sexta-feira, 29 de maio de 2020

RECEBA O SOPRO DE DEUS!



Missa de Pentecostes. Palavra de Deus: Atos 2,1-11; 1Coríntios 12,3b-7.12-13; João 20,19-23.

            Chegamos ao dia de Pentecostes, palavra que contém em si o número cinquenta. Cinquenta dias após a Páscoa, os judeus celebravam essa festa, por dois motivos: louvar a Deus pela bênção das colheitas e pelo dom da Lei (os Dez Mandamentos). Exatamente neste dia, o Pai enviou o Espírito Santo, prometido por seu Filho à sua Igreja. Desse modo, para nós, cristãos, Pentecostes se reveste de um novo significado: é a festa do batismo da Igreja, por assim dizer; é a celebração do dom por excelência do Pai e do Filho: o derramamento do Espírito Santo. Pentecostes é a festa do Espírito Santo!
            Desde o princípio da história da salvação, a presença do Espírito Santo foi sendo mencionada de maneira discreta na Sagrada Escritura. Mas, antes de refletir sobre isso, é importante termos claro que Ele é chamado “Espírito Santo” porque é o Espírito de Deus, e Deus é Santo!
No Antigo Testamento, o Espírito Santo é entendido como a força de Deus que capacita sacerdotes, profetas e reis a cuidarem do povo que lhes foi confiado. Neste sentido, o verdadeiro líder é uma pessoa que obedece ao Espírito de Deus, que não se orienta pela voz do seu ego e dos seus desejos (ambições) humanos, mas que se deixa orientar pela voz do Espírito em sua consciência. Quando o líder abandona sua obediência à voz do Espírito, ele perde aquilo que a Escritura chama de “unção”: o Espírito Santo se afasta dele. Exemplo clássico: o rei Saul (cf. 1Sm 13,7b-15; 15,10-23; 16,14: “O espírito do Senhor tinha se retirado de Saul”).    
            Os apóstolos tinham essa mesma consciência: Deus concede o Espírito Santo àqueles que Lhe obedecem (cf. At 5,32). Isso significa que se eu quiser o Espírito Santo apenas para “desfrutar” da sua unção, apenas para me sentir forte e ser bem sucedido naquilo que faço, sem estar disposto a me submeter à Sua vontade, que é me tornar uma pessoa segundo o coração de Deus, Ele não me será dado.
            Retornando ao Antigo Testamento, por muitos séculos, ao longo da história da salvação, se pensou que o Espírito de Deus só era dado a algumas pessoas “privilegiadas”: sacerdotes, reis e profetas. Foi graças ao profeta Joel que pudemos descobrir que o desejo de Deus é derramar o Seu Espírito sobre todo ser humano: “Derramarei o meu espírito sobre toda carne” (Jl 3,1). Propositalmente, Deus se refere ao ser humano como “carne”, sinônimo da nossa fraqueza, do nosso nada, da nossa insuficiência. Pois bem: Deus prometeu derramar em nós a Sua força, a Sua presença, o Seu princípio vivificador, o Seu Espírito.
Jesus disse: “é o espírito que vivifica, a carne para nada serve” (Jo 6,63). Sem o Espírito Santo, somos apenas cadáveres – carne dada aos vermes, pessoas fadadas ao apodrecimento. Só o Espírito de Deus nos faz “viventes”. Como afirma o apóstolo Paulo, se é verdade que o nosso corpo está marcado pela morte, nosso espírito está vivo, graças ao Espírito Santo que ressuscitou Jesus e dará vida também aos nossos corpos mortais (cf. Rm 8,10-11)! Na verdade, essa carne vivificada pelo Espírito foi representada simbolicamente no momento da criação, quando “o Senhor Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito (sopro) de vida e o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2,7). Desse mesmo modo Jesus comunicou o Espírito Santo aos apóstolos: “soprou sobre eles e lhes disse: ‘Recebam o Espírito Santo’” (Jo 20,22).
            Esta é a nossa verdade como seres humanos: somos carne e espírito, fraqueza e força, sombra e luz, egoísmo e amor, externo (o que se vê) e interno (o que não se vê). Nossa tarefa consiste em colocar essas duas realidades para dialogarem. Além disso, todos os dias precisamos escolher como queremos nos definir enquanto pessoa: a partir da carne ou a partir do espírito; a partir de fora (da pressão que o mundo exerce sobre nós) ou a partir de dentro (da força do Espírito Santo que nos habita).
                Que o Espírito Santo nos habita – ainda que, na maioria das vezes, como uma Presença ignorada! – já nos foi dito por Jesus: “o Espírito da Verdade (...) estará dentro de vocês” (Jo 14,17). Como percebê-Lo? Através do Seu gemido! Segundo o apóstolo Paulo, o Espírito de Deus manifesta a Sua presença em toda a criação, não só no ser humano. Presente na criação, Ele geme como que “em dores de parto... Mas nós também, que temos os primeiros frutos do Espírito, gememos interiormente, suspirando pela redenção do nosso corpo” (Rm 8,22-23).
Qual é o gemido do Espírito? Ele suspira em nós através de um anseio, movendo-nos na direção daquilo que somos chamados a ser, segundo a nossa própria vocação. Ele “geme” em nós como sinal de que ainda não estamos prontos, mas o Pai e o Filho continuam a realizar em nós a obra da salvação (cf. Sl 138,8; Fl 1,6). O gemido do Espírito é um clamor ao Pai: “Abbá” (Papai), nos dando a certeza de que não somos órfãos, mas filhos no Filho (cf. Rm 8,15-16; Gl 4,6). Quem está aberto ao Espírito Santo houve o seu gemido no mundo: Ele geme protestando contra a mentira, a violência, a injustiça, contra tudo aquilo que desumaniza as pessoas e atenta contra a vida do ser humano, da criação e do meio ambiente.
Enfim, olhando mais especificamente para a nossa vida espiritual, percebemos que o gemido do Espírito se expressa de duas maneiras opostas: como consolação e como desolação. Quando estamos na vontade de Deus, o Espírito Santo nos enche de consolação, de alegria, de paz, de realização. Contudo, quando nos afastamos da vontade de Deus, o Espírito Santo nos provoca desolação, tristeza, vazio, angústia, convencendo-nos de que nós nos afastamos da nossa verdade, e aquela situação nada tem a ver com a nossa liberdade e não nos trará nenhuma realização.
Muitas outras coisas poderiam ser ditas a respeito do Espírito Santo, mas estas já bastam para nos convencer da absoluta necessidade que temos de clamar ao Pai o reavivamento do seu Espírito em nós, em nossa Igreja, em nossas famílias, nas escolas, faculdades e universidades, nos locais de trabalho, no campo da política e da economia etc.
Dirijamos nossa súplica ao Espírito Santo: “Espírito de Deus, enviai dos céus um raio de luz! Vinde, Pai dos pobres, dai aos corações vossos sete dons. Consolo que acalma, hóspede da alma, doce alívio, vinde! No labor descanso, na aflição remanso, no calor aragem. Ao sujo lavai, ao seco regai, curai o doente. Dobrai o que é duro, guiai no escuro, o frio aquecei. Enchei, luz bendita, chama que crepita, o íntimo de nós! Sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele. Dai à vossa Igreja, que espera e deseja, vossos sete dons. Dai em prêmio ao forte uma santa morte, alegria eterna!” (Sequência de Pentecostes).

Pe. Paulo Cezar Mazzi


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