Missa do 26º.
dom. comum. Palavra de Deus: Números 11,25-29; Tiago 5,1-6; Marcos 9,38-43.45.47-48.
Há uma intenção muito clara no
coração de Deus: Ele “quer que todas as pessoas sejam salvas e cheguem ao
conhecimento da verdade” (1Tm 2,4). Para alcançar cada ser humano, Deus usa
tanto de estratégias “oficiais” como “não oficiais”, de caminhos que conhecemos,
como também de caminhos que desconhecemos, e isso às vezes causa estranheza em
nós. Assim aconteceu com Josué, quando viu que o Espírito de Deus havia sido
concedido também a dois homens que estavam “no acampamento” (Nm 11,26.27), ou
seja, afastados da Tenda onde Deus derramou seu Espírito sobre 70 homens.
O fato de Deus conceder o Espírito
d’Ele a esses dois homens que não estavam no espaço sagrado da Tenda, símbolo
não só do futuro Templo de Israel, mas também da própria Igreja enquanto
Instituição, nos ensina duas coisas importantes: 1) Deus não precisa pedir
permissão a nós para agir para além de nós, para além das nossas regras e
normas religiosas; 2) Fora da nossa Igreja também existem pessoas que fazem o
bem e que caminham segundo a vontade de Deus, mesmo desconhecendo o Evangelho
ou mesmo não comungando da mesma fé que professamos.
Enquanto Josué foi questionar Moisés
sobre essa estranha liberdade de Deus em agir sem nos dar explicações, João foi
um pouco mais atrevido e chegou a proibir um homem que expulsava demônios em
nome de Jesus, mas não fazia parte do grupo dos discípulos: “nós o proibimos,
porque ele não nos segue” (Mc 9,38), ao que Jesus respondeu: “Não o proibais,
pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. Quem não é
contra nós é a nosso favor” (Mc 9,39-40). Jesus também revela, com essa
atitude, que fora do nosso grupo, da nossa Igreja, da nossa religião, existem
pessoas que estão trabalhando pelo bem da humanidade, pessoas que, até mesmo
não sendo cristãs, estão colaborando com Deus na salvação do ser humano.
Assim como Josué e João, nós,
cristãos, costumamos nos apossar de Deus, de Jesus ou do Espírito Santo, muitas
vezes caindo no erro de nos sentir enciumados quando vemos pessoas “que não nos
seguem” fazer aquilo que o Evangelho ensina. Mas Jesus nos lembra que nenhuma
igreja ou religião tem o poder de atingir toda a humanidade. Por isso, o
Espírito Santo se antecipa, rompe nossos esquemas e alça voo para além dos
limites das nossas instituições, buscando alcançar todo ser humano que Deus
quer salvar. Ao invés de nos sentirmos enciumados, deveríamos, antes, agradecer
a Deus por Ele agir sempre para além dos nossos pobres e precários limites.
Aproveitando do escândalo de João e
dos demais discípulos, Jesus chamou a atenção deles para aquilo que é o
verdadeiro escândalo, que é levar as pessoas a perderem a fé: “Se alguém
escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no
mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço” (Mc 9,42). Se há algo que deve
nos preocupar e nos colocar em crise não é a “concorrência religiosa” que caracteriza
o nosso tempo, mas o fato de que muitos de nós não estamos nos comportando de
maneira digna da vocação a que fomos chamados (cf. Ef 4,1). A verdade é que não
são tanto as outras igrejas ou religiões que “tiram” pessoas de nós, mas
algumas das nossas atitudes que jogam nos braços das outras igrejas ou
religiões pessoas que “eram nossas”.
Onde quer que exista um ser humano,
ali há risco de escândalo. Ninguém de nós está livre de não cair, de não errar,
de não se tornar infiel (cf. 1Cor 10,12). Mas o que Jesus entende por “escândalo”?
Escândalo é qualquer atitude minha consciente e intencional, que leve alguém a
perder a fé, lembrando que tal perda de fé pode se dar em relação a Deus, à
Igreja ou ao próprio ser humano. Para Jesus, a perda da fé é algo tão nocivo,
tão maléfico para a vida da pessoa, que aquele que contribuiu para ela perdesse
a fé está condenado diante de Deus – daí a imagem bíblica da pessoa atirada ao
fundo do mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço.
Se verdadeiramente Deus faz de tudo
para que todo ser humano seja salvo, seria totalmente absurdo nós, cristãos,
jogarmos fora da Igreja alguém que Deus trabalhou incansavelmente para colocar
dentro. O mesmo se diga em relação às pessoas que, mesmo não estando dentro das
nossas igrejas, abriram-se para a fé em Jesus e no Evangelho. O nosso maior
crime seria deformar o Evangelho e desacreditar a pessoa de Jesus, com as
nossas atitudes erradas. Para que isso seja evitado, Jesus nos propõe ajustes
dolorosos, mas necessários, em vista da nossa conversão da nossa salvação
pessoal e da salvação das demais pessoas.
“Se tua mão te leva a pecar,
corta-a!... Se teu pé te leva a pecar, corta-o!... Se teu olho te leva a pecar,
arranca-o!” (Mc 9,43.45.47). A mão representa as nossas atitudes; o pé, a nossa
liberdade de direcionar a nossa vida para onde quisermos; o olho, aquilo que
consideramos importante, isto é, os nossos valores. Portanto, se alguma atitude
errada nossa, se a maneira paganizada como vivemos a nossa liberdade, se os
nossos valores invertidos estão causando escândalo em algumas pessoas, isto é,
estão provocando uma séria crise de fé naqueles que convivem conosco, o estrago
que essa perda de fé fará na vida dessas pessoas será cobrado de nós, que
tínhamos como missão justamente levá-las à fé, confirmá-las na fé.
O número de pessoas que perdem de fé
é cada vez maior à nossa volta. Não por nada, a “religião” que mais cresce no
Brasil e no mundo é a das pessoas que escolhem viver “sem-religião”. Ao invés
de fugirmos do confronto com uma necessária e saudável autocrítica, procurando
colocar a culpa no materialismo e na desumanização do mundo em que vivemos,
tenhamos a coragem de colocar em ordem a nossa vida espiritual, realinhar o
nosso coração à vontade de Deus, reformar a nossa vida segundo os valores do
Evangelho e retomar o nosso ideal de viver como pessoas configuradas a Jesus
Cristo. Isso não apenas nos salvará pessoalmente como também contribuirá para
que toda a humanidade seja salva.
P.S. Estamos a uma semana das eleições.
A Igreja nos aconselha a votar em
quem apresenta sincera adesão aos valores cristãos; defende a vida, desde a
concepção até o seu fim natural, defende a família, cuida dos mais
necessitados, respeita seus adversários políticos, inspira confiança e
credibilidade. Igualmente, a Igreja também nos aconselha a não votar em quem é reconhecidamente desonesto, coloca o lucro
acima de tudo, apresenta atitudes agressivas e atenta contra a vida dos pobres.
Ainda
a respeito das eleições, não caiamos no erro de ficar presos aos candidatos à
Presidência, esquecendo-nos de que a escolha principal é em relação aos
candidatos ao Senado (dois senadores para São Paulo) e ao Congresso (deputado
federal e estadual). São eles que fazem as leis que ajudam ou prejudicam o país,
que protegem ou que destroem a família. Enfim, tomemos cuidado com três
atitudes perigosas e que em nada ajudam: votar em branco ou nulo (é mentira que
mais de 50% de votos nulos anula uma eleição), votar em quem o líder religioso
indica (interesse particular da sua igreja) e votar apenas em quem tem chance
de ganhar (o chamado “voto útil”).