Missa
do 5. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Jeremias 31,31-34; Hebreus 5,7-9; João
12,20-33.
Tudo o que vive – plantas, animais,
seres humanos – carrega em si um forte instinto de sobrevivência. Por isso, tudo
aquilo que ameaça a nossa vida nos causa angústia. Não queremos morrer; lutamos
para viver. No entanto, Jesus nos questiona quanto a essa atitude de evitar a
morte a todo custo. Ele nos lembra de que a vida não consiste somente em não
morrer. O mais importante não é apenas viver, mas ter um motivo para viver. A
vida vale a pena não quando se mantém o máximo possível distante da morte, mas
quando se doa, se gasta, se oferece para gerar vida nas outras pessoas e no
mundo em que nos encontramos. A vida vale a pena não pelo tempo em que
conseguimos nos manter vivos, mas pelos frutos que produzimos enquanto estamos
plantados na Terra.
Somos sementes e, como tais, somos portadores
e geradores de vida. Cada um de nós foi semeado em um lugar específico da Terra
para produzir frutos, para produzir paz, diálogo, perdão, reconciliação,
justiça, esperança, alegria, vida. Assim como a razão de ser do grão de trigo
consiste em cair na terra e produzir muito fruto, assim a razão de ser da nossa
existência está em permitirmos ser afetados pela realidade à nossa volta – este
é o sentido de “cair na terra” – e produzir muito fruto, ou seja, em abraçar a
tarefa que a vida nos pede neste momento, para que a realidade à nossa volta se
transforme graças à fecundidade que habita em nós, em vista do bem comum.
Assim como o grão de trigo é um
“grão para” se tornar pão e alimentar, assim a vida de todo discípulo de Jesus é
chamada a ser uma “vida para” ser doada, gasta, consumida num esforço em fazer
o bem a quem precisa de nós, em tornar o mundo melhor com a nossa presença.
Jesus nos alerta para o perigo de que a vida pode ser perdida! Perde-se a vida
não porque se morre de doença, de acidente ou de velhice; perde-se a vida quando
ela é vivida de maneira egoísta e individualista, sem fazer diferença, sem se
tornar uma vida que tenha feito a diferença para a humanidade.
Aquilo que mais nos afasta de uma
vida doada, entregue a uma causa, é o sofrer. Ao cair na terra, o grão de trigo
sofre o processo do apodrecimento, para que a vida que está guardada dentro
dele venha para fora. Como vivemos num mundo que centra tudo no bem estar
pessoal, a maioria das pessoas mede sua qualidade de vida pelo tanto de bem
estar que sentem e pelo tanto de sofrimento que não sentem. Não foi assim que
Jesus escolheu viver. Ele escolheu cair na terra e produzir muito fruto; ele
escolheu ocupar o seu lugar neste mundo, aceitando o sofrimento que é próprio
de toda pessoa que escolhe defender o bem, a verdade, a justiça, a vida.
A cruz foi a hora de Jesus, o verdadeiro
grão de trigo, ser triturado para gerar vida. Como ele vivenciou este momento?
Admitindo e posicionando-se diante da angústia que estava sentindo: “Agora
sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora!'? Mas foi
precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!’” (Jo
12,27-28). Enquanto muitas pessoas fogem daquilo que sentem e recusam-se a
ocupar o seu lugar na vida, Jesus nos incentiva a não negar a angústia que
sentimos diante da nossa hora de cruz. Os sentimentos surgem em nós para serem
ouvidos e exigem de nós uma resposta. Enquanto a maioria apenas reage ao que
sente, Jesus nos incentiva a responder ao que estamos sentindo, sendo que
responder significa responsabilizar-se pelas escolhas que fazemos e pelas
decisões que tomamos diante daquilo que estamos sentindo.
“Foi precisamente para esta hora que
eu vim” (Jo 12,27). Quando sentimos repulsa diante de uma situação de cruz, a
única coisa que não nos faz acovardar, retroceder e abandonar a nossa missão é
a consciência de que aquele sofrimento deve ser enfrentado por nós; aquele
sofrimento pode ser consequência do lugar que fomos chamados a ocupar na vida.
Todo ser humano tem a sua “hora” de cruz, hora de comprovar se ele é um homem
meramente carnal, ou se também é um homem espiritual; hora de testemunhar sua
fé e sua esperança; hora de transcender a mera sobrevivência numa vida terrena
para desejar entrar na verdadeira vida, a vida eterna.
Resumindo, Jesus nos ensina no
Evangelho de hoje que todos sofrem, mas a questão é ter uma razão, uma causa
para sofrer o que se sofre. Jesus nos desafia a ocupar o nosso lugar na vida e
a pagar o preço por estar neste lugar, nesta posição, abraçando a missão de
produzir frutos e defendendo os valores que promovem a vida que Deus quer para
cada ser humano. Ainda que, como Jesus, muitas vezes nos sintamos angustiados e
tenhamos a tendência a rejeitar determinada experiência de cruz, os sentimentos
de angústia, de medo, de ameaça e de rejeição não podem tirar o nosso foco da
missão. Precisamos fazer como Jesus: abraçar a nossa hora; sermos fiéis à nossa
missão, mesmo sentindo o que sentimos.
Oração: Senhor Jesus, às vezes sinto-me angustiado(a); sinto repulsa diante da minha experiência de cruz. É quando sou tentado(a) a romper com a minha fidelidade, com os meus compromissos, abandonando a minha missão devido ao custo que estou tendo que pagar. Mas o Senhor me convida a não desacreditar da minha fecundidade, a não buscar uma vida egoísta, que se mantenha distante da realidade que sou chamado(a) a transformar com a doação da minha própria vida. O Senhor me convida a aceitar “cair na terra e morrer, para produzir muito fruto”. Ajuda-me a ocupar o lugar que fui chamado(a) a ocupar e a pagar o preço por querer ser um(a) verdadeiro(a) cristão(ã). Quero aprender a abraçar a minha “hora”, a hora de sofrer pela defesa da verdade e da justiça, pela defesa dos valores do Evangelho, pela defesa da vida que o Senhor quer para todo ser humano. Sustenta-me com a tua graça, para que, relativizando esta vida terrena, eu me torne sempre mais destinado(a) à vida eterna. Amém.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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