Missa
do 22º dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 20,7-9; Romanos 12,1-2; Mateus
16,21-27
Ouçamos
o desabafo do profeta Jeremias: “A palavra do Senhor tornou-se para mim fonte
de vergonha e de chacota o dia inteiro” (Jr 20,8). Hoje nós podemos ouvir desabafos
semelhantes: “Participar da Igreja tornou-se para mim causa de vergonha e de
chacota”; ou então, “Seguir Jesus Cristo, isto é, procurar viver como cristão,
só me trouxe sofrimento e humilhação”; ou ainda, “Defender os valores do
Evangelho só me traz críticas e desprezo por parte de outras pessoas”.
O
desabafo de Jeremias, atual na vida de muitos cristãos, nos faz perguntar sobre
o que fazer quando o caminho da fé se transforma num caminho de sofrimento. É
verdade que todo ser humano sofre, mas é verdade também que o sofrimento se
intensifica na vida de uma pessoa que deseja seguir Jesus Cristo e viver segundo
os valores do Evangelho, uma vez que o mundo em que vivemos distancia-se cada
vez mais dos valores propostos por Jesus. Para evitar tal sofrimento, para
evitar sofrer a rejeição do mundo, muitos cristãos deixam de manifestar sua fé,
guardando-a somente para si e procurando se adaptar ao estilo de vida do mundo
atual.
Se essa
postura nos ajuda a sermos poupados de críticas e de perseguições por parte dos
que não são cristãos, ela vai no sentido contrário ao que o Senhor nos pede na
sua Palavra: “Não vos conformeis com o mundo, mas transformai-vos, renovando
vossa maneira de pensar e de julgar, para que possais distinguir o que é da
vontade de Deus, isto é, o que é bom, o que lhe agrada, o que é perfeito” (Rm
12,2). Como cristãos, precisamos nos lembrar de que estamos no mundo, mas não somos
do mundo. Nosso pior erro é nos “conformar” com o mundo, ou seja, permitir que
o mundo nos “deforme”, distanciando nossa consciência dos valores do Evangelho.
Diversas
vezes, o Papa Francisco já nos alertou sobre o “mundanismo espiritual”. “O
mundanismo – explica o Papa – é uma proposta de vida, é uma cultura do efêmero,
uma cultura do aparecer, da maquiagem, uma cultura do ‘hoje sim, amanhã não’, uma
cultura que não sabe o que é fidelidade, porque muda segundo as circunstâncias,
negocia tudo. É uma cultura sem fidelidade, um modo de viver também de muitos
que se dizem cristãos. São cristãos, mas são mundanos” (Homilia,
16/05/2020). Sendo uma ameaça a todas as igrejas, o mundanismo espiritual tem
como objetivo principal deformar a imagem de Deus em nós. É por isso que o
Evangelho de hoje se propõe restaurar a verdadeira imagem de Jesus diante de nós.
Surpreendentemente,
encontramos o mundanismo espiritual presente já nos discípulos de Jesus, sendo
Pedro seu principal expoente. Diante da revelação de que Jesus “devia” sofrer
muito, ser rejeitado, morrer e ressuscitar ao terceiro dia, Pedro reagiu imediatamente,
afirmando a Jesus que o sofrimento não somente pode, mas, sobretudo, deve
ser evitado. Em outras palavras, Pedro formou para si uma imagem de
Jesus forte, glorioso, vencedor, um Jesus sem dor, sem sofrimento, sem morte, sem
cruz.
Assim
como Pedro, nós também temos uma imagem deformada de Jesus. Essa imagem
deformada foi muito bem descrita pelo Pe. Zezinho, ao afirmar: “Não querem
Jesus, querem a parte suave de Jesus. Não querem o Cristo, querem a parte
agradável do Cristo. Não querem a cruz, querem a parte menos dolorosa da cruz.
Não querem o manto, querem a parte mais bonita daquele manto. Não querem a
Bíblia, querem parte dela: a que prova que estão certos. Assim agem muitos
cristãos. Assim talvez nós ajamos” (Pe. Zezinho, Cristo aos pedaços).
Que
Pedro fosse um exemplo de “mundanismo espiritual” fica claro nessas palavras de
Jesus: “Você não pensa as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens” (Mt
16,24). Deus vê a vida a partir de um sentido, de um objetivo, de uma missão;
os homens veem a vida a partir do próprio bem estar egoísta, em nome do qual
todo sofrimento deve ser evitado, toda dor deve ser anestesiada e toda cruz
deve ser eliminada. Ora, se Jesus abraçou a sua cruz não foi por gostar do
sofrimento, mas por causa do seu “deve”: “Eu devo enfrentar isso, se quero ser
coerente com aquilo que acredito”. Na vida de cada um de nós sempre vai existir
um “devo”: é aquele sofrimento que devemos enfrentar se quisermos ser uma
pessoa autêntica, inteira, livre, curada.
Eis
porque Jesus faz esse alerta a todas as pessoas, indistintamente: “quem quiser
salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai
encontrá-la” (Mt 16,25). Quem não supera seu comodismo e seu instinto de
preservação e só procura por caminhos fáceis, onde não haja sofrimento, não
chegará a lugar algum. Quem só vive em função de si e dos seus desejos egoístas
passará pela vida como um ser humano atrofiado, uma pessoa que jamais encontrou
sentido para sua própria vida. O sentido da nossa vida não está em nós mesmos,
mas em algo fora de nós, algo que pede para ser abraçado como uma missão, missão
que só nós podemos realizar.
Numa
época de forte repulsa à cruz e de rejeição à dor e ao sofrimento, Jesus nos
desafia a percorrer um caminho de amadurecimento, tornando-nos pessoas que se
libertaram do seu próprio egoísmo para abraçar a missão que a vida nos confiou,
uma missão que nos coloca diante do nosso “devo”, do sofrimento que nos cabe
enfrentar e da cruz que nos cabe carregar como consequência de uma vida
autêntica e plena de sentido.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi