Missa do 4. dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 1,4-5.17-19; 1Coríntios 13,4-13; Lucas 4,21-30.
A marca do nosso tempo é a intolerância e a incapacidade
de ouvir o outro, principalmente aquele que pensa diferente de nós. Isso faz
com que as redes sociais se tornem verdadeiros campos de batalha, onde muitos
se agridem com frequência. Como a capacidade de diálogo é pequena, a reação
mais comum diante daquele que pensa diferente de mim é o cancelamento (deletar
a pessoa dos meus contatos).
A intolerância e a
incapacidade de ouvir o outro estão presentes no Evangelho de hoje. Ao falar,
Jesus tinha palavras que tocavam o coração das pessoas: “Todos davam testemunho
a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua
boca” (Lc 4,22). Mas, por conhecer o coração humano, Jesus sabia que o encanto
daquelas pessoas era superficial, condicionado a ouvir apenas aquilo que
gostavam de ouvir, aquilo que estava de acordo com o que elas pensavam. Por
isso, diante da reação de encanto, Jesus faz uma provocação: “Nenhum profeta é
bem recebido em sua pátria” (Lc 4,24).
O profeta é o porta-voz
de Deus; ele não fala em nome de si mesmo, mas fala aquilo que Deus lhe mandou
falar: “Levanta-te e comunica-lhes tudo que eu te mandar dizer: não tenhas
medo” (Jr 1,17). O problema é que, ao nos dirigir a Palavra por meio do seu
profeta, Deus não visa nos agradar, mas nos salvar. Sua Palavra muitas vezes
passa longe de ser um anestésico para a nossa dor; pelo contrário, é uma
Palavra “cirúrgica”, que corta fundo e faz sangrar, em vista de curar aonde
estamos doentes ou infectados pelo pecado. De fato, a Palavra de Deus “é mais
cortante e penetrante do que uma espada... (que) penetra até dividir alma e
espírito... revelando as intenções do coração” (Hb 4,12).
Sendo assim, é muito
importante perceber as nossas reações internas, diante daquilo que Deus nos
fala. Os habitantes de Nazaré passaram da admiração para a agressão, quando
Jesus os tornou conscientes de que, desde os profetas Elias e Eliseu, eles
perdem a oportunidade de serem transformados pela Palavra de Deus porque lhe
recusam a fé, a obediência, o esforço em viver segundo a vontade de Deus.
Contudo, para não atacarem diretamente a Deus, que fala na Palavra, atacam os
profetas, ou seja, toda pessoa por meio da qual Deus fala com eles.
Essa dinâmica é muito
comum hoje: não se ataca diretamente a Deus, mas a Igreja. Não se ataca a
Sagrada Escritura, mas seus pregadores. Diante da palavra profética do Papa
Francisco ou da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, pessoas ou grupos
que se consideram católicos partem para o ataque, porque não admitem ser
questionados em suas atitudes de cristãos que desejam viver uma fé
individualista e moralista, sem se importarem com as exigências comunitárias e
sociais do Evangelho. São cristãos que esquecem para quem o profeta é enviado,
a quem ele deve comunicar a Palavra de Deus: “aos reis... e seus príncipes, aos
sacerdotes e ao povo da terra” (Jr 1,18). Em outras palavras, ao poder político,
religioso e social.
Ao encarregar o seu
profeta para o anúncio da Palavra, Deus o torna consciente da oposição que ele
irá enfrentar: “Eles farão guerra contra ti, mas não prevalecerão, porque eu
estou contigo para defender-te” (Jr 1,19). Toda pessoa que fala em nome de Deus
precisa saber que irá incomodar, questionar, e, por isso, será atacada, na
tentativa de ser silenciada. Como lidar com isso? A primeira dica nos vem do
apóstolo Paulo. O falar em nome de Deus deve ser feito a partir da caridade, do
amor às pessoas e da preocupação com a salvação delas. Esse falar deve ser
movido por um amor paciente e bondoso, que não busca seu próprio interesse; um
amor que, mesmo deparando-se com a irritação, não guarda rancor; um amor que
não aceita a injustiça, mas busca sempre a verdade; em resumo, um amor que “suporta
tudo, crê tudo, espera tudo, desculpa tudo” (1Cor 13,7).
Mas a dica principal vem
do próprio Jesus e da maneira como ele lidou com a rejeição do povo de Nazaré.
“Quando ouviram estas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos.
Levantaram-se e o expulsaram da cidade.... Jesus, porém, passando pelo meio
deles, continuou o seu caminho” (Lc 4,28-30). Essa atitude de Jesus nos lembra
de que, ao comunicarmos a Palavra de Deus às pessoas, precisamos aprender com a
água que escorre de uma fonte ou de um rio: ela não para na pedra ou no
obstáculo que encontra pelo caminho, mas o contorna e segue adiante. O que
Jesus nos ensina é que não podemos falar de Deus somente para quem nos aceita
ou pensa como nós, assim como não podemos desistir de falar de Deus porque
fomos criticados, atacados ou rejeitados por alguma pessoa. “Quer te escutem,
quer não, saberão que um profeta esteve entre eles” (Ez 2,5).
“Passando pelo meio
deles, continuou o seu caminho” (Lc 4,30). O lugar onde estamos e as pessoas
com as quais convivemos é exatamente o lugar onde devemos falar de Deus;
primeiro, com a nossa vida, com as nossas atitudes; depois, com nossas
palavras. Mesmo num tempo de forte intolerância como o nosso, precisamos ser
uma presença profética, para que as pessoas saibam que houve alguém que quis
falar-lhes em nome de Deus. Não permitamos que a tentativa de nos humilhar e
nos desacreditar nos levem a desistir da nossa missão profética. “Não é este o
filho de José?” (Lc 4,22). Não é esta a Igreja “cheia” de pedófilos e de
escândalos? Não é esta mulher uma pessoa cuja família vive “cheia” de
problemas? Não é este homem um “fanático” ou um “antiquado”? Enfim, que o nosso
dia não seja avaliado a partir da acolhida do anúncio que fomos chamados a
fazer, mas pela fidelidade diária ao próprio anúncio.
Pe. Paulo Cezar Mazzi