Missa do domingo de ramos: Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Marcos 15,1-39
Final de março de 2020: os casos de
infecção pela Covid 19 começaram a se alastrar em nosso País e fomos obrigados
a nos isolar em casa, para ajudar a diminuir a velocidade da contaminação pelo
vírus. Esperava-se que a pandemia nos tornasse pessoas melhores, mas, em muitos
casos, não foi o que aconteceu. A pandemia fez vir para fora o que as pessoas
têm de pior: o egoísmo, a ignorância, o pouco caso com a vida dos outros, o
“dane-se!”. Desse modo, chegamos ao final de março de 2021 vendo o nosso País caído,
de joelhos no chão, não porque está orando a Deus, mas porque está sendo
vencido pelo novo coronavírus, uma vitória que foi programada ao se negar a
gravidade da doença, ao se opor à ciência, ao se combater o uso de máscaras e o
distanciamento social e ao se fazer campanha contra as vacinas.
“Quem vocês querem que eu solte:
Jesus ou Barrabás?”, perguntou Pilatos à multidão. E a multidão, instigada por
seus líderes religiosos, gritou: “Barrabás!”. Esta é também a inversão de
valores que o Brasil vive atualmente. Uma parcela de líderes religiosos e de
brasileiros que se consideram cristãos, defendem a facilitação do porte de
armas ao mesmo tempo em que combatem as vacinas; defendem a economia e não se
importam com a preservação da vida das pessoas, vida que, neste momento, está
exigindo o sacrifício da economia como única forma de ser salva. Triste
inversão de valores! Era de se esperar que as religiões tornassem as pessoas
mais conscientes e mais comprometidas com a vida que Deus quer para todo ser
humano, mas, no Brasil, em muitos casos, alguns líderes religiosos trabalham para
manter as pessoas na ignorância, de modo que elas não percebam a contradição
entre afirmarem teoricamente que creem em Jesus Cristo, quando, na prática, elas
se identificam com Barrabás, um assassino.
O Evangelho deste domingo de ramos
está nos perguntando de quem somos discípulos: de Jesus ou de Barrabás? Somos
discípulos d’Aquele que oferece sua vida para que outros tenham vida, ou
daquele que não se importa com a vida alheia? O Evangelho deste domingo nos
pergunta como estamos respondendo ao mal e ao sofrimento que existem à nossa
volta. Como Jesus respondeu ao mal e ao sofrimento que ele encontrou na
humanidade? Sendo verdadeiro Servo de Deus, ele não fechou o seu ouvido, nem virou
o seu rosto (cf. Is 50,4-7). Pelo contrário, ele abriu seus ouvidos para ouvir
o que o Pai tinha a dizer ao ser humano que sofre. No meio de tantas pessoas
desoladas, Jesus nos convida a manter nossos ouvidos abertos ao Pai, para que
Ele coloque em nossa boca palavras de conforto para as pessoas que estão
abatidas à nossa volta. Uma pessoa que serve a Deus não pode ficar calada
diante do sofrimento do seu semelhante. Da boca de uma pessoa que sabe que sua
vida é uma missão, como foi a de Jesus, jamais deve sair a expressão “dane-se!”,
em relação ao que está acontecendo à sua volta.
Durante todo o seu julgamento, Jesus
permaneceu calado. Aquele que passou sua vida toda levando uma palavra de
conforto à pessoa abatida não disse uma palavra para se defender, porque
colocou sua defesa nas mãos de Deus: “O Senhor Deus é o meu auxiliador” (Is
50,7). Além disso, o silêncio de Jesus é o silêncio de quem sabe que aquele
sofrimento deve ser enfrentado, e não combatido, muito menos negado. O que
Jesus tinha para falar já havia falado na oração ao Pai: “Abbá, meu querido
Pai! Tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice; porém, não o que eu
quero, mas o que tu queres” (Mc 14,36). Se agora ele é condenado à morte,
abraça esta hora com dor, mas na mais profunda obediência ao Pai que está
permitindo sua condenação e sua morte.
