Missa do 6º. dom. comum. Eclesiástico
15,16-21; 1Coríntios 2,6-10; Mateus 5,20-22a.27-28.33-34a.37 (leitura breve).
Da mesma forma como as margens de um
rio canalizam suas águas para que elas possam desaguar no seu destino natural,
assim Deus nos deu os Mandamentos, para que pudessem nos ajudar na orientação
das nossas escolhas. Se, porventura, um rio perdesse as suas margens, suas
águas inundariam tudo ao redor, e o próprio rio perderia a capacidade de
atingir o destino para o qual nasceu. Assim também nós: sem a orientação dos
Mandamentos de Deus, corremos o risco de nos tornar pessoas prisioneiras das suas
próprias paixões, pessoas sem um projeto de vida, sem uma meta a alcançar,
porque desorientadas interiormente; numa palavra, pessoas cuja existência sofre
uma constante “desorientação” imposta pelo mundo, justamente porque rejeitam a
orientação proposta pelo Pai que deseja vida plena para Seus filhos.
Segundo Jesus, a meta da nossa vida
cristã é a justiça: “Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres
da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5,20). Todo
discípulo de Jesus é chamado a se tornar uma pessoa justa, isto é, uma pessoa
que, no uso da sua liberdade, escolhe ajustar o seu comportamento segundo a
vontade de Deus. Na época de Jesus, alguns homens religiosos se consideravam “justos”,
mas enquanto eles observavam friamente as exigências dos Mandamentos de Deus, desrespeitavam
seu semelhante, não se importavam com as necessidades do seu próximo e ainda
condenavam os que não eram “justos” como eles. Jesus nos convida a compreender
o sentido mais profundo dos Mandamentos, para que o nosso comportamento de fato
seja segundo o coração de Deus e não segundo esta ou aquela lei religiosa.
“Vós
ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás!’ (...). Eu, porém, vos digo:
todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo” (Mt 5,21-22).
Não é novidade para ninguém que nós estamos mais agressivos e intolerantes. Facilmente
perdemos a paciência e ofendemos pessoas, inclusive pessoas que nada têm a ver
com os nossos problemas. Outra coisa importante: sempre que sofremos alguma
frustração, nós reagimos com agressão. Ora, devido à constante propaganda de consumo
a que estamos expostos, muitas das nossas expectativas são exageradas e jamais
se realizarão. Assim, nosso nível de frustração quase sempre está alto, o que
nos torna pessoas potencialmente agressivas.
Jesus
nos torna conscientes de que, quando não nos damos ao trabalho de dialogar com
a nossa agressividade e de orientá-la, a mesma acaba por assumir o controle, levando-nos
a “matar” o outro com ofensas, palavrões, difamações (fake news), críticas
destrutivas etc. Neste sentido, as mensagens que postamos nas redes sociais tornam-se
carregadas de ódio e de intolerância contra toda pessoa que pensa diferente de
nós. Também nossa postura no trânsito e a forma como tratamos as pessoas em
nosso ambiente de trabalho revelam o quanto a nossa agressividade determina
nossas atitudes. A questão, portanto, é reconhecer quando estamos agressivos,
identificar a causa da nossa agressividade e escolher a forma melhor de lidar
com ela, sem “destruir” a pessoa que está diante de nós.
“Ouvistes
o que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. Eu, porém, vos digo: Todo aquele que
olhar para uma mulher, com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela
no seu coração” (Mt 5,27-28). Atualmente, os sentimentos e as emoções tomaram o
lugar da consciência em muitas pessoas. Desse modo, relacionamentos são
machucados ou destruídos em nome do “sentir”, do “experimentar uma emoção
intensa”, não importando a consequência disso para a nossa vida ou para a vida
do outro. Jesus nos propõe um diálogo honesto e sereno com o nosso desejo. O
desejo está inscrito em nossa natureza humana, como os poros do nosso corpo.
Nós não escolhemos sentir desejo por esta ou aquela pessoa, mas podemos
escolher a forma de lidar com esse desejo. Uma pessoa afetivamente imatura
jamais consegue frustrar seu desejo, ao passo que uma pessoa afetivamente
madura o faz, ainda que a custo de sofrimento. O resultado é este: desejos
constantemente satisfeitos nos tornam pessoas fracas e incapazes de atingir objetivos
que transcendam a mera sobrevivência. Somente quando temos a liberdade interior
de dizer “não” àqueles desejos que sabotam a nossa liberdade e corrompem a
nossa consciência é que nos tornamos capazes de viver uma vida plena de
sentido.
“Vós
ouvistes também o que foi dito aos antigos: (...) ‘cumprirás os teus juramentos
feitos ao Senhor’. Eu, porém, vos digo: Não jureis de modo algum (...). Seja o
vosso ‘sim’: ‘Sim’, e o vosso ‘não’: ‘Não’. Tudo o que for além disso, vem do
Maligno” (Mt 5,34a.37). Numa época onde a palavra das pessoas está em
descrédito, Jesus nos convida a sermos francos conosco mesmos e com a nossa
consciência. O nosso falar não deve estar subjugado ao medo de desagradar o outro,
mas unicamente àquilo que é verdadeiro e justo. Quando Deus nos dirige Sua
palavra, não visa nos agradar; visa, antes, o nosso bem e a nossa salvação. Assim
também, o nosso falar com as pessoas deve ser livre do falso respeito em
agradá-las, mas buscar sempre aquilo que corresponde à verdade e à justiça,
gostem elas ou não. Concluindo, Jesus revela que toda falta de sinceridade vem
do Maligno, o pai da mentira, assim como toda sinceridade vem de Deus, o Deus
da Verdade, o Deus em quem não há falsidade.
Oração: Deus Pai, estou diante de Ti com a minha agressividade, a minha
afetividade e o meu falar. Quero me tornar uma pessoa justa. Quero ajustar o
meu comportamento à Tua vontade. Coloco em Tuas mãos minha agressividade. Todos
os dias ela é despertada ou provocada de diversas maneiras. Livra-me de “matar” pessoas
através do que penso, sinto ou falo a respeito delas. Ensina-me a identificar
quando estou frustrado(a) e a não descarregar essa frustração sobre os outros,
agredindo-os.
Deus Pai, o desejo está inscrito em meu corpo. Ele penetra o meu olhar e
passa habitar nos meus pensamentos, alimentando de maneira exagerada e
enganadora minhas fantasias. Eu não sou
responsável pelo que sinto, mas sou responsável pela maneira como lido com o
que sinto. Não quero ser arrastado(a) pelos meus sentimentos, mas aprender a
orientá-los segundo o que verdadeiramente convém à minha salvação e ao bem das
outras pessoas.
Enfim, Pai, coloco em Tuas mãos o meu falar. Livra-me do falso respeito
de querer agradar as pessoas. Concede-me liberdade interior para dizer “sim”
quando é necessário dizê-lo, assim como dizer “não” quando também é necessário
dizê-lo. Livra a minha consciência da mentira, da hipocrisia, do agir segundo a
minha conveniência, para agir sempre segundo a Tua verdade. Em nome de Jesus,
Amém!
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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