Missa
do 1º dom. quaresma 2020. Palavra de Deus: Gênesis 2,7-9; 3,1-7; Romanos
5,12-19; Mateus 4,1-11.
As
tentações de Adão e Eva, assim como as tentações de Jesus, são as nossas
tentações. Todo ser humano se sente tentado: quando está sofrendo, se sente
tentado a desistir da vida; quando está feliz, se sente tentado a pensar que
sua felicidade é definitiva; quando está com Deus, se sente tentado a usá-Lo
para seus interesses egoístas; quando está sem Deus, se sente tentado a se
tornar desumano para poder sobreviver nesse mundo injusto, desigual e violento.
As
tentações nunca vêm de Deus; elas nascem da nossa própria mania em querer uma
vida sem cruz, um caminho sem dificuldade, uma vida feita somente de vitórias e
de sucesso, sem qualquer tipo de luta ou sacrifício. Ora, as tentações estão
presentes em nossa vida justamente para nos lembrar de que nenhum ser humano se
torna homem – isto é, uma pessoa madura, livre, senhora de si – sem lutar. “Ninguém
se torna senhor de si mesmo enquanto não lutar com os demônios que habitam o
seu interior e que tentam mandar na sua vida. Além disso, só é possível
conhecer o céu quem primeiro conheceu seu próprio inferno interior” (Anselm
Grün).
Assim
como Adão e Eva, nós somos tentados a desconfiar que Deus não nos ama
verdadeiramente e não quer a nossa felicidade. Diante de algum limite que Ele
nos coloca – comer de todas as árvores, menos de uma – nós reagimos como uma
criança mimada que não aceita ouvir um “não”, que acha que pode tudo e não
aceita qualquer limite. Sem medir as consequências, nós decidimos romper com
Deus, como que dizendo: ‘Eu não quero mais viver na dependência de Deus. A
partir de hoje, não é mais Deus, e sim eu mesmo quem decido o que é o bem e o
que é o mal para mim’. Desse modo, “o pecado entrou no mundo por um só homem.
Através do pecado, entrou a morte. E a morte passou para todos os homens,
porque todos pecaram” (Rm 5,12).
Essa
desobediência de todo ser humano a Deus abriu inúmeras feridas na humanidade,
feridas que levaram muitos à morte. Desse modo, foi preciso que um novo Adão,
um novo ser humano viesse ao mundo, para nos mostrar que é possível sermos
obedientes a Deus e, nessa obediência, encontrar a vida e a felicidade que
tanto desejamos. É assim que o Evangelho nos apresenta Jesus vivenciando sua quaresma
no deserto. Esse deserto não é tanto um lugar quanto uma situação de vida, para
onde Deus às vezes permite que sejamos levados, a fim de nos reencontrar com o
essencial, a fim de reordenar os nossos afetos e compreendermos essa importante
verdade: “Posso fazer tudo o que quero, mas nem tudo me convém. Posso fazer
tudo o que quero, mas não me deixarei escravizar por coisa alguma” (1Cor 6,12).
“Jesus
jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, depois disso, sentiu fome.
Então o tentador se aproximou...” (Mt 4,2). A primeira tentação de Jesus se deu
numa situação de fome. Sentir fome significa deparar-se com nossas necessidades
básicas. Enquanto o tentador nos propõe reduzir a nossa vida ao que podemos
consumir, Jesus nos desafia a dialogar com nossas necessidades e a ampliar o
sentido da nossa existência, pois somente Deus pode preencher nossas
necessidades e somente obedecendo à Palavra dele é que encontraremos a vida
plena e a felicidade que tanto desejamos.
A segunda tentação de Jesus se deu
no Templo! “Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo! Porque está escrito: ‘Deus
dará ordens aos seus anjos a teu respeito, e eles te levarão nas mãos, para que
não tropeces em alguma pedra’” (Mt 4,5-6). Para nos afastar de Deus e da Sua
vontade, o diabo não precisa nos tirar da Igreja; ele usa da própria religião
para deformar a imagem que temos de Deus, para distorcer o sentido da Sagrada
Escritura, de modo que acreditemos que Deus pensa como nós pensamos, quer o que
nós queremos, defende o que nós defendemos e gosta do que nós gostamos. Quantos
de nós estamos fazendo o que contrário do que Deus quer, enquanto nos
imaginamos abençoados por Ele?
Por fim, a terceira tentação de
Jesus: “O diabo levou Jesus para um monte muito alto. Mostrou-lhe todos os
reinos do mundo e sua glória, e lhe disse: ‘Eu te darei tudo isso, se te
ajoelhares diante de mim, para me adorar’” (Mt 4,8-9). Todos nós, seres
humanos, nos sentimos pequenos e fracos, e isso nos incomoda. Todos nós nos
sentimos inferiores em relação a alguém ou a alguma coisa. Todos nós
gostaríamos de nos sentir mais fortes, maiores, mais capazes; todos nós
desejamos um dia chegar ao topo, ao lugar mais alto possível. Mas o preço a ser
pago é igualmente alto: deixar de sermos imagem e semelhança do Deus que se
abaixou, que se fez humano em Seu Filho Jesus, para nos deformar na imagem do
pai da soberba, da arrogância, do orgulho, do pai do poder que corrompe e
destrói, porque é um poder demoníaco.
Jesus soube dialogar com suas
tentações e desmascará-las à luz da Palavra de Deus. Ele nos lembra que,
diante de qualquer tentação, nós sempre permanecemos livres e podemos escolher
entre viver segundo a vontade de Deus ou viver segundo o nosso ego, o qual recusa
qualquer coisa que seja contrária ao seu bem estar e os seus interesses,
rejeitando, desse modo, toda possibilidade de sofrimento, de sacrifício, de
renúncia e de cruz. Somente no caminho da obediência ao Pai é que o filho
torna-se verdadeiramente homem. Somente imitando o Filho, na sua luta contra o
mal, presente em si e no mundo, é que nós nos tornamos pessoas verdadeiramente
livres, pessoas que recuperaram seu autodomínio e podem, dessa forma,
contribuir para sanar as feridas que pecado pessoal e social tem aberto na
humanidade.
Pe. Paulo Cezar
Mazzi