria do Evangelho, n.47). Na última ceia, Jesus
se entregou como “remédio generoso” e como “alimento para os fracos” também a
Judas e a Pedro, mesmo sabendo que, após a ceia, o primeiro iria traí-lo e o
segundo iria negá-lo...
Sendo
“corpo doado” e “sangue derramado”, Jesus sempre entendeu sua vida como vida
doada aos outros, uma vida que se inclinou sobre as feridas e sobre os
sofrimentos dos outros. Assim devemos fazer se queremos ser reconhecidos como
discípulos de Jesus Cristo. Muitos de nós comungamos o Corpo e Sangue d’Aquele
que veio para servir, mas não nos dispomos a assumir nenhum tipo de serviço em
favor do Evangelho e do bem comum da sociedade. Devemos reconhecer que somos
pessoas que comungam do sacrifício de Cristo, mas que às vezes achamos que não
vale a pena nos sacrificar pela sociedade humana, pela verdade e pela justiça.
A
existência de Jesus foi uma “existência para”. Nós, que comungamos o seu Corpo
e Sangue na Eucaristia, somos chamados a “viver para”. O sentido da nossa vida
não está em viver para nós mesmos, mas para aquela realidade ou para aquelas
pessoas que precisam de nós.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
Nenhum comentário:
Postar um comentário