Missa de São Pedro e São Paulo. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 12,1-11; 2Timóteo 4,6-8.17-18; Mateus 16,13-19.
“Tu és Pedro e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja” (Mt 16,18). Os dois apóstolos que celebramos hoje –
São Pedro e São Paulo – nos fazem olhar para o fundamento da nossa Igreja. Ela
é uma imensa construção de mais de dois mil anos, cujo alicerce são os dozes
apóstolos, sendo Jesus Cristo a pedra principal dessa construção (cf. Ef 2,20).
A primeira coisa que nos chama a
atenção na Igreja que Jesus fundou sobre os apóstolos é a sua diversidade.
Pedro e Paulo, as duas colunas principais da Igreja, tiveram não somente
personalidades muito diferentes, mas também papeis muitos diferentes na
edificação da mesma Igreja. Pedro a edificou internamente, tornando-se garantia
de fidelidade à doutrina e à unidade da Igreja. Paulo a edificou externamente,
fazendo o Evangelho expandir-se sob a força do Espírito Santo, atingindo
aqueles que estão fora da Igreja, os quais Deus também deseja salvar.
Hoje nossa Igreja vive um conflito
interno entre aqueles que a desejam voltada para questões internas, cuidando da
doutrina e do espiritual, e aqueles que a querem inserida no mundo e nos dramas
humanos. Essa divergência de pensamento tem ferido o corpo da Igreja, causando
divisões e inimizades. O problema está na compreensão da pessoa de Jesus Cristo
e da sua missão. Jesus não veio cuidar somente do espiritual, não veio salvar
apenas a alma da pessoa; Ele veio resgatar o ser humano como um todo. Ele se
fez pessoa humana e se deixou afetar por tudo o que afeta o ser humano.
O
que se espera da Igreja é a fidelidade ao seu Fundador, Jesus Cristo. Assim
como Ele se inseriu na realidade humana para redimi-la, assim a Igreja deve
fazer. Assim como Ele não viveu para si, mas para os outros, a Igreja não
existe para si mesma enquanto instituição, mas para a humanidade, para ser a
presença redentora do Senhor Jesus no seio da humanidade. Assim como uma
construção de dois mil anos precisa de passar por reformas contínuas, assim a
Igreja deve reformar-se constantemente, para que o sal e a luz do Evangelho que
ela recebeu não percam as suas respectivas capacidades de salgar e de iluminar
as realidades humanas do nosso tempo.
A
realidade atual nos mostra que há uma distância cada vez maior das pessoas em
relação à Igreja enquanto instituição. Além de a Igreja ainda não ter
conseguido fazer a necessária passagem de uma pastoral de manutenção para uma
pastoral verdadeiramente missionária, ela se depara com um mundo sempre mais
materialista e contrário aos valores do Evangelho. Além de a Igreja estar
desacreditada devido aos erros humanos de alguns que a representam, ela se
encontra no meio de um mundo pluralista, onde a sua voz se mistura a inúmeras
outras vozes, e a verdade tornou-se relativa e adaptada aos interesses de cada
um.
Desde
quando iniciou seu pontificado, o Papa Francisco tem trabalhado incansavelmente
para reaproximar a Igreja do Evangelho. Essa expressão pode até causar
escândalo em alguns católicos, mas o fato é que, ao longo dos séculos, alguns
líderes da nossa Igreja buscaram segurança nos poderes humanos (a monarquia, o
Estado, por exemplo), distanciando-se do seu Fundador, o qual não tinha onde
reclinar a cabeça (Mt 8,20). Ao repropor uma fidelidade mais radical ao
Evangelho, o Papa Francisco tem enfrentado duras resistências de setores
internos da Igreja e também de grupos externos, para os quais a verdade do
Evangelho é por demais incômoda e exigente. Se Pedro foi assistido por Deus
enquanto estava na prisão devido às orações da Igreja em seu favor, espera-se
de nós a mesma atitude para com o Papa Francisco, em favor de toda a nossa
Igreja.
O
destino da Igreja é o destino do seu Fundador. Se Ele foi um sinal de
contradição para as pessoas do seu tempo, assim ela também o será para o mundo
de hoje. Se Ele foi combatido e rejeitado pelos que não creem, assim a Igreja
também o será. E é aí nós entramos! Quem de nós está disposto a manter-se
fundamentado sobre a rocha que é Cristo? Quem de nós está disposto não só a
crer no Evangelho, mas também a sofrer por causa dele, como Pedro e Paulo
sofreram? Quem de nós deseja lutar para manter-se firme na fé que recebeu dos
apóstolos, como testemunhou Paulo agora a pouco: “Combati o bom combate,
completei a corrida, guardei a fé” (2Tm 4,7)? Ser cristão católico, pertencer à
Igreja de Jesus Cristo, comporta um combate, o percorrer um caminho, cuidando
para não perder a fé.
Jesus
conferiu a Pedro, o primeiro Papa, uma missão específica: “Eu te darei as
chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus;
tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,19). Muitas
pessoas decidiram se desligar da Igreja por causa das suas imperfeições
humanas. Elas acabaram por jogar fora o bebê junto com a água do banho. Nós,
católicos, vivemos em ambientes cada vez mais pagãos e/ou anticatólicos, ou até
mesmo anticristãos. Nossa missão é ser uma chave que abre a porta e dá acesso
ao sagrado. Nossa missão é ligar – religião significa “religar” – as pessoas a
Deus, aos valores do Evangelho, à pessoa de Jesus Cristo, salvador de todos os
homens. Não se trata de nos portar entre as pessoas como “nós, os bons, e
vocês, os maus”; “nós, os que estão na luz, e vocês, os que estão nas trevas”.
Não nos esqueçamos da advertência de Santo Agostinho: “Existem aqueles que
estão dentro (da Igreja), mas vivem como se estivessem fora; existem aqueles
que estão fora, mas vivem como se estivessem dentro”.
O
tempo da presunção já passou. O fato de Jesus ser o Fundador da nossa Igreja
não significa que Ele ou o Evangelho sejam monopólios nossos. A Igreja é de
Jesus e não Jesus da Igreja. A Igreja será julgada pelo Evangelho e não o
contrário. Aprendamos com Jesus a dialogar com a diversidade. Ele sempre se
colocou junto às pessoas a partir da realidade em que se encontravam,
respeitando as diferenças e convidando as pessoas a buscarem aquela Verdade que
é inesgotável e que transcende toda crença, toda igreja, toda religião. Busquemos
viver segundo o Evangelho, de modo que as nossas atitudes jamais afastem as
pessoas de Jesus Cristo. Pelo contrário, que nossa vida desperte nelas o encanto
por Jesus, por seu Evangelho e por sua Igreja.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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