Missa
do 27º. dom. comum. Palavra de Deus: Gênesis 2,18-24; Hebreus 2,9-11; Marcos
9,2-16.
“Não é bom que o homem esteja só”
(Gn 2,18). Todo ser humano tem necessidade de comunhão, de conviver, de estar
junto. A nossa saúde emocional pede comunhão, convivência, vínculos afetivos.
Mas porque conviver é algo que nos desafia, uma vez que não se trata de colocar
juntas peças que se encaixem perfeitamente umas nas outras, mas de enxergar a
beleza de um mosaico colorido, onde justamente a diferença das cores e das “peças”
é o que dá sentido e beleza ao mosaico, cada vez mais pessoas concluem que é
melhor viver sozinho, ficar sozinho.
Se o texto bíblico a respeito da
criação do homem e da mulher descreve simbolicamente que ela nasceu dele enquanto
este dormia um sono profundo (cf. Gn 2,21), compreendemos que na alma de todo
ser humano há um sonho: sonho de comunhão,
de encontrar alguém que lhe seja semelhante, no sentido de compartilhar das
suas alegrias e tristezas, angústias e esperanças. No entanto, muitos
casamentos infelizmente deixaram de ser vividos como sonhos e passaram a ser
vividos como pesadelos, e o caminho encontrado para acordar desse pesadelo foi o divórcio.
Cada casamento que termina em
divórcio tem sua própria história, e há separações que foram necessárias para
se salvar a integridade das pessoas daquela família, como afirma o Papa
Francisco: “É preciso reconhecer que há casos em que a separação é inevitável.
Por vezes, pode tornar-se até moralmente necessária, quando se trata de
defender o cônjuge mais frágil, ou os filhos pequenos, das feridas mais graves
causadas pela prepotência e a violência, pela humilhação e a exploração, pela
alienação e a indiferença” (A alegria do
amor, n.241). No entanto, precisamos reconhecer também que muitos divórcios
foram ou são consequência de egoísmo e imaturidade da nossa parte: “Tornou-se
frequente que, quando um cônjuge sente que não recebe o que deseja, ou não se
realiza o que sonhava, isso lhe pareça ser suficiente para colocar fim ao
matrimônio... Às vezes, para decidir que tudo acabou, basta uma desilusão, a
ausência num momento em que se precisava do outro, um orgulho ferido” (Francisco,
A alegria do amor, n.237).
Para
uma geração como a nossa, que não aceita sofrer e quem tem aversão a qualquer
tipo de dor, o divórcio tem se tornado uma solução rápida e prática, sempre que
surge a menor dificuldade ou algum tipo de desgaste no relacionamento. No
entanto, se o divórcio resolve rapidamente uma convivência difícil, ele também é
responsável por abrir sérias feridas na alma de muitos pais e filhos, além de
provocar feridas em nossa sociedade. Um estudo realizado com 1.500 jovens entre
12 e 18 anos que cometeram delitos na cidade de São Paulo, entre 2014 e 2015,
revelou que 42% desses infratores, além de não viver com o pai, não tinham nenhum
contato com ele (Folha Uol, 17/06/2016).
Isso não significa que a mulher sozinha seja um fracasso na condução de uma
família. Significa, antes, que a saúde emocional e a formação do caráter do
filho precisam do contato afetivo com uma figura feminina e uma figura
masculina.
Falando
ainda sobre os filhos, é muito importante cuidar para que, numa eventual
separação, eles continuem a ter uma convivência afetiva com o pai e com a mãe,
e jamais sejam influenciados a escolher um e rejeitar outro. Numa separação, os
filhos não podem ser usados como arma de ataque pelos pais, em seus
enfrentamentos. Como se costuma dizer: existe ex-marido e ex-mulher, mas não
existe ex-pai, nem ex-mãe. Esse cuidado com a integridade física, emocional e
espiritual dos filhos está expresso no Evangelho pela atitude de Jesus de
abraçar crianças no exato momento em que ele é questionado a respeito do divórcio
(cf. Mc 10,13.14.16).
Para
Jesus, o divórcio é consequência do endurecimento do coração humano (cf. Mc
10,5). Um coração endurecido é um coração que se decepcionou, que foi ferido ou
profundamente agredido em seu esforço em amar e em sua necessidade de ser amado.
Mas não só. Um coração endurecido é sinônimo de um coração egoísta, que só
pensa em si e usa os outros unicamente para seus propósitos egoístas. Não há como
construirmos um vínculo duradouro com alguma pessoa, se nos deixamos
influenciar por uma cultura que nos incentiva a colocar o nosso interesse
egoísta como princípio orientador do nosso comportamento, além de ter como
objetivo principal de vida a satisfação de todos os nossos desejos.
No lugar desse egoísmo doentio e destruidor,
Jesus nos propõe abraçar o ideal de Deus para todo ser humano: “O que Deus
uniu, o homem não separe!” (Mc 10,9). Muitos casais que receberam o sacramento
do matrimônio (casaram-se na Igreja) encontram-se separados atualmente. Aqui
seria o caso de se perguntar: Esses casais pediram para Deus abençoar sua
união; pediram para Deus uni-los. Eles também se dispuseram a trabalhar na
mesma direção de Deus, para que aquilo que foi unido não viesse a ser separado?
