quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

A PALAVRA DE DEUS É UMA PESSOA QUE FALA CONOSCO E AGUARDA NOSSA RESPOSTA

 Missa do 3. dom. comum. Palavra de Deus: Neemias 8,2-4a.5-6.8-10; 1Coríntios 12,12-30; Lucas 1,1-4; 4,14-21.

 

A conexão se tornou absolutamente necessária em nosso tempo. Seja para a vida de negócios (trabalho), seja para a familiar (relacionamentos), seja para o nosso entretenimento (internet, redes sociais), todos nós acabamos necessitando estar de alguma forma conectados. Mas, e a nossa conexão com Deus? Como ela acontece? Quem hoje busca conectar-se com Deus?

Quem tomou a iniciativa de se conectar a nós foi o próprio Deus, e Ele o fez não através de alguma imagem, mas unicamente através da sua Palavra. O nosso Deus não tem imagem, porque Ele transcende tudo o que possamos imaginar a respeito d’Ele. Moisés, ao comunicar ao povo de Israel a Palavra de Deus (Lei), deixou claro: “O Senhor Deus falou com vocês do meio do fogo. Vocês ouviram o som das palavras, mas não viram nenhuma imagem: nada, além de uma voz” (Dt 4,12).

Hoje, a nossa geração é altamente atingida pela força das imagens e pouco interessada em ouvir palavras. As pessoas passam horas vendo fotos, imagens, vídeos nas redes sociais, mas não têm paciência para lerem um texto de mais de quatro linhas. Além disso, todo mundo fala o que quer nas redes sociais, todo mundo posta a sua opinião sobre diversos assuntos, mas quem escuta alguém? Se o nosso Deus é Palavra, como está a nossa escuta d’Ele? Qual tempo do nosso dia nós temos dado a Deus para que Ele fale conosco?

A leitura de Neemias nos revela algo muito importante: a Palavra não é um livro, mas uma Pessoa! A Palavra de Deus é o próprio Deus vivo falando conosco. Ele se dirige a todas as pessoas que são capazes de compreender. A sua Palavra deve ser transmitida de forma compreensível para as pessoas do nosso tempo: crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Essa Palavra deve ser proclamada a partir de um lugar alto, à vista de todos. Ela tem força para nos colocar em pé, para nos levantar da nossa prostração e do nosso desânimo! Diante dela, somos chamados a responder com o nosso “Amém”, palavra que significa “eu creio” na Palavra que ouvi; “eu espero” nessa Palavra, até que ela se cumpra em minha vida. E após acolhermos a Palavra, nós nos inclinamos, lembrando a atitude de Maria: “Faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1,38). Essa Palavra é a alegria de Deus para fortalecer a nossa vida!  

Apesar da força transformadora da Palavra de Deus, a letra dessa Palavra não se tornou espírito no coração humano, porque o homem não permitiu que ela adentrasse o seu interior e modificasse suas atitudes. Quando Jesus veio ao mundo, nós ficamos sabendo que “a Palavra de Deus se fez pessoa humana e habitou entre nós” (Jo 1,14). Ele mesmo afirmou que suas palavras são “espírito e vida” (Jo 6,63); somente Ele tem “palavras de vida eterna” (Jo 6,68)! É assim que vemos Jesus na sinagoga, lugar da proclamação e da escuta da Palavra de Deus, lendo e comentando um texto bíblico.

Jesus viveu sua relação com Deus como a maioria do povo judeu simples, muito mais a partir da Palavra do que dos sacrifícios que aconteciam no Templo, em Jerusalém. Sua maneira de explicar a Palavra de Deus nas sinagogas falava ao coração das pessoas, de forma que “todos o elogiavam” (Lc 4,15). No Evangelho de hoje, Jesus se encontra na sinagoga de Nazaré, a cidade onde ele morou desde pequeno. Ao abrir a Escritura, ele proclama o seguinte texto do profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19).

“O Espírito do Senhor” está sobre cada um de nós, cristãos. Ele nos consagra com a unção – óleo que penetra no corpo para sarar as feridas da alma. Nossas palavras devem ser portadoras desse óleo que cura feridas, comunicando esperança, alegria, força, ânimo para os pobres deste mundo. Assim como Jesus, somos enviados a “proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos...”. Toda pessoa que acolhe com fé a palavra do Evangelho passa por um processo de libertação; passa a ver a vida com outros olhos e ganha força para começar a romper com tudo aquilo que a oprime, escraviza e adoece.  

Mas o mais importante de tudo é o que Jesus diz, ao encerrar a proclamação da Palavra de Deus: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc 4,21). A Palavra é a mesma – a Sagrada Escritura não pode ser anulada ou modificada. Contudo, ela nunca é a mesma, porque todo hoje é novo, diferente, único. Para cada “hoje” da nossa vida – para cada situação específica que vivenciamos – há uma Palavra que deseja iluminar as nossas escolhas e orientar nossas decisões. Mas é preciso que nos aproximemos da Palavra diariamente. A nossa alma necessita de direção, e tal direção só pode nos ser dada pela Palavra de Deus. Assim como nos alimentamos todos os dias, precisamos nos abrir à Palavra que todos os dias o Senhor deseja dirigir ao nosso coração.  

Uma última questão. Apesar de vivermos numa época de forte individualismo, onde até mesmo a relação com Deus é prejudicada neste sentido, fechando a pessoa em si mesma e não se importando com o seu semelhante, o apóstolo Paulo nos recordou algo muito sério: toda pessoa que acolhe a Palavra de Deus compreende-se dentro de um corpo. Este corpo tem uma dimensão familiar (casa), social (trabalho, mundo) e espiritual (Igreja). Ela jamais se considera o órgão principal do corpo, assim como jamais despreza os órgãos que parecem ser menos importantes. Todos nós, seres humanos, compomos um imenso organismo, que é a humanidade. “Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se é honrado, todos os membros se alegram com ele” (1Cor 12,26). O cuidado com o que é comum favorece a todos; o cuidado apenas com aquilo que interessa ao nosso egoísmo prejudica a todos.

Sejamos bons ouvintes da Palavra de Deus. Permitamos que o Espírito Santo nos conduza para junto das pessoas que necessitam ser alcançadas pelo Evangelho de Cristo. Lembremos do importantíssimo conselho de São Francisco de Assis: “Fale sempre do Evangelho. Se for preciso, use palavras”. Que as nossas atitudes diárias falem de Deus às pessoas com as quais convivemos!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

 

 

Um comentário:

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