sexta-feira, 15 de maio de 2020

DA ORFANDADE AO SENTIMENTO DE FILIAÇÃO


Missa do 6º dom. da Páscoa. Atos dos Apóstolos 8,5-8.14-17; 1Pedro 3,15-18; João 14,15-21.

            “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18), nos disse Jesus. No mundo em que vivemos, há um forte sentimento de orfandade. Muitas pessoas se sentem sozinhas. Elas sentem que não há ninguém que se importe com elas. Muitas pessoas estão, de fato, sozinhas. E isso não se deve apenas ao individualismo, que é muito forte nos tempos atuais. Há uma outra questão: a ausência do pai. O pai está ausente na maioria das famílias brasileiras. Além disso, nosso mundo rejeita a figura do pai porque rejeita a autoridade, rejeita ter que se submeter a alguém. O ser humano moderno se julga capaz, autossuficiente, dono do seu próprio nariz, suficientemente adulto para precisar ter um pai.
            Ora, a rejeição do pai é também rejeição de Deus: nosso mundo há um bom tempo rejeita Deus; rejeita uma autoridade divina e, consequentemente, rejeita toda igreja ou religião que assuma a postura de dizer o que é certo e o que é errado. Cada um decide sobre isso segundo aquilo que lhe convém. Desse modo, seja devido à ausência do pai, seja devido à rejeição da figura paterna, o fato é que nós, seres humanos, temos nos sentido órfãos, desprotegidos diante de situações que nos ameaçam, desorientados quanto ao caminho a seguir, carentes de afeto, de colo, de amor.
            Se Jesus não quer que seus discípulos se sintam órfãos, Ele também não os quer infantilizados, como pessoas que se recusam a crescer. Jesus nunca infantilizou seus discípulos. No entanto, Ele quis assumir junto a eles o papel de “paráclito”, isto é, de alguém que está ao lado do outro para defendê-lo, protegê-lo, ampará-lo, incentivá-lo. Ora, se nós precisamos de um “paráclito”, significa que existem pessoas, situações, atitudes, pensamentos, ideias e estruturas que atentam contra a vida do ser humano, que corrompem sua consciência, invertem seus valores, roubam seus sonhos e confundem sua busca religiosa – e de tudo isso precisamos aprender a nos defender.    
“Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade” (Jo 14,16-17). Antes de subir ao Pai, Jesus prometeu enviar o Espírito Santo aos seus discípulos, para ser o “Defensor” de cada um deles. O mundo em que vivemos é hostil, isto é, ele combate contra a verdade, a justiça e o bem. O Espírito Santo nos defende de tudo aquilo que pode nos afastar de Jesus e da verdade do seu Evangelho. O Espírito Santo não nos defende da vida, mas da covardia perante a vida. O Espírito Santo quer estar ao nosso lado não para nos blindar contra as dificuldades, mas para nos fortalecer e nos orientar na forma de lidar com elas.
“Ele permanece junto de vós e estará dentro de vós” (Jo 14,17). Estando dentro de nós, o Espírito Santo quer nos ensinar a viver a partir de dentro e não mais a partir das circunstâncias externas. Muitas pessoas deixaram de escrever a própria história e construir a própria vida, para apenas reagir ao que lhes acontece. Assim, se lhes acontece algo bom, elas ficam bem; se lhes acontece algo ruim, elas ficam mal. Em outras palavras, sua vida é determinada pelas circunstâncias externas. Mas aquele que se deixa conduzir pelo Espírito Santo aprende a usar sua liberdade e sua responsabilidade para decidir como agir, diante de cada coisa que lhe acontece. O Espírito Santo nos capacita a nos responsabilizar pela nossa vida, ao invés de ficar lamentando por ela não ser como gostaríamos que fosse.
“Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18). Jesus, com essas palavras, nos garantiu que nunca estamos sozinhos. O Espírito Santo sempre esteve conosco. O Pai sempre está conosco. Jesus sempre estará conosco! Além disso, o Espírito Santo testemunha que nós somos filhos – portanto, não somos órfãos! Temos um Pai que nos ama e que, justamente por nos amar, enviou seu Filho para nos salvar. Jesus, por sua vez, nos enviou a sua força como Ressuscitado – o Espírito Santo, para estar sempre junto a nós. Ele é o Espírito da Verdade. Ele fará triunfar a verdade de Deus sobre toda mentira do mundo. Ele deseja nos conduzir para a Verdade que nos cura e nos liberta.
O Espírito Santo é força que nos coloca em movimento e nos impulsiona para frente, para o que será, para que se realize em nós o desígnio do Pai. Por isso, Pedro e João, ao chegarem à Samaria, “oraram pelos habitantes..., para que recebessem o Espírito Santo” (At 8,15). Um cristão sem o Espírito Santo não resiste aos ataques do mundo. O próprio Pedro nos tornou conscientes de que é praticamente certo que há muitos sofrimentos à espera de todo aquele que procura viver segundo o Evangelho. No entanto, Pedro nos dá este conselho: “Será melhor sofrer praticando o bem, se esta for a vontade de Deus, do que praticando o mal” (1Pd 3,17). Cristo também teve que enfrentar a hostilidade do mundo. Ele sofreu em seu próprio corpo a violência do mundo, a ponto de morrer numa cruz, “mas recebeu nova vida pelo Espirito” (1Pd 3,18). Eis porque é preciso dizer mais uma vez: o Espírito Santo não está em nossa vida para nos ajudar a fugir do mundo, mas para defender a nossa fé e a nossa esperança, de modo que, no muno em que vivemos, a vida prevaleça sobre a morte, o bem sobre o mal, a justiça sobre a injustiça, a bondade sobre a maldade.
Confiemos ao Espírito Santo toda pessoa que precisa da Sua defesa, do Seu amparo, da Sua força, da Sua proteção... Confiemos ao Espírito Santo a humanidade e todo sentimento de orfandade que há em nosso mundo. Peçamos que Ele venha reavivar em todo ser humano o sentimento de filiação, de ser filho amado do Pai, salvo em Jesus Cristo, destinado à alegria da vida eterna.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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