Há um detalhe importante na hora em
que Jesus vai ser crucificado: “Deram-lhe vinho misturado com mirra, mas ele
não o tomou” (Mc 15,23). Essa bebida servia como anestésico, para que o que
fosse crucificado não sentisse toda a intensidade da dor da crucificação. Jesus
rejeita esse anestésico; quer sofrer conscientemente. Como nós nos portamos
diante da nossa ou da dor dos outros? Usamos de meios para manter nossa
consciência anestesiada? Todos nós somos influenciados por um mundo que não
aceita a dor e que oferece uma porção de subterfúgios para não senti-la. As
drogas que o digam! Jesus nos desafia a encarar a vida nos olhos e a não fugir
daquilo que nos cabe enfrentar. A pandemia está aí para ser enfrentada, não
negada. A crise financeira, consequência natural da pandemia, está aí para ser
enfrentada, e não para nos jogar nos braços do suicídio, que acaba sendo uma
recusa a sofrer “além da conta”.
Enfim, chega o momento em que Jesus
rompe o seu silêncio. Tendo sido crucificado às nove horas da manhã (cf. Mc 15,25),
Jesus suporta sua agonia por seis horas, até às três da tarde. Se ele não
tivesse sido flagelado com tanta violência, teria suportado por mais tempo, até
por dias, como era comum acontecer com alguns condenados. Mas ele já havia
sofrido demais! Suas forças haviam se esgotado. Foi então que ele rompeu seu
silêncio e gritou: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Esse
grito de Jesus certamente escandaliza muitas pessoas! Como é possível que
aquele que a vida toda confiou no Pai morra sentindo-se abandonado por Ele?
Como é possível que o Filho não sinta o Pai junto de si no momento de maior
sofrimento?* Certamente, nunca o Pai esteve tão junto do seu Filho como neste
momento de cruz, mas Jesus expressa no seu grito a verdade mais profunda que
nos habita: na hora mais intensa da dor, nós não sentimos Deus. Ele está ali,
nos sustentando nos Seus braços, mas, naquele momento, nós nos sentimos
completamente sozinhos, literalmente abandonados!
“Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Quantas pessoas que
morreram de câncer ou de Covid fizeram essa pergunta na hora da morte? Quantas
famílias, esposas, maridos, filhos, pais, fizeram essa mesma pergunta, ao
perderam alguém que eles amavam? Essa pergunta precisa ser levada a sério! Ela
não pode ser ignorada, não pode ser escondida para não nos escandalizar, porque
ela nos habita: para cada ser humano que crê, sempre chegará o momento de
questionar Deus. A fé nunca será blindada contra a dúvida, contra o sentimento
de abandono por parte de Deus. Então, o melhor que temos a fazer é nos jogar
nos braços do Pai dizendo o quanto estamos nos sentindo sozinhos, abandonados,
esquecidos, ignorados por Ele!
Se
muitas pessoas se escandalizam com o questionamento que o Filho faz do Pai na
hora da morte, um homem não se escandaliza; pelo contrário, se abre à fé, ao
ver como Jesus morre: “Quando o oficial do exército, que estava bem em frente
dele, viu como Jesus havia expirado, disse: 'Na verdade, este homem era Filho
de Deus!’” (Mc 15,39). A maneira como lidamos com a nossa cruz, com a dor que
atravessa o nosso caminho, com o sofrimento que atinge pessoas à nossa volta,
pode levar outros à fé. Quem dera as pessoas, ao nos virem sofrer e até mesmo
morrer, dissessem a nosso respeito: “Verdadeiramente, essa pessoa era uma filha
de Deus!”. A experiência de cruz não se dá em nossa vida para destruir a nossa
fé, mas para comprová-la! O Pai permite que a cruz atravesse o nosso caminho
não para nos fazer desistir de sermos discípulos de seu Filho, mas para nos
confirmar como tais.
A
experiência de cruz sempre será o lugar existencial onde nos definiremos ou
como discípulos de Barrabás, ou como discípulos de Jesus; ou como pessoas que
se importam com a vida do seu semelhante ou como pessoas que, com suas atitudes
inconsequentes, favorecem com que a morte se dissemine e ceife a vida de
pessoas antes do tempo previsto pelo Pai.
* O grito de Jesus é o grito “de todos os homens que
sofrem neste mundo pela ocultação de Deus. Ele leva perante o coração do
próprio Deus o brado de angústia do mundo atormentado pela ausência de Deus”
(Bento XVI).
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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