Missa do 4º dom.
quaresma. Palavra de Deus: 1Samuel 16,1b.6-7.10-13a; Efésio 5,8-14; João
9,1-41.
“Se
fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado
permanece” (Jo 9,41). Existe um “não poder” ver, um “não conseguir” enxergar;
mas também existe um “não querer” enxergar, um “não admitir” a verdade a
respeito daquilo que a vida está tentando nos fazer ver há tempos. Existe uma
cegueira que é proposital em nós: preferimos não ver para não nos comprometer.
Essa cegueira é praticamente impossível de ser curada, porque não se trata de não
poder, mas de não querer ver.
Este
relato da cura de um cego de nascença nos revela que a cura da nossa cegueira
começa pela correção da visão distorcida que temos em relação ao sofrimento,
interpretando que quando Deus permite que uma pessoa sofra, é porque ela pecou:
“Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?” (Jo 9,2). Na
época de Jesus, havia uma mentalidade que afirmava que era possível a uma
criança pecar antes de nascer, quando ainda estava no ventre de sua mãe. Jesus
corrige essa visão distorcida, ao dizer: “Nem ele, nem seus pais pecaram” (Jo
9,3).
Ao
fazer barro e colocar sobre os olhos do cego, Jesus nos diz que a cura da nossa
cegueira começa quando aceitamos mudar a nossa maneira de ver as coisas, quando
aceitamos nos colocar como barro nas mãos de Deus, nosso Oleiro, que pode nos
fazer enxergar além das aparências: “O homem vê as aparências, mas o Senhor
olha o coração” (1Sm 16,9). A pandemia do coronavírus é um barro que está sendo
colocado sobre nossos olhos, olhos habituados a ver somente aquilo que lhe
interessa e lhe oferece alguma vantagem; olhos que agora precisam enxergar e
admitir a verdade de que somos todos iguais e todos mortais.
O
Evangelho nos fala de visões que se chocam: de um lado, os fariseus, que veem
Jesus como “um homem que não vem de Deus, porque não guarda o sábado” (Jo
9,16), e os judeus, que veem Jesus como “um pecador” (Jo 9,24); de outro, o
homem que era cego e que vê Jesus como “um profeta” (Jo 9,17), como “um homem
que veio de Deus” (Jo 9,33). Qual visão nós temos a respeito de Deus, de Jesus,
da Igreja, da política etc.? Quantas pessoas estão cegas pelo fanatismo e pela
ignorância? Quantas pessoas são doutrinadas por líderes políticos ou
religiosos, por pseudos-filósofos, por youtubers etc.? Uma das coisas que nos
ajuda a enxergar, a ampliar nossa visão a respeito da vida, é a leitura. Apesar
de a geração nova não gostar de ler, a quarentena imposta pelo coronavírus é
uma grande oportunidade de fazermos leituras que ampliem e aprofundem nossa
visão a respeito de nós mesmos e da vida.
O
conflito entre os judeus e o homem que era cego fez com que este fosse expulso
da comunidade religiosa (cf. Jo 9,34). Quando começamos a enxergar melhor as
coisas, passamos a enfrentar conflitos com pessoas que até então nos impunham a
sua maneira de ver. Mas existem certos rompimentos que são necessários e que,
embora nos causem sofrimento no momento, acabam nos fazendo bem. Quando começamos
a ver com um pouco mais de profundidade, entendemos que precisamos nos afastar
de pessoas e de hábitos que são nocivos, que nos adoecem, por nos oferecerem
uma visão distorcida da realidade.
Assim
como Jesus conversou com o homem que havia sido expulso da comunidade, ele nos
pergunta se estamos dispostos a continuar aprofundando a nossa visão, compreendendo
melhor a nós mesmos, os outros e a própria vida. Jesus nos convida a aceitar o
desafio de permitir que certos acontecimentos quebrem com a imagem que temos de
Deus, uma imagem distorcida, incorreta, que precisa ser reformulada porque não
está sendo suficiente para sustentar a nossa fé frente aos acontecimentos do
mundo atual.
Jesus
afirmou que a verdade do seu Evangelho provoca uma reviravolta, fazendo com que
“os que não veem vejam e os que veem se tornem cegos” (Jo 9,39). Os fariseus,
que se julgavam ter uma visão esclarecida a respeito de tudo, não aceitam
enxergar Jesus como salvador, coisa que o cego de nascença enxergou não somente
com seus olhos físicos, mas também com os olhos da sua fé. Desse modo, um relato
que começou acusando um cego de nascença de ser pecador terminou relevando que o
pecado não consiste em ter nascido cego (Jo 9,2-3), mas em insistir em não ver,
em não querer enxergar (Jo 9,40-41).
Concluindo
nossa reflexão, o Evangelho de hoje deixa claro que a cegueira física – que
pode ser curada por Jesus – não é consequência do pecado. Já a cegueira da
falta de fé é consequência de um pecado de obstinação e, portanto, não pode ser
curada. Desse modo, precisamos tomar para nós a pergunta dos fariseus: “Porventura
também nós somos cegos?” (Jo 9,40). Nós também somos pessoas obstinadas em
nossa visão estreita e, muitas vezes, míope a respeito da realidade? Até que
ponto nós queremos ver? Até que ponto queremos viver como filhos da luz,
guiando-nos na vida pela bondade, pela justiça e pela verdade? (cf. Ef 5,8-9). Jesus
hoje toca em nossos olhos e nos convida a nos lavar, a mergulhar nas águas da
Sua verdade para que possamos começar a ver, a enxergar com outros olhos a nós
mesmos, aos outros e a realidade à nossa volta.
Oração: Senhor Jesus, minha visão a
respeito da vida algumas vezes é estreita e superficial. Amplia a minha
capacidade de ver, de enxergar e de compreender as coisas. Senhor, eu quero
aprender a ver em profundidade. Lava meus olhos nas águas da tua Verdade, para
que eu veja o que preciso ver, em vista do meu bem, do meu crescimento, e em
vista da minha colaboração para que outras pessoas deixem de serem guiadas por
outros que têm uma visão distorcida e mal intencionada. Ajuda-me a ver, Senhor,
para além das aparências. Ilumina-me com a tua Luz, para que eu caminhe na vida
como filho(a) da luz, vivendo segundo a bondade, a justiça e a verdade. Amém!
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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