quinta-feira, 5 de março de 2020

SOMENTE UMA VIDA DOADA PODE TRANSFIGURAR O NOSSO MUNDO


Missa do 2º dom. quaresma 2020. Palavra de Deus: Gênesis 12,1-4a; 2Timóteo 1,8b-10; Mateus 17,1-9.

            Nosso rosto expressa nosso estado de espírito: se estamos alegres ou tristes, animados ou desanimados, firmados na esperança ou entregues ao desespero, confiantes em Deus ou sentindo-nos abandonados a nós mesmos, tudo isso fica visível em nosso rosto. Além disso, nosso corpo também fala: nossa postura e nosso estado de saúde física expressam como estão nossas emoções.
            Antes de presenciarem a transfiguração de Jesus, antes de verem seu rosto e seu corpo radiantes de luz, Pedro, Tiago e João estavam desfigurados devido a medo, preocupação, angústia e até mesmo a um certo desânimo. Jesus lhes havia advertido a respeito do sofrimento de cruz que o esperava em Jerusalém (cf. Mt 16,21), além de torná-los conscientes de que, se quisessem ser seus discípulos, eles também teriam que renunciar a si mesmos, tomarem cada um a sua própria cruz e segui-Lo (cf. Mt 16,24). Essas palavras de Jesus jogaram um banho de água fria nos discípulos, a ponto de deixá-los desfigurados.
            Mas não são apenas os sentimentos “negativos”, por assim dizer, que nos desfiguram, isto é, que fazem nosso rosto e nosso corpo expressarem pessimismo perante a vida. No mundo de hoje há situações concretas que desfiguram a vida de muitas pessoas, como doenças, desemprego, fome, violência, drogas, perda de sentido da vida, conflitos, separações, luto etc. Contudo, Jesus quer chamar a nossa atenção para a maneira como lidamos com esses problemas, além de nos convidar a ser uma presença de transfiguração na vida das pessoas que estão desfiguradas à nossa volta.
            A transfiguração de Jesus se deu sobre uma alta montanha. Essa alta montanha não se refere somente a um lugar, mas a uma atitude: desde o Antigo Testamento, a montanha se tornou o lugar onde o homem encontra Deus. Jesus, ao subir à montanha com Pedro, Tiago e João, quis ensiná-los a interpretar os acontecimentos da própria vida à luz de Deus. Diante de todo acontecimento que nos perturba, tira a nossa paz e nos enche de angústia, precisamos nos colocar na presença de Deus e pedir a sua luz, sabendo que Ele faz com que tudo concorra para o nosso bem quando o amamos (cf. Rm 8,28). Até mesmo as coisas ruins podem servir aos propósitos de Deus em vista da nossa salvação!
             Na medida em que, como Jesus, buscamos em Deus uma interpretação mais profunda para a situação que estamos enfrentando, uma luz começa a surgir dentro de nós e vai tomando conta de tudo, modificando o nosso estado emocional e físico. Desse modo, o nosso rosto, que antes expressava medo e angústia, agora irradia paz e confiança. Essa luz que transfigurou Jesus serviu para que os três discípulos enxergassem que, por detrás da desfiguração que Jesus sofreria na cruz, estava a transfiguração da ressurreição. Isso significa que não devemos nos assustar com situações que num primeiro momento nos desfiguram – elas são como dores de parto, para fazerem vir à luz o nosso melhor, para que em meio à nossa maior escuridão brilhe a luz da presença de Deus que tudo transforma.  
            Embora não entendessem ao certo o que estava acontecendo, Pedro, Tiago e João foram envolvidos por uma nuvem luminosa. Essa imagem já apareceu no Antigo Testamento como sinal visível da presença de Deus junto ao seu povo, quando este saiu do Egito em direção à Terra Prometida. A nuvem luminosa ia à frente do povo, clareando e indicando o caminho (cf. Ex 13,21). Pela transfiguração de Jesus, Deus quer nos ensinar que uma existência feita dom, como a de Jesus, não é fracassada – mesmo se termina na cruz. A vida plena e definitiva espera, no final do caminho, todos aqueles que, como Jesus, forem capazes de colocar a sua vida ao serviço dos irmãos.
            Estando os três discípulos envolvidos pela nuvem luminosa, a voz de Deus se pronuncia: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo. Escutai-o!” (Mt 17,5). Só existe um caminho que torna possível transformar nossa desfiguração em transfiguração: escutar Jesus. Devemos escutá-lo, seja quando nos fala a partir nossas das vitórias – momentos de transfiguração – seja quando nos fala a partir dos nossos fracassos – momentos de desfiguração; seja quando nos fala enquanto Crucificado como quando nos fala enquanto Ressuscitado.
            O próprio Jesus, vendo os discípulos muito assustados, caídos com o rosto por terra, “chegou perto deles e, tocando-os, disse: ‘Levantai-vos e não tenhais medo’” (Mt 17,7). Não devemos ter medo quando enfrentamos momentos de desfiguração, pois Jesus nos toca para infundir em nós força e confiança. Como cristãos, continuaremos a ser atingidos pela sombra escura da desfiguração que pesa sobre todos os homens, mas não temos medo e não desanimamos, porque mantemos os nossos olhos fixos na meta da nossa vida cristã, que é o encontro com Cristo transfigurado. Ele, que “não só destruiu a morte, como também fez brilhar a vida e a imortalidade por meio do Evangelho” (2Tm 1,10), “transfigurará nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso, pela força que lhe dá poder de submeter a si todas as coisas” (Fl 3,21). É nessa verdade que repousam a nossa fé e a nossa esperança, princípios da nossa transfiguração espiritual.

            Oração: Senhor Jesus, hoje Tu me convidas a subir contigo à montanha, para apresentar a Deus aquilo que desfigura a minha vida e a vida da humanidade. Perdoa-me pelas vezes em que minha fé e minha esperança se desfiguraram ao me deparar com a cruz que cabia a mim enfrentar. Ainda que eu tenha que caminhar em meio a situações de escuridão, que a luz gloriosa da Tua face resplandeça sobre mim e me mantenha firme na certeza de que a doação da minha vida em favor da humanidade é fundamental para que ela seja transfigurada. Que a nuvem luminosa da presença do Pai se faça sentir na vida de toda pessoa que se encontra desfigurada neste momento. Que a Tua voz de Ressuscitado possa ecoar em mim e, por meio de mim, em todas as situações que necessitam conhecer a vida e a imortalidade do Evangelho. Com firme confiança eu aguardo pela Tua vinda gloriosa, momento em que meu corpo humilhado será transfigurado e conhecerá a verdade da ressurreição e da vida eterna. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi
  

2 comentários:

  1. obrigado, P. Paulo, pelos comentários muito pertinentes por serem muito existenciais e iluminadores de nosso itinerário com o olhar fixo em Jesus

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  2. Por nada, querido irmão. Deus o abençoe! Forte abraço!

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