Quantos de nós, com uma das mãos, pedimos algo a Deus, mas com a outra mão nos
mantemos agarrados a situações que favorecem justamente o contrário daquilo que
estamos pedindo a Deus?
Quando
eu assisto a um casamento, no momento da colocação das alianças costumo lembrar
ao casal aquela parábola oriental do jovem que colocou uma borboleta minúscula
em uma de suas mãos, e, com ambas as mãos nas costas, perguntou a um velho sábio
oriental: “Eu tenho uma borboleta em uma das minhas mãos. Se o senhor é realmente
um homem sábio, quero que me responda se a borboleta que tenho na mão está viva
ou está morta”. O jovem já havia traçado um plano: se o sábio dissesse que a
borboleta estava viva, o jovem apertaria a mão e mostraria a borboleta morta;
se o sábio dissesse que ela estava morta, o jovem abriria a mão e a borboleta
voaria. Para surpresa daquele jovem, o sábio olhou profundamente nos seus olhos
e respondeu: “Depende de você, se a borboleta está viva ou está morta”.
Quando
um casal se casa, nós perguntamos: “Esse casamento será bem-sucedido ou mal
sucedido? Esse relacionamento sobreviverá às crises pelas quais passa todo
relacionamento, ou fracassará?” A resposta está nas alianças, isto é, nas mãos
do homem e da mulher que se casam. Um relacionamento bem sucedido não depende somente
da bênção de Deus; depende também das mãos, isto é, das atitudes diárias que
ele e ela terão um para com o outro e ambos para com o relacionamento conjugal.
Tudo aquilo que não cuidamos, perdemos. Tudo aquilo que não cultivamos, morre.
Encerro
esta reflexão retomando algumas sábias palavras do Papa Francisco:
1)
“Não é possível prometer que teremos os mesmos sentimentos durante a vida
inteira; mas podemos ter um projeto comum estável, comprometer-nos a amar-nos e
a viver unidos até que a morte nos separe, e viver sempre uma rica intimidade.
O amor que nos prometemos supera toda a emoção, sentimento ou estado de ânimo,
embora possa incluí-los. É um querer-se bem mais profundo, com uma decisão do
coração que envolve toda a existência (A
alegria do amor, n.163).
2)
“Não se vive juntos para ser cada vez menos feliz, mas para aprender a ser feliz
de uma maneira nova, a partir das possibilidades que abrem uma nova etapa. Cada
crise implica uma aprendizagem, que permite incrementar a intensidade da vida
comum ou, pelo menos, encontrar um novo sentido para a experiência matrimonial.
É preciso não se resignar de modo algum a uma curva descendente, a uma
inevitável deterioração, a uma mediocridade que se tem de suportar” (A alegria do amor, n.232).
3)
“Os divorciados novamente casados deveriam questionar-se como se comportaram
com os seus filhos, quando a união conjugal entrou em crise; se houve
tentativas de reconciliação; como é a situação do cônjuge abandonado; que
consequências têm a nova relação sobre o resto da família e a comunidade dos
fiéis; que exemplo oferece ela aos jovens que se preparam para o matrimônio.
Uma reflexão sincera pode reforçar a confiança na misericórdia de Deus que não
é negada a ninguém” (A alegria do amor,
n.300).
4)
“Um pastor não pode sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles
que vivem em situações ‘irregulares’, como se fossem pedras que se atiram
contra a vida das pessoas... Lembremo-nos de que um pequeno passo, no meio de
grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida
externamente correta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias
dificuldades” (A alegria do amor,
n.305).
5)
“Para evitar qualquer interpretação tendenciosa, lembro que, de modo algum deve
a Igreja renunciar a propor o ideal pleno do matrimônio, o projeto de Deus em
toda a sua grandeza... A compreensão pelas situações excepcionais não implica jamais
esconder a luz do ideal mais pleno, nem propor menos de quanto Jesus oferece ao
ser humano” ( A alegria do amor,
n.307).
6)
“Compreendo aqueles que preferem uma pastoral mais rígida, que não dê lugar a
confusão alguma; mas creio sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta
ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao mesmo
tempo que expressa claramente a sua doutrina objetiva, não renuncia ao bem
possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada... Jesus
espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que
permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente
entrar em contato com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da
ternura” (A alegria do amor, n.308).
7)
“A família foi desde sempre o ‘hospital’ mais próximo. Prestemo-nos cuidados,
apoiemo-nos e estimulemo-nos mutuamente, e vivamos tudo isto como parte da
nossa espiritualidade familiar... Querer formar uma família é ter a coragem de
fazer parte do sonho de Deus, a coragem de sonhar com Ele, a coragem de
construir com Ele, a coragem de unir-se a Ele nesta história de construir um
mundo onde ninguém se sinta só” (A alegria do amor, n.322).
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