quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

TER CONSCIÊNCIA DAS NOSSAS REAÇÕES DIANTE DA PALAVRA DE DEUS

 Missa do 4. dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 1,4-5.17-19; 1Coríntios 13,4-13; Lucas 4,21-30.

            A marca do nosso tempo é a intolerância e a incapacidade de ouvir o outro, principalmente aquele que pensa diferente de nós. Isso faz com que as redes sociais se tornem verdadeiros campos de batalha, onde muitos se agridem com frequência. Como a capacidade de diálogo é pequena, a reação mais comum diante daquele que pensa diferente de mim é o cancelamento (deletar a pessoa dos meus contatos).       

A intolerância e a incapacidade de ouvir o outro estão presentes no Evangelho de hoje. Ao falar, Jesus tinha palavras que tocavam o coração das pessoas: “Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca” (Lc 4,22). Mas, por conhecer o coração humano, Jesus sabia que o encanto daquelas pessoas era superficial, condicionado a ouvir apenas aquilo que gostavam de ouvir, aquilo que estava de acordo com o que elas pensavam. Por isso, diante da reação de encanto, Jesus faz uma provocação: “Nenhum profeta é bem recebido em sua pátria” (Lc 4,24).

O profeta é o porta-voz de Deus; ele não fala em nome de si mesmo, mas fala aquilo que Deus lhe mandou falar: “Levanta-te e comunica-lhes tudo que eu te mandar dizer: não tenhas medo” (Jr 1,17). O problema é que, ao nos dirigir a Palavra por meio do seu profeta, Deus não visa nos agradar, mas nos salvar. Sua Palavra muitas vezes passa longe de ser um anestésico para a nossa dor; pelo contrário, é uma Palavra “cirúrgica”, que corta fundo e faz sangrar, em vista de curar aonde estamos doentes ou infectados pelo pecado. De fato, a Palavra de Deus “é mais cortante e penetrante do que uma espada... (que) penetra até dividir alma e espírito... revelando as intenções do coração” (Hb 4,12).

Sendo assim, é muito importante perceber as nossas reações internas, diante daquilo que Deus nos fala. Os habitantes de Nazaré passaram da admiração para a agressão, quando Jesus os tornou conscientes de que, desde os profetas Elias e Eliseu, eles perdem a oportunidade de serem transformados pela Palavra de Deus porque lhe recusam a fé, a obediência, o esforço em viver segundo a vontade de Deus. Contudo, para não atacarem diretamente a Deus, que fala na Palavra, atacam os profetas, ou seja, toda pessoa por meio da qual Deus fala com eles.

Essa dinâmica é muito comum hoje: não se ataca diretamente a Deus, mas a Igreja. Não se ataca a Sagrada Escritura, mas seus pregadores. Diante da palavra profética do Papa Francisco ou da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, pessoas ou grupos que se consideram católicos partem para o ataque, porque não admitem ser questionados em suas atitudes de cristãos que desejam viver uma fé individualista e moralista, sem se importarem com as exigências comunitárias e sociais do Evangelho. São cristãos que esquecem para quem o profeta é enviado, a quem ele deve comunicar a Palavra de Deus: “aos reis... e seus príncipes, aos sacerdotes e ao povo da terra” (Jr 1,18). Em outras palavras, ao poder político, religioso e social.

Ao encarregar o seu profeta para o anúncio da Palavra, Deus o torna consciente da oposição que ele irá enfrentar: “Eles farão guerra contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para defender-te” (Jr 1,19). Toda pessoa que fala em nome de Deus precisa saber que irá incomodar, questionar, e, por isso, será atacada, na tentativa de ser silenciada. Como lidar com isso? A primeira dica nos vem do apóstolo Paulo. O falar em nome de Deus deve ser feito a partir da caridade, do amor às pessoas e da preocupação com a salvação delas. Esse falar deve ser movido por um amor paciente e bondoso, que não busca seu próprio interesse; um amor que, mesmo deparando-se com a irritação, não guarda rancor; um amor que não aceita a injustiça, mas busca sempre a verdade; em resumo, um amor que “suporta tudo, crê tudo, espera tudo, desculpa tudo” (1Cor 13,7).

Mas a dica principal vem do próprio Jesus e da maneira como ele lidou com a rejeição do povo de Nazaré. “Quando ouviram estas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos. Levantaram-se e o expulsaram da cidade.... Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho” (Lc 4,28-30). Essa atitude de Jesus nos lembra de que, ao comunicarmos a Palavra de Deus às pessoas, precisamos aprender com a água que escorre de uma fonte ou de um rio: ela não para na pedra ou no obstáculo que encontra pelo caminho, mas o contorna e segue adiante. O que Jesus nos ensina é que não podemos falar de Deus somente para quem nos aceita ou pensa como nós, assim como não podemos desistir de falar de Deus porque fomos criticados, atacados ou rejeitados por alguma pessoa. “Quer te escutem, quer não, saberão que um profeta esteve entre eles” (Ez 2,5).  

“Passando pelo meio deles, continuou o seu caminho” (Lc 4,30). O lugar onde estamos e as pessoas com as quais convivemos é exatamente o lugar onde devemos falar de Deus; primeiro, com a nossa vida, com as nossas atitudes; depois, com nossas palavras. Mesmo num tempo de forte intolerância como o nosso, precisamos ser uma presença profética, para que as pessoas saibam que houve alguém que quis falar-lhes em nome de Deus. Não permitamos que a tentativa de nos humilhar e nos desacreditar nos levem a desistir da nossa missão profética. “Não é este o filho de José?” (Lc 4,22). Não é esta a Igreja “cheia” de pedófilos e de escândalos? Não é esta mulher uma pessoa cuja família vive “cheia” de problemas? Não é este homem um “fanático” ou um “antiquado”? Enfim, que o nosso dia não seja avaliado a partir da acolhida do anúncio que fomos chamados a fazer, mas pela fidelidade diária ao próprio anúncio.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário