sexta-feira, 12 de outubro de 2018

QUEM PODE SER SALVO DA SEDUÇÃO DO DINHEIRO?

Missa do 28º. dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 7,7-11; Hebreus 4,12-13; Marcos 10,17-27. 

            Conta-se que, à beira da morte, Alexandre Magno teria convocado seus generais para lhes fazer três pedidos: 1. Que seu caixão fosse transportado pelos melhores médicos da época. 2. Que todos os tesouros conquistados (ouro, prata, pedras preciosas etc.) fossem espalhados ao longo do percurso, até o seu túmulo. 3. Que suas mãos fossem deixadas fora do caixão, à vista de todos, balançando no ar. Admirado com desejos tão estranhos, um dos seus generais lhe perguntou o que ele queria dizer com isso. Alexandre Magno respondeu: 1. “Quero que os médicos carreguem o meu caixão para ficar claro que eles não têm poder sobre a morte”. 2. “Quero que o chão seja coberto pelos meus tesouros para que todos entendam que os bens materiais aqui conquistados aqui também permanecem”. 3. “Quero que minhas mãos balancem ao vento para que se veja que de mãos vazias viemos ao mundo e de mãos vazias partiremos dele”.
            O que você costuma pedir a Deus, na sua oração? Se você pudesse fazer-Lhe um único pedido, qual seria? Acontece algo estranho com a nossa oração: nós costumamos pedir coisas que, aos nossos olhos, são aparentemente importantes, essenciais, mas que, aos olhos de Deus, não são de fato essenciais. Nós costumamos pedimos a Deus a cura de uma doença, mas não pedimos para nos libertar de um pecado; costumamos pedir pelo sucesso do filho na faculdade ou na vida profissional, mas não pedimos por sua vida espiritual; costumamos pedir a Deus uma pessoa que nos ame, mas Lhe não pedimos um coração capaz de amar os que não se sentem amados à nossa volta (homilia do 25º. dom. comum).
            O livro da Sabedoria nos traz o exemplo de uma oração séria e agradável aos olhos de Deus: “Orei, e foi-me dada a prudência; supliquei, e veio a mim o espírito da sabedoria” (Sb 7,7). Para o nosso mundo, nada é mais importante do que o dinheiro: quem tem dinheiro, tem todas as portas abertas diante de si. Para a Sagrada Escritura, todo o dinheiro que há no mundo é “um punhado de areia”, é apenas uma poça de “lama” (cf. Sb 7,9). Ter um coração sábio, um coração que saiba separar o bem real do bem aparente, um coração que perceba claramente a diferença entre aquilo que vale para o meu interesse pessoal e aquilo que vale por si mesmo, ainda que não atenda aos meus interesses pessoais – quem tem um coração assim, terá em suas mãos “uma riqueza incalculável” (Sb 7,11).
            O Evangelho nos fala de um homem que procurou Jesus para lhe fazer um pedido que sua alma considerava mais importante do que tudo na vida: “Que devo fazer para ganhar a vida eterna?” (Mc 10,17). Esse homem era muito rico (cf. Mc 10,22). Se ele estivesse doente, pediria a Jesus a cura para a sua doença; se ele estivesse vivendo uma situação de injustiça social, pediria a Jesus que lhe fizesse justiça. Contudo, ainda que esse homem muito rico supostamente tivesse uma vida tranquila e poupada de inúmeros sofrimentos pelos quais passa a maioria das pessoas em nosso mundo, ainda assim o pedido dele nos serve de questionamento: Quem de nós hoje está preocupado com a vida eterna? Quem de nós hoje, ao se colocar em oração, pede por sua salvação? Quem de nós hoje, ao orar, consegue enxergar a vida para além do aqui e agora, e se dar conta de que, muito mais importante do que apenas sobreviver ou se dar bem neste mundo, trata-se de ter a nossa existência destinada à salvação eterna? 
            Jesus conhecia aquele homem e sabia que ele tinha um coração reto e bom; era, de fato, uma pessoa “de Deus”. No entanto, “Jesus olhou para ele com amor, e disse: ‘Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!’” (Mc 10,21). Prestemos atenção a esta palavra de Jesus: “Uma coisa te falta”... O que falta em mim, pra que eu seja verdadeiramente uma pessoa de Deus? O que falta em mim, para que a verdade de Deus habite em minha alma? Quem de nós tem a coragem de fazer essa pergunta a Deus, na sua oração: ‘Senhor, o que ainda me falta, para que eu verdadeiramente seja salvo(a)’? Além disso, quem de nós, ao fazer essa pergunta, tem a coragem de silenciar a sua consciência e esperar pela resposta de Deus?     
            A resposta de Jesus decepcionou profundamente aquele homem: “(...) quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico” (Mc 10,22). Uma das coisas que eu particularmente admiro em Jesus é a sua liberdade diante de nós, a liberdade de ser coerente com a sua consciência e de ser verdadeiro conosco, não se preocupando se a sua Palavra vai nos decepcionar ou não. Jesus nunca se moveu na vida pelo desejo de não desagradar ninguém ou pelo medo de que alguém ficasse decepcionado com a verdade do Evangelho. Por isso, além de não voltar atrás no que ele disse ao homem rico, ele aproveitou a reação daquele homem para nos ensinar algo extremamente importante: todos nós estamos presos a algo que está nos tirando o foco na vida eterna. Não há um ser humano na face da terra a que não falte algo a ser revisto e corrigido, se verdadeiramente deseja ser salvo.
            Eis as palavras de Jesus: “Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” (Mc 10,24-25). Muitas tentativas foram feitas – por pregadores não preocupados em obedecerem ao Espírito da Verdade, mas preocupados em não perder fiéis em suas igrejas – para tornar essa palavra de Jesus menos dura, menos escandalosa. Alguns tentaram dizer que o camelo é, na verdade, uma corda; outros, que a agulha é, na verdade, uma porta estreita. São manipulações irresponsáveis e mentirosas, que visam tirar do texto bíblico a exigência que ele faz a todos nós: exigência de conversão, exigência de levar a sério a verdade de que todo dinheiro tem o poder de nos corromper, de roubar a nossa alma de Deus.
            O Evangelho termina falando da reação dos discípulos: eles “ficaram muito espantados ao ouvirem isso, e perguntavam uns aos outros: ‘Então, quem pode ser salvo?’” (Mc 10,26), isto é, qual ser humano pode resistir à sedução do dinheiro? “Jesus olhou para eles e disse: ‘Para os homens isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível’” (Mc 10,27). Em outras palavras, a salvação sempre foi e sempre será fruto da graça de Deus na alma humana, e jamais resultado do seu esforço em “ganhar”, conquistar ou merecer tal salvação.
            Concluindo, diante da verdade da Palavra de Deus, verdade que decepcionou aquele homem rico e deixou os discípulos de Jesus espantados (escandalizados), resta a cada um de nós tomar uma decisão: ou rejeitar tal Palavra, ou permitir que ela penetre em nós, revelando o que há em nossa alma e em nosso coração (cf. Hb 4,12), deixando em nossa consciência a incômoda mas fundamental pergunta: o que ainda me falta para que a minha existência não caminhe para a falência, mas para a salvação, para a vida eterna?

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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