quinta-feira, 4 de março de 2021

TEMPLOS PURIFICADOS, DEFENDIDOS E CUIDADOS

 Missa do 3. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Êxodo 20,1-17; 1Coríntios 1,22-25; João 2,13-25.

 

“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração! Examina-me, e conhece minhas preocupações. Vê se não ando por um caminho fatal e conduze-me pelo caminho eterno” (Sl 139,23-24).  O Evangelho de hoje é um convite a permitir que Jesus visite o templo do nosso corpo, da nossa consciência e do nosso coração. Que Ele, que conhece o ser humano por dentro, possa examinar nossos pensamentos e sentimentos, as intenções que trazemos guardadas em nosso coração, e trazer à luz tudo aquilo que está escondido na sombra, no oculto de nós mesmos. Que Ele nos torne conscientes das motivações que estão por trás de atitudes que nos adoecem, ou que nos levam a pecar, que nos levam a nos comportar de maneira oposta aos seus ensinamentos.     

            Jesus esteve poucas vezes no Templo de Jerusalém. A maior parte da sua vida, ele passou fora dos templos, porque escolheu colocar-se junto daqueles que não podiam entrar nos templos: os pobres, os pecadores, os doentes, aqueles que a religião e política da época de Jesus desprezavam e viam como “gente perdida”. Jesus dedicou toda a sua vida a reconstruir o templo no qual Deus mais deseja habitar: o ser humano. Por isso, ele curou doentes, ressuscitou mortos, expulsou demônios, perdoou pecadores, absolveu culpados e condenados. Por compreender o ser humano no sentido bíblico – corpo, alma e espírito –, Jesus sempre procurou restaurar a vida na sua dimensão física, emocional e espiritual.

            O Evangelho nos coloca diante dessa atitude de Jesus: “Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas” (Jo 2,15). O Jesus manso e humilde de coração, bondoso e misericordioso, se enche de indignação contra uma religião que se converteu em negócio lucrativo, uma religião que se mantém distante dos que sofrem, que se cala diante das injustiças e se apoia no dinheiro daqueles que exploram os mais pobres. A indignação de Jesus é a mesma de Deus na época do profeta Isaías: “Quando estendeis vossas mãos, desvio de vós os meus olhos... Vossas mãos estão cheias de sangue” (Is 1,15). Para Deus, é inconcebível que um cristão seja contra o aborto e a mesmo tempo a favor da pena de morte. É inconcebível que um cristão separe o seu culto a Deus da sua vivência comunitária e social: “Aquele que não pratica a justiça e não ama o seu irmão não é de Deus” (citação livre de 1Jo 3,10).

            Jesus é o verdadeiro e único templo de Deus, um templo de portas abertas para todos, não somente para quem se considera bom cristão. No Templo de Jerusalém havia um muro que separava os judeus dos gentios (pagãos). Mas o apóstolo Paulo afirma que, com o seu corpo pregado na cruz, Jesus derrubou esse muro de inimizade que separava os povos (cf. Ef 2,14): “É por meio dele que todos nós, judeus e gentios, num só Espírito, temos acesso ao Pai” (Ef 2,18). O Pai de Jesus não habita exclusivamente no Templo de Jerusalém, nem em qualquer outro lugar sagrado; Ele é o “Pai nosso que está nos céus”, acima de todos os seres humanos porque Pai de todos eles, sem discriminação nem exclusão alguma.

            Ao purificar o Templo de Jerusalém, Jesus nos deixou uma nova compreensão do Templo onde Deus habita: “Jesus estava falando do Templo do seu corpo” (Jo 2,21). De fato, o apóstolo Paulo afirmará mais tarde que o corpo do cristão é templo do Espírito Santo de Deus (cf. 1Cor 3,16-17; 6,19). A cultura moderna dá muito valor ao corpo, mas não enquanto templo do Espírito de Deus e sim enquanto fonte de sedução e objeto de consumo. De um lado, temos corpos sarados, esteticamente perfeitos, mas habitados por um espírito atrofiado, porque a dedicação com o físico não se dá no campo espiritual. De outro lado, temos corpos profanados pela fome, pelo abuso sexual, pelas drogas, pela prostituição, corpos tomados por doenças e corpos que se tornaram gibis ambulantes, devido às suas inúmeras tatuagens.

            Que compreensão temos do nosso corpo? Enquanto alguns cultuam seu corpo “perfeito”, outros rejeitam o próprio corpo, porque ele está fora dos padrões de estética exigidos pela sociedade da aparência. Quantos precisam reconciliar-se com seu próprio corpo? Quantos precisam parar de agredir o próprio corpo com aquilo que comem, bebem e pela maneira como se vestem? Quantos precisam prestar atenção àquilo que o corpo está lhes comunicando quando “somatiza” doenças emocionais?

            “O zelo (cuidado) por tua casa me consumirá” (Jo 2,17). Que cuidado temos para com nossa Igreja? Quantos de nós temos compartilhado mensagens de ataque à nossa própria Igreja nas redes sociais? Quantos de nós rejeitam o Magistério do Papa Francisco e dos nossos Bispos, representados pela CNBB, mas acolhem sem discernimento doutrinas de sacerdotes e leigos católicos que semeiam discórdia e divisão em nossa Igreja? Quantos de nós estamos conscientes da necessidade de fazermos a nossa doação no Dia Nacional da Coleta da Solidariedade (28 deste mês), por meio da qual a CNBB sustenta diversos trabalhos de amparo, defesa e reconstrução de “templos humanos” em nosso País?

“Vendo os sinais que realizava, muitos creram no seu nome. Mas Jesus não lhes dava crédito, pois ele conhecia a todos; (...) ele conhecia o homem por dentro” (Jo 2,23-25). Muitos se dizem cristãos. Muitos se consideram “verdadeiros” católicos. Mas Jesus conhece cada um de nós. Ele sabe quem se deixa questionar pela incômoda verdade do seu Evangelho e quem faz do Evangelho um verniz para destacar o brilho de sua própria imagem. Jesus conhece quem são os cristãos que trabalham em defesa dos templos agredidos e profanados em nosso País e quem são aqueles que se mantêm distantes desses templos, preocupados unicamente com o templo da sua alma e com a glória mundana da Igreja.   

 

            Oração: Senhor Jesus Cristo, visita-me com a luz da tua verdade. Quero tomar consciência do estado em que se encontra o templo que eu sou. Purifica-me dos meus pecados. Livra-me de pensamentos e sentimentos que adoecem o meu corpo. Faz nascer em mim o desejo de cuidar da tua casa, que é a Igreja. Que eu seja nela não um construtor de muros que separam, mas de pontes que unem e criam comunhão. Cura as feridas de divisão que foram abertas no meio de nós, para nos separar do Papa Francisco e dos nossos Bispos. Sustenta o trabalho de todos os cristãos que lutam pela defesa dos templos agredidos e profanados em nosso País. Que todos sejamos curados em nosso corpo, fortalecidos em nossa alma e reavivados em nosso espírito. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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