quinta-feira, 22 de julho de 2021

FOME. E EU COM ISSO?

 Missa do 17. dom. comum. Palavra de Deus: 2Reis 4,42-44; Efésios 4,1-6; João 6,1-15.

 

                No dia 19 deste mês noticiou-se que “Pessoas fazem fila para doação de ossos em açougue de Cuiabá”. Moradores de Mato Grosso, o estado com o maior rebanho bovino do país (cerca de 32 milhões de cabeças de gado), fazem fila para receber ossos em um açougue que doa restos do processo de desossa do boi. Este é apenas um pequeno retrato da fome em nosso País, fome que se intensificou e se agravou não só devido à pandemia, mas também à alta absurda do preço de alimentos básicos.

            Como é que os primeiros cristãos lidavam com a fome? “Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro e o colocavam aos pés dos apóstolos; depois, ele era distribuído a cada um conforme a sua necessidade” (At 4,34-35). Isso não era uma lei, mas uma atitude que brotava espontaneamente do coração. Diferente de grupos católicos tradicionalistas que afirmam que a Igreja tem que se preocupar com a salvação da alma da pessoa e não se envolver com questões políticas e sociais, os primeiros cristãos procuravam observar essa orientação bíblica: “Quando no seu meio houver um pobre... não endureça o seu coração, nem feche a mão para esse irmão pobre... Abra a mão em favor do seu irmão, do seu pobre e do seu indigente no lugar onde você está” (Dt 15,7.11).

            Precisamos recordar mais uma vez as palavras de Gandhi: “Na terra há o suficiente para satisfazer as necessidades de todos, mas não para satisfazer a ganância de alguns”. A fome não é consequência da quantidade de pessoas na face da terra, mas de dois fatores principais: a desigualdade social e o desperdício de alimentos. Quando nossa Igreja levanta sua voz para denunciar essa desigualdade, a qual gera não apenas fome, mas também violência e morte, ela não está pregando o comunismo, não está fazendo um “discurso de esquerda”, mas alertando a consciência de cada cristão para uma verdade básica do Evangelho: “Eu tive fome, e vocês me deram de comer... Todas as vezes que vocês socorreram pessoas necessitadas, foi a mim que vocês socorreram” (citação livre de Mt 25,35.40).  

            O Evangelho nos fala que, “levantando os olhos e vendo que uma grande multidão estava vindo ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: ‘Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?’ (Jo 6,5). Hoje Jesus dirige essa pergunta a cada um de nós, seus discípulos, porque Ele deseja que cada um de nós se deixe afetar pelo sofrimento que afeta os pobres à nossa volta. Enquanto católicos tradicionalistas desejam missas em latim, a volta do uso do véu para as mulheres e comunhão dada na boca, Jesus nos pergunta se as nossas mãos, que se estendem para receber a Eucaristia, também têm se estendido para dar pão a quem tem fome.

               A pergunta que Jesus fez a Felipe foi “para pô-lo a prova” (Jo 6,6). Hoje Jesus também está pondo as igrejas cristãs à prova, igrejas que o proclamam Senhor e Salvador, igrejas que afirmam crer no seu Evangelho. Ao nos pôr à prova, Jesus está verificando o nosso nível de humanidade, de compaixão, de solidariedade. Jesus está verificando qual cristão/igreja se esforça em se configurar a Ele, que procurou se colocar junto aos pobres e sofredores, e qual cristão/igreja está se configurando aos fariseus, que sempre usaram do culto religioso como forma de se manterem distantes dos pobres, dos pecadores, dos sofredores. Talvez essas palavras de São João Crisóstomo nos ajude a fazer nosso exame de consciência: “Se você não conseguir encontrar Cristo no mendigo na porta da igreja, não o encontrará no cálice”.

 

            Mas, afinal de contas, onde está a solução para o problema da fome em nosso mundo? Está na consciência, no bolso e nas mãos de cada um de nós. Tanto na época do profeta Eliseu como na época de Jesus, a fome foi saciada com “pães de cevada” (cf. 2Rs 4,42; Jo 6,9), alimento de pessoas pobres. O problema é a falta de fé em nossos pequenos recursos: “Como vou distribuir tão pouco para cem pessoas?” (2Rs 4,43). “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isto para tanta gente?” (Jo 6,9). A resposta de Eliseu foi: “Dá ao povo para que coma; pois assim diz o Senhor: ‘Comerão e ainda sobrará’” (2Rs 4,43). Jesus, por sua vez, “tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes” (Jo 6,11).

            Quais são seus “pães de cevada”? Quais são os pequenos recursos que você tem consigo, mas não tem feito uso deles? O nosso grande erro enquanto povo brasileiro é esperar que a solução para os problemas do nosso País venha de Brasília, do Palácio do Planalto, do Congresso, do Senado ou do STF, exatamente das pessoas que mantêm o nosso País na indigência, na ignorância, na pobreza, na falta de saúde e de educação porque só assim eles podem continuar a serem eleitos como falsos messias, falsos salvadores da Pátria.

            “Quando todos ficaram satisfeitos, Jesus disse aos discípulos: ‘Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca!’” (Jo 6,12). Já sabemos que o outro lado da moeda da fome é o desperdício de alimento. Segundo São João Crisóstomo, Deus dá riqueza “não para você desperdiçar com prostitutas, bebida e comida sofisticadas, roupas caras..., mas para distribuir aos necessitados... Se você tem dois pares de sapatos, um pertence aos pobres”. Nada deve se perder; nada deve ser desperdiçado; tudo deve ser partilhado.

            Além de não desperdiçar comida, água, energia, é preciso não desperdiçar a oportunidade de alimentar relacionamentos que nos são significativos. Nossas relações também precisam ser alimentadas. Nossa fé e nossa esperança em Deus precisam ser alimentadas por meio da oração, e a oração acontece quando não desperdiçamos tempo com distrações fúteis e vazias. Diariamente precisamos orar ao Pai pelo pão de cada dia: “Todos os olhos, ó Senhor, em vós esperam e vós lhes dais no tempo certo o alimento; vós abris a vossa mão prodigamente e saciais todo ser vivo com fartura” (Sl 145,15-16).

            Após saciar toda aquela multidão, Jesus precisou se afastar dela: “Quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte” (Jo 6,15). É muito importante que você possa ajudar pessoas necessitadas, mas não permita que elas elejam você como o(a) salvador(a) particular delas; não permita que as pessoas deixem de caminhar com suas próprias pernas e queiram ser carregadas no seu colo; não permita ser usado(a), sugado(a) ou explorado(a) pelos outros. Respeite seus limites e não se esgote.

 

            Oração: Pai querido, teu Filho nos ensinou a pedir-Te o pão nosso de cada dia. Olha para o nosso mundo, faminto de justiça e de paz, de saúde e de esperança, de alegria e de sentido de vida. Perdoa nosso desperdício de tempo, de comida, de água e de energia. Dai-nos olhos para ver as necessidades dos nossos irmãos. Que nossas mãos se abram para partilhar e trabalhem para diminuir a desigualdade social, fonte de fome, sofrimento, violência e morte em nosso País. Liberta-nos da política e da economia que estão aprofundando a desigualdade social e a fome no Brasil. Que haja pão em todas as mesas, paz em todos os lares, emprego digno e salário justo para o sustento das famílias. Que todos os cristãos colaborem para que não haja tantos necessitados à sua volta. Em nome de Jesus, na força do Espírito Santo. Amém.

Pe. Paulo Cezar Mazzi    

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