Missa do 17. dom. comum. Palavra de Deus: 2Reis 4,42-44; Efésios 4,1-6; João 6,1-15.
No dia 19 deste mês noticiou-se que “Pessoas
fazem fila para doação de ossos em açougue de Cuiabá”. Moradores de Mato
Grosso, o estado com o maior rebanho bovino do país (cerca de 32 milhões de
cabeças de gado), fazem fila para receber ossos em um açougue que doa restos do
processo de desossa do boi. Este é apenas um pequeno retrato da fome em nosso
País, fome que se intensificou e se agravou não só devido à pandemia, mas
também à alta absurda do preço de alimentos básicos.
Como é que os primeiros cristãos
lidavam com a fome? “Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que
possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro e o colocavam aos pés
dos apóstolos; depois, ele era distribuído a cada um conforme a sua
necessidade” (At 4,34-35). Isso não era uma lei, mas uma atitude que brotava
espontaneamente do coração. Diferente de grupos católicos tradicionalistas que
afirmam que a Igreja tem que se preocupar com a salvação da alma da pessoa e
não se envolver com questões políticas e sociais, os primeiros cristãos procuravam
observar essa orientação bíblica: “Quando no seu meio houver um pobre... não
endureça o seu coração, nem feche a mão para esse irmão pobre... Abra a mão em
favor do seu irmão, do seu pobre e do seu indigente no lugar onde você está”
(Dt 15,7.11).
Precisamos recordar mais uma vez as
palavras de Gandhi: “Na terra há o suficiente para satisfazer as
necessidades de todos, mas não para satisfazer a ganância de alguns”. A
fome não é consequência da quantidade de pessoas na face da terra, mas de dois
fatores principais: a desigualdade social e o desperdício de alimentos. Quando
nossa Igreja levanta sua voz para denunciar essa desigualdade, a qual gera não
apenas fome, mas também violência e morte, ela não está pregando o comunismo, não
está fazendo um “discurso de esquerda”, mas alertando a consciência de cada
cristão para uma verdade básica do Evangelho: “Eu tive fome, e vocês me deram
de comer... Todas as vezes que vocês socorreram pessoas necessitadas, foi a mim
que vocês socorreram” (citação livre de Mt 25,35.40).
O Evangelho nos fala que, “levantando
os olhos e vendo que uma grande multidão estava vindo ao seu encontro, Jesus
disse a Filipe: ‘Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?’ (Jo 6,5). Hoje
Jesus dirige essa pergunta a cada um de nós, seus discípulos, porque Ele deseja
que cada um de nós se deixe afetar pelo sofrimento que afeta os pobres à nossa
volta. Enquanto católicos tradicionalistas desejam missas em latim, a volta
do uso do véu para as mulheres e comunhão dada na boca, Jesus nos pergunta se
as nossas mãos, que se estendem para receber a Eucaristia, também têm se
estendido para dar pão a quem tem fome.
A pergunta que Jesus fez a Felipe foi “para
pô-lo a prova” (Jo 6,6). Hoje Jesus também está pondo as igrejas cristãs à
prova, igrejas que o proclamam Senhor e Salvador, igrejas que afirmam crer no
seu Evangelho. Ao nos pôr à prova, Jesus está verificando o nosso nível de
humanidade, de compaixão, de solidariedade. Jesus está verificando qual cristão/igreja
se esforça em se configurar a Ele, que procurou se colocar junto aos pobres e
sofredores, e qual cristão/igreja está se configurando aos fariseus, que sempre
usaram do culto religioso como forma de se manterem distantes dos pobres, dos
pecadores, dos sofredores. Talvez essas palavras de São João Crisóstomo nos
ajude a fazer nosso exame de consciência: “Se você não conseguir encontrar
Cristo no mendigo na porta da igreja, não o encontrará no cálice”.
