sexta-feira, 19 de março de 2021

TER UMA RAZÃO PARA SOFRER O QUE SE SOFRE

 

Missa do 5. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Jeremias 31,31-34; Hebreus 5,7-9; João 12,20-33.

 

            Tudo o que vive – plantas, animais, seres humanos – carrega em si um forte instinto de sobrevivência. Por isso, tudo aquilo que ameaça a nossa vida nos causa angústia. Não queremos morrer; lutamos para viver. No entanto, Jesus nos questiona quanto a essa atitude de evitar a morte a todo custo. Ele nos lembra de que a vida não consiste somente em não morrer. O mais importante não é apenas viver, mas ter um motivo para viver. A vida vale a pena não quando se mantém o máximo possível distante da morte, mas quando se doa, se gasta, se oferece para gerar vida nas outras pessoas e no mundo em que nos encontramos. A vida vale a pena não pelo tempo em que conseguimos nos manter vivos, mas pelos frutos que produzimos enquanto estamos plantados na Terra.

            Somos sementes e, como tais, somos portadores e geradores de vida. Cada um de nós foi semeado em um lugar específico da Terra para produzir frutos, para produzir paz, diálogo, perdão, reconciliação, justiça, esperança, alegria, vida. Assim como a razão de ser do grão de trigo consiste em cair na terra e produzir muito fruto, assim a razão de ser da nossa existência está em permitirmos ser afetados pela realidade à nossa volta – este é o sentido de “cair na terra” – e produzir muito fruto, ou seja, em abraçar a tarefa que a vida nos pede neste momento, para que a realidade à nossa volta se transforme graças à fecundidade que habita em nós, em vista do bem comum.

            Assim como o grão de trigo é um “grão para” se tornar pão e alimentar, assim a vida de todo discípulo de Jesus é chamada a ser uma “vida para” ser doada, gasta, consumida num esforço em fazer o bem a quem precisa de nós, em tornar o mundo melhor com a nossa presença. Jesus nos alerta para o perigo de que a vida pode ser perdida! Perde-se a vida não porque se morre de doença, de acidente ou de velhice; perde-se a vida quando ela é vivida de maneira egoísta e individualista, sem fazer diferença, sem se tornar uma vida que tenha feito a diferença para a humanidade.

            Aquilo que mais nos afasta de uma vida doada, entregue a uma causa, é o sofrer. Ao cair na terra, o grão de trigo sofre o processo do apodrecimento, para que a vida que está guardada dentro dele venha para fora. Como vivemos num mundo que centra tudo no bem estar pessoal, a maioria das pessoas mede sua qualidade de vida pelo tanto de bem estar que sentem e pelo tanto de sofrimento que não sentem. Não foi assim que Jesus escolheu viver. Ele escolheu cair na terra e produzir muito fruto; ele escolheu ocupar o seu lugar neste mundo, aceitando o sofrimento que é próprio de toda pessoa que escolhe defender o bem, a verdade, a justiça, a vida.  

                 A cruz foi a hora de Jesus, o verdadeiro grão de trigo, ser triturado para gerar vida. Como ele vivenciou este momento? Admitindo e posicionando-se diante da angústia que estava sentindo: “Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora!'? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!’” (Jo 12,27-28). Enquanto muitas pessoas fogem daquilo que sentem e recusam-se a ocupar o seu lugar na vida, Jesus nos incentiva a não negar a angústia que sentimos diante da nossa hora de cruz. Os sentimentos surgem em nós para serem ouvidos e exigem de nós uma resposta. Enquanto a maioria apenas reage ao que sente, Jesus nos incentiva a responder ao que estamos sentindo, sendo que responder significa responsabilizar-se pelas escolhas que fazemos e pelas decisões que tomamos diante daquilo que estamos sentindo.

            “Foi precisamente para esta hora que eu vim” (Jo 12,27). Quando sentimos repulsa diante de uma situação de cruz, a única coisa que não nos faz acovardar, retroceder e abandonar a nossa missão é a consciência de que aquele sofrimento deve ser enfrentado por nós; aquele sofrimento pode ser consequência do lugar que fomos chamados a ocupar na vida. Todo ser humano tem a sua “hora” de cruz, hora de comprovar se ele é um homem meramente carnal, ou se também é um homem espiritual; hora de testemunhar sua fé e sua esperança; hora de transcender a mera sobrevivência numa vida terrena para desejar entrar na verdadeira vida, a vida eterna.   

            Resumindo, Jesus nos ensina no Evangelho de hoje que todos sofrem, mas a questão é ter uma razão, uma causa para sofrer o que se sofre. Jesus nos desafia a ocupar o nosso lugar na vida e a pagar o preço por estar neste lugar, nesta posição, abraçando a missão de produzir frutos e defendendo os valores que promovem a vida que Deus quer para cada ser humano. Ainda que, como Jesus, muitas vezes nos sintamos angustiados e tenhamos a tendência a rejeitar determinada experiência de cruz, os sentimentos de angústia, de medo, de ameaça e de rejeição não podem tirar o nosso foco da missão. Precisamos fazer como Jesus: abraçar a nossa hora; sermos fiéis à nossa missão, mesmo sentindo o que sentimos.     

 

            Oração: Senhor Jesus, às vezes sinto-me angustiado(a); sinto repulsa diante da minha experiência de cruz. É quando sou tentado(a) a romper com a minha fidelidade, com os meus compromissos, abandonando a minha missão devido ao custo que estou tendo que pagar. Mas o Senhor me convida a não desacreditar da minha fecundidade, a não buscar uma vida egoísta, que se mantenha distante da realidade que sou chamado(a) a transformar com a doação da minha própria vida. O Senhor me convida a aceitar “cair na terra e morrer, para produzir muito fruto”. Ajuda-me a ocupar o lugar que fui chamado(a) a ocupar e a pagar o preço por querer ser um(a) verdadeiro(a) cristão(ã). Quero aprender a abraçar a minha “hora”, a hora de sofrer pela defesa da verdade e da justiça, pela defesa dos valores do Evangelho, pela defesa da vida que o Senhor quer para todo ser humano. Sustenta-me com a tua graça, para que, relativizando esta vida terrena, eu me torne sempre mais destinado(a) à vida eterna. Amém. 


Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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