quarta-feira, 10 de junho de 2020

TOCAR O CORPO DE CRISTO


Missa do Corpo e Sangue do Senhor. Palavra de Deus: Deuteronômio 8,2-3.14b-16a; 1Coríntios 10,16-17; João 6,51-58.

            Um simples pedaço de pão nos lembra algo muito importante: sem o sustento que vem do alimento, nós desfalecemos, adoecemos e morremos. Mas o alimento não é apenas um sustento para a sobrevivência; a Sagrada Escritura também nos fala dele como algo sem o qual nós não conseguimos atingir a meta da nossa vida. Foi assim, por exemplo, com o profeta Elias, quando o anjo do Senhor lhe disse: “Levanta-te e come, pois o caminho que tens a percorrer está acima das tuas forças” (1Rs 19,7).
            O caminho que temos ainda a percorrer aparece simbolizado no relato da travessia do deserto pelo povo de Israel. Ao longo da vida nós temos que atravessar diversos desertos; temos que fazer diversas passagens que possam nos tirar de uma situação de injustiça, de sofrimento ou de morte, para uma situação de vida mais digna e plena, a vida que Deus quer para a humanidade. Embora essa travessia nunca seja feita sem dificuldade, Deus se antecipa e nos garante a sua presença como Pai, alimentando-nos como filhos e sustentando-nos na importante travessia da vida. O maná, o pão descido do céu, ficou para sempre marcado na Escritura como o cuidado de Deus para com seu povo no deserto (cf. Dt 8,15-16).  
            Mas o pão que Deus enviou do céu também significou correção, educação, disciplina para o povo de Israel. Assim, nós entendemos que Deus se coloca junto a nós não somente como Pai que provê nossas necessidades, mas como Pai que também nos educa, para compreendermos que “nem só de pão vive o homem” (Dt 8,3), ou seja, nós não vivemos somente daquilo que produzimos, daquilo que nossa força, nossa inteligência e nosso dinheiro podem nos dar; nós vivemos, sobretudo, da obediência à voz de Deus em nossa consciência. Tomar consciência de que nós não vivemos somente daquilo comemos ou consumimos significa cuidar também da nossa alma, do nosso espírito; significa ainda ouvir a fome e a sede que tantas pessoas à nossa volta têm de justiça, de oportunidade, de respeito e de paz.
            Agora a pouco, o apóstolo Paulo nos recordou que o sacramento da Eucaristia em nossa Igreja também se chama “comunhão”: comunhão com o Corpo e com o Sangue do Senhor. Assim como é importante reconhecer o Corpo de Cristo na Eucaristia é igualmente reconhecer Jesus presente nos que sofrem e que cruzam o nosso caminho. As mesmas mãos que se abrem e se estendem para receber o Corpo de Cristo precisam se abrir e se estender para o irmão que cruza o nosso caminho. Se na Eucaristia nós comungamos o “corpo entregue” de Jesus e o seu “sangue derramado”, isso significa que, assim como Jesus, devemos viver também para o bem dos outros, como se Jesus continuamente nos dissesse: “Eu me dou a você para que você possa continuar dando-se aos outros”.
Enfim, neste dia em que Jesus se define como “pão vivo descido do céu”, cuja carne é “verdadeira comida” e cujo sangue é “verdadeira bebida” (cf. Jo 6,51.55), o Pai permitiu que a imensa maioria de nós não possa comungar o Corpo e o Sangue de seu Filho, por causa da problemática da pandemia do coronavírus. A nossa ausência em nossas igrejas e a impossibilidade de hoje comungarmos a Eucaristia são um sinal importante para nós mesmos. Qual o lugar que a Eucaristia realmente ocupa em nossa vida? Por que a imensa maioria das pessoas não comunga? Que falta realmente a Eucaristia está nos fazendo (se é que está)?
Não podendo comungar da presença real de Cristo na Eucaristia, lembremos da sua presença igualmente real na pessoa dos pobres e necessitados. Todos sabemos que a necessidade do isolamento social para conter a propagação do coronavírus e possibilitar os hospitais de socorrerem os infectados tem como consequência direta o enfraquecimento da economia no mundo todo. São empresas que fecham, ou que demitem, ou que diminuem os salários dos seus funcionários. Isso significa o aumento da fome ao nosso redor.    
Repetidas vezes, o Papa Francisco nos convidou a “tocar com fé a carne de Cristo em tantas pessoas que sofrem”. Se hoje nossas mãos não poderão se estender para receber o Corpo de Cristo, elas poderão diariamente se estender para socorrer os necessitados à nossa volta. E como é verdade que “nem só de pão vive o homem”, podemos oferecer às pessoas à nossa volta o pão do nosso diálogo, do nosso perdão, do nosso ombro amigo, dos nossos ouvidos abertos para ouvir quem precisa falar, das nossas orações por aqueles que necessitam etc.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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