Mas, afinal de contas, onde está a
solução para o problema da fome em nosso mundo? Está na consciência, no bolso e
nas mãos de cada um de nós. Tanto na época do profeta Eliseu como na época de
Jesus, a fome foi saciada com “pães de cevada” (cf. 2Rs 4,42; Jo 6,9), alimento
de pessoas pobres. O problema é a falta de fé em nossos pequenos recursos: “Como
vou distribuir tão pouco para cem pessoas?” (2Rs 4,43). “Está aqui um menino
com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isto para tanta gente?” (Jo
6,9). A resposta de Eliseu foi: “Dá ao povo para que coma; pois assim diz o
Senhor: ‘Comerão e ainda sobrará’” (2Rs 4,43). Jesus, por sua vez, “tomou os
pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto
queriam. E fez o mesmo com os peixes” (Jo 6,11).
Quais são seus “pães de cevada”?
Quais são os pequenos recursos que você tem consigo, mas não tem feito uso
deles? O nosso grande erro enquanto povo brasileiro é esperar que a solução
para os problemas do nosso País venha de Brasília, do Palácio do Planalto, do
Congresso, do Senado ou do STF, exatamente das pessoas que mantêm o nosso País
na indigência, na ignorância, na pobreza, na falta de saúde e de educação
porque só assim eles podem continuar a serem eleitos como falsos messias,
falsos salvadores da Pátria.
“Quando todos ficaram satisfeitos,
Jesus disse aos discípulos: ‘Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se
perca!’” (Jo 6,12). Já sabemos que o outro lado da moeda da fome é o
desperdício de alimento. Segundo São João Crisóstomo, Deus dá riqueza “não
para você desperdiçar com prostitutas, bebida e comida sofisticadas, roupas
caras..., mas para distribuir aos necessitados... Se você tem dois pares de
sapatos, um pertence aos pobres”. Nada deve se perder; nada deve ser
desperdiçado; tudo deve ser partilhado.
Além de não desperdiçar comida,
água, energia, é preciso não desperdiçar a oportunidade de alimentar
relacionamentos que nos são significativos. Nossas relações também precisam ser
alimentadas. Nossa fé e nossa esperança em Deus precisam ser alimentadas
por meio da oração, e a oração acontece quando não desperdiçamos tempo com distrações
fúteis e vazias. Diariamente precisamos orar ao Pai pelo pão de cada dia: “Todos
os olhos, ó Senhor, em vós esperam e vós lhes dais no tempo certo o alimento; vós abris
a vossa mão prodigamente e saciais todo ser vivo com fartura” (Sl
145,15-16).
Após saciar toda aquela multidão,
Jesus precisou se afastar dela: “Quando notou que estavam querendo levá-lo para
proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte” (Jo 6,15). É
muito importante que você possa ajudar pessoas necessitadas, mas não permita
que elas elejam você como o(a) salvador(a) particular delas; não permita que as
pessoas deixem de caminhar com suas próprias pernas e queiram ser carregadas no
seu colo; não permita ser usado(a), sugado(a) ou explorado(a) pelos outros.
Respeite seus limites e não se esgote.
Oração: Pai querido, teu Filho nos
ensinou a pedir-Te o pão nosso de cada dia. Olha para o nosso mundo, faminto de
justiça e de paz, de saúde e de esperança, de alegria e de sentido de vida.
Perdoa nosso desperdício de tempo, de comida, de água e de energia. Dai-nos
olhos para ver as necessidades dos nossos irmãos. Que nossas mãos se abram para
partilhar e trabalhem para diminuir a desigualdade social, fonte de fome,
sofrimento, violência e morte em nosso País. Liberta-nos da política e da
economia que estão aprofundando a desigualdade social e a fome no Brasil. Que
haja pão em todas as mesas, paz em todos os lares, emprego digno e salário
justo para o sustento das famílias. Que todos os cristãos colaborem para que
não haja tantos necessitados à sua volta. Em nome de Jesus, na força do
Espírito Santo. Amém.
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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