quinta-feira, 15 de julho de 2021

O NECESSÁRIO EQUILÍBRIO ENTRE CUIDAR DOS OUTROS E CUIDAR DE SI

 Missa do 16. dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 23,1-6; Efésios 2,13-18; Marcos 6,30-34

 

            No mundo atual e também em nossas igrejas (comunidades), alguns estão sobrecarregados, enquanto outros estão folgados; alguns estão como Jesus e seus discípulos – “sem tempo para comer” – enquanto outros estão “muito ocupados em não fazer nada”. Esses dois extremos são perigosos e precisam ser evitados. Viver sobrecarregado leva ao esgotamento; viver sem fazer nada leva à atrofia e à perda de sentido de vida. Por isso, diante daquilo que nos está sendo solicitado, precisamos nos perguntar: é a vida que está me pedindo isso ou é a minha necessidade de ser reconhecido, de me sentir importante e, quem sabe, insubstituível para os outros? 

            Jesus escolheu fazer da sua vida uma doação para os outros. Quando se tratava de socorrer, de curar, de salvar, Ele se doava sem medida. No entanto, Jesus nunca se deixou consumir ou “ser devorado” pelas necessidades das pessoas. Ele sempre soube retirar-se quando era necessário, seja para orar, seja para descansar, seja para dizer às pessoas que não era sua missão carregá-las no colo, mas ensiná-las a caminharem com as próprias pernas. É por isso que o Evangelho de hoje se inicia com essa orientação de Jesus aos seus discípulos que voltam da missão: “Vinde à parte, para algum lugar deserto, e descansai um pouco” (Mc 6,31).

            Todas as pessoas que trabalham para Deus precisam evitar duas atitudes que levam ao adoecimento e ao esgotamento: o messianismo e o ativismo. O messianismo consiste basicamente em sentir-se o salvador dos outros. O ativismo, por sua vez, nos faz trabalhar incansavelmente, como se a obra fosse nossa e não de Deus. Em ambos os casos, fracassamos, porque estamos ocupando um lugar que não é o nosso; nos achamos insubstituíveis, quando, na verdade, ninguém o é. O resultado é o esgotamento, o desencanto e até mesmo o abandono da missão.

            Mas o Evangelho nos revela uma surpresa: “Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-se dela, porque era como ovelhas que não têm pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6,34). Quando chegou num lugar afastado onde esperava descansar com seus discípulos, Jesus foi surpreendido por uma grande multidão que desejava ficar perto dele, que desejava alimentar-se das suas palavras, dos seus ensinamentos. Mesmo cansado e com fome, Jesus esqueceu de si mesmo e se deixou atingir pelas necessidades daquelas ovelhas que não têm pastor.

            O que aconteceu com Jesus pode acontecer conosco também: havíamos programado um descanso, uma viagem, um passeio, um lazer, mas fomos surpreendidos por alguém que precisava do nosso socorro, da nossa presença, da nossa atenção. O que fez Jesus esquecer-se de si foi o sentimento de compaixão: ele se deixou afetar pela situação de abandono e de desorientação daquela multidão. O sentimento de compaixão faz você enxergar a vida para além das suas próprias necessidades. Ele revela que, mesmo na correria do dia a dia, é possível encontrar um tempo para ouvir alguém, para estar com alguém, para ajudar aquela pessoa que atravessou o seu caminho não por acaso, mas porque é como “uma ovelha que não tem pastor”, uma pessoa que precisa ser ajudada.

            Nossa situação atual, enquanto Igreja, família e sociedade, é parecida com a época do profeta Jeremias: líderes preocupados com seus próprios interesses acabam por deixar “perder-se e dispersar-se o rebanho miúdo” (Jr 23,1); líderes sem compaixão e sem coerência, escandalizam muitas ovelhas do seu rebanho, “afugentando-as”. Por isso, precisamos rezar pelas pessoas que têm a função de liderar, de cuidar, de pastorear. Precisamos pedir a Deus que nos conceda “pastores segundo o seu coração” (Jr 3,15) no âmbito religioso, político, profissional, familiar e social.   

            Jesus é o pastor segundo o coração de Deus. Além de ter um coração compassivo, que se deixa afetar pelas pessoas que sofrem, Ele trabalhou incansavelmente para trazer para perto quem estava longe de Deus; para derrubar o muro da inimizade e construir a ponte da paz entre as pessoas. Na época de Jesus, a humanidade era vista como dividida em dois povos: os judeus (os salvos) e os pagãos (os perdidos). Hoje são diversas as divisões entre nós: os ricos e os pobres; os que creem em Deus e os ateus; os do Oriente e os do Ocidente; os católicos e os evangélicos; os de direita e os de esquerda etc.

            Jesus nos desafia a enxergar a humanidade para além dessa visão míope de divisão. Ele nos convida a não alimentar conflitos desnecessários, mas a restabelecer a paz em vista do bem de uma única humanidade que necessita ser reconciliada com Deus. Jesus nos convida a derrubar os muros da inimizade e a construir as pontes da fraternidade, para que todos os povos possam reconhecer que “Ele é a nossa paz” (Ef 2,14). Na sua cruz, Jesus derrubou dois muros: o muro que separava a humanidade de Deus e o muro que separa os homens uns dos outros. Que essa também seja a nossa tarefa: reaproximar as pessoas umas das outras, de modo que nos sintamos todos irmãos uns dos outros e filhos do mesmo Pai.   

 

Oração: Senhor Jesus, tu me convidas a descansar um pouco, a não me deixar consumir pelas urgências e pelas cobranças que o mundo constantemente me faz. Liberta-me do engano de me achar insubstituível e do erro de desrespeitar meus limites. Concede-me um coração compassivo, capaz de se deixar afetar pelas necessidades do meu irmão, daquela pessoa que vive ao meu lado como ovelha que não tem pastor. Dá-me sabedoria para identificar a tarefa que a vida está me pedindo para realizar, de modo que eu não desperdice tempo e energia com tarefas que não são minhas. Olha para o nosso mundo ferido por tantas divisões, onde muros de inimizade são erguidos todos os dias nas famílias, nos ambientes de trabalho, na política e até mesmo nas igrejas. Dá-nos força para derrubarmos esses muros e construirmos pontes no lugar deles, restabelecendo o diálogo, a fraternidade e a paz.

Cristo, quero ser instrumento de tua paz e do teu infinito amor. Onde houver ódio e rancor, que eu leve a concórdia, que eu leve o amor. Onde há ofensa que dói, que eu leve o perdão; onde houver a discórdia, que eu leve a união e tua paz!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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