Missa do 11º. dom.
comum. Palavra de Deus: Êxodo 19,2-6a; Romanos 5,6-12; Mateus 9,36 – 10,8.
Três expressões marcam o Evangelho
de hoje: viu e sentiu compaixão, enviou os doze, ovelhas perdidas.
Viu
e sentiu compaixão – “Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas, porque
estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9,36). O
olhar de Jesus é um olhar que se deixa afetar por aquilo que vê. Nosso olhar
hoje é, de certa forma, desatento; um olhar sobrecarregado de informações, de estímulos
visuais; um olhar às vezes viciado – não nos damos conta da novidade (das novas
oportunidades) que a rotina do dia a dia nos traz; enfim, é um olhar que evita
ser afetado por aquilo que vê. Além de os desafios à nossa volta não serem
poucos, nós nos sentimos impotentes diante deles, o que nos leva a desenvolver
um olhar de indiferença para com o que está à nossa volta.
Ao
ver as multidões cansadas e abatidas, Jesus “compadeceu-se delas”. Na Bíblia, o
sentimento de compaixão é próprio de Deus. Jesus, o Filho, carrega em si o
mesmo sentimento do Pai – a compaixão –, e nós, seus discípulos, somos chamados
a ter os mesmos sentimentos do Filho – de modo especial, a compaixão. Compadecer-se
não significa ter dó ou pena de alguém, mas permitir-se ser afetado pelo
sofrimento do outro. Enquanto o sentimento de indiferença nos desumaniza, a
compaixão nos humaniza e nos faz parecidos com o Pai e com o Filho. Enfim, o sentimento
de compaixão faz com que tenhamos a coragem de nos perguntar: eu posso fazer
algo em relação a isso?
As
multidões que seguiam Jesus eram “como ovelhas que não têm pastor”. Na Bíblia,
a função do pastor diz respeito tanto à autoridade política quanto à autoridade
religiosa. Portanto, a expressão “ovelhas sem pastor” se refere a um povo descuidado,
abandonado a si mesmo, desorientado, porque seus pastores – seus líderes
políticos e religiosos – são “pastores de si mesmos”, isto é, cuidam dos seus
próprios interesses, (seu próprio bem estar e seu enriquecimento financeiro).
“Ovelhas
que não têm pastor” são inúmeros filhos de famílias empobrecidas e desestruturadas,
assim como filhos de famílias de classe média e alta, cuja educação é
terceirizada; são moradores de favelas, desassistidos pelo Estado, mas
tutelados pelos traficantes ou pelos milicianos; são os desempregados, os
doentes do SUS, os moradores de rua, as pessoas que moram nas periferias das
nossas paróquias e que não são alcançadas pela ação pastoral da nossa Igreja
etc.
Enviou os doze – Até esse momento do Evangelho, Jesus tinha muitos
discípulos. Diante da necessidade das multidões, ele entende que precisa
escolher doze homens que abracem com ele, de maneira mais profunda, a tarefa de
cuidar das ovelhas perdidas. É aqui que cada um de nós entra! Todos nós somos
chamados a ser discípulos de Jesus, orientando nossa vida pelo seu Evangelho.
No entanto, na medida em que vamos caminhando em nossa vida espiritual, Jesus
nos pede um comprometimento maior com a causa do Evangelho. É o momento em que,
do meio da imensa multidão anônima dos discípulos, Jesus pronuncia o nosso nome,
nos escolhe e nos envia.
Passar da condição de discípulos para a de
apóstolos (enviados) é algo desafiador, uma passagem que muitos se recusam a
fazer, apesar de serem chamados por Jesus. Mas, por que é tão importante
abraçar a missão de ser apóstolo, na Igreja de Jesus Cristo? Justamente por
causa das “ovelhas perdidas” que existem no mundo em que vivemos! “Jesus enviou
estes Doze... ‘Ide... às ovelhas perdidas da casa de Israel!” (Mt 10,5-6). Da
mesma forma como a vida de Jesus foi uma “vida para” os outros, a nossa só encontrará
sentido quando tivermos a coragem de nos perguntar: “Para quê eu nasci? Para quê
eu vim ao mundo? Para quê eu estou onde estou neste momento?”. Se essas
perguntas nos parecem muito difíceis de serem respondidas, deixemos que o Papa
Francisco nos ajude: “Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste
mundo” (Evangelii Gaudium, 273). O sentido da vida de cada um de nós está em tomar
consciência da missão que somos, abraçá-la com alegria e procurar ser fiel a
ela, apesar das dificuldades que iremos encontrar.
Ovelhas perdidas – Desde o Documento de Aparecida (2007), nos
tornamos conscientes de que, se quisermos cuidar das ovelhas perdidas, temos
que sair de nossas igrejas e ir aonde essas ovelhas estão, porque foi assim que
Jesus sempre fez. Enquanto os mestres religiosos da sua época se cercavam de
discípulos numa escola, Jesus escolheu ser um mestre “itinerante”, não
esperando seus ouvintes irem até ele, mas aproximando-se deles em sua situação
de vida. Jesus sempre entendeu a sua vida como a missão de buscar as ovelhas
perdidas e abandonadas. Se nós, cristãos, não nos esforçamos por estar junto
das pessoas que estão distantes da vida que Cristo veio nos trazer, estamos
traindo nossa missão, traindo o Evangelho.
O
mundo de hoje nos desinstala constantemente, de modo que quase não conseguimos
mais criar raízes aqui ou lá. No entanto, nós podemos vivenciar essa
desinstalação deixando-nos conduzir pela mão de Jesus, que nos envia para junto
de pessoas que estão precisando do Evangelho que somos chamados a proclamar com
a nossa própria vida, usando de palavras, se for necessário, como diria São
Francisco de Assis. Onde quer que estejamos – em casa, na rua, na escola/faculdade/universidade,
no trabalho, no lazer – precisamos olhar à nossa volta com o mesmo olhar de
Jesus: ali pode haver uma pessoa doente, morta, contaminada ou atormentada, precisando
de uma palavra ou de um gesto nosso capaz de curá-la, ressuscitá-la, purificá-la
ou libertá-la.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
A reflexão que fez traz uma percepção de engajamento a partir da fé. Muito gratificante acompanhar suas homilias.
ResponderExcluir