sexta-feira, 14 de setembro de 2018

O QUE É MELHOR: SOFRER COM SENTIDO OU VIVER SEM SENTIDO?

Missa do 24º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 50,5-9a; Tiago 2,14-18; Marcos 8,27-35.

            O sentido da vida não está apenas onde nos encontramos agora, mas onde desejamos chegar. O que dá sentido à nossa vida são os nossos sonhos, os nossos projetos, as nossas esperanças. Somente quando temos sonhos e esperança de realizá-los é que conseguimos suportar a situação presente, marcada por uma realidade que não é a ideal, que não é aquela que queremos, nem a que o próprio Deus quer para nós. Portanto, é essencial ter um sonho, uma meta, um propósito, uma esperança.
            Mas a pergunta que o Evangelho nos coloca é a seguinte: como você se comporta quando um obstáculo se interpõe entre você e o seu sonho, entre você e a sua esperança, o seu ideal, a sua meta? Perguntando de uma outra maneira, qual é a sua capacidade de sofrer para alcançar o seu ideal? O quanto você consegue manter-se fiel aos seus propósitos quando o preço dessa fidelidade custa nada menos do que a cruz? Muitas pessoas abandonaram seus sonhos, seus ideais e suas esperanças quando a cruz apareceu no caminho de vida delas. Muitas pessoas desistiram até mesmo de Deus, porque Ele não “funcionou” na vida delas como ausência de dificuldade ou como garantia de sucesso absoluto...
            Há um problema sério com o mundo moderno: a aversão ao sofrimento, a rejeição a qualquer tipo de dor, a repulsa a toda experiência de cruz. E tudo isso por causa da sociedade do bem estar em que vivemos, para a qual a vida só tem sentido se você estiver vencendo, se você estiver do lado dos fortes, distante de todo tipo de fracasso, blindado contra a tristeza e a dor que afetam inúmeras outras pessoas. O problema é que essa cultura do bem estar, além de ser uma ilusão, nos torna frágeis diante da vida, frágeis o suficiente para quebrarmos diante de qualquer pancada e para abrirmos mão dos nossos ideais só porque o acesso a eles não está facilitado. Um dos motivos do aumento do suicídio está aqui: a não aceitação da dor como parte da condição humana, como parte da vida de qualquer pessoa.  
            Jesus tinha um sonho, um ideal, um propósito: salvar a humanidade. E ele também estava consciente de que, para alcançar esse propósito, deveria enfrentar a realidade da cruz. Sendo fiel aos seus princípios, Jesus escolheu não fugir do confronto com a dor, exatamente como o servo da primeira leitura: “O Senhor abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás... não desviei o rosto de bofetões e cusparadas... não me deixei abater o ânimo, conservei o rosto impassível como pedra, porque sei que não sairei humilhado... A meu lado está quem me justifica... o Senhor Deus é meu Auxiliador” (Is 50,5-9). Quem tem consciência do valor do seu sonho, do seu ideal, jamais desiste dele só porque encontra obstáculos no caminho para alcançá-lo.
            Muito diferente de Jesus, Pedro rejeitou a possibilidade de confronto com a cruz, como se dissesse a Jesus: ‘Tem de haver outra maneira!’ Assim como Pedro, nós preferimos investir nossas energias não no confronto com a realidade, mas na fuga da mesma. Diante do alto custo da fidelidade aos nossos propósitos, nós passamos a negociar nossa fidelidade, na tentativa de fazer cair seu custo e não termos que sofrer tanto para concretizar nossos sonhos. Com isso, nos distanciamos dos nossos ideais e nos perdemos numa vida sem rumo, sem sentido, sem meta, uma vida que se contenta apenas em sobreviver.  
            Uma vez que Pedro se interpôs entre Jesus e o seu ideal, Jesus o mandou sair da frente dele: “Vai para longe de mim, Satanás! Tu não pensas como Deus, e sim como os homens” (Mc 8,33). Uma vez que Pedro disse que Jesus tinha que mudar sua maneira de pensar, Jesus lhe disse: ‘É a sua maneira de pensar que está errada! É a sua maneira de ver a vida que precisa mudar! Você pensa segundo os homens, para os quais a vida tem que ser desfrutada ao máximo, mas Deus entende a vida como uma existência que tem que ser doada em profundidade. Você pensa segundo os homens, para os quais é preciso evitar o confronto com o sofrimento, mas Deus nos ensina que é necessário enfrentar todo e qualquer sofrimento sempre que isso for preciso para se alcançar um ideal que seja verdadeiro, digno e nobre. Você pensa segundo os homens, para os quais a vida só tem sentido quando se está do lado dos fortes e dos vencedores, mas Deus nos ensina que o sentido da vida é colocar-se junto aos fracos, aos crucificados, para oferecer-lhes a nossa solidariedade’.    
            Sabendo que Pedro não era o único a “pensar segundo os homens”, Jesus “chamou a multidão com seus discípulos e disse: ‘Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, vai salvá-la’” (Mc 8,34-35). Vivendo em meio a uma imensa multidão chamada “humanidade”, Jesus se dirige particularmente a cada um de nós: “Se alguém quer me seguir”. A fé há muito tempo deixou de ser um seguir o fluxo, um seguir a tradição, para se tornar uma escolha, uma decisão pessoal. Quem escolhe seguir Jesus, tornar-se seu discípulo, deve renunciar a viver a partir do seu ego, que sempre busca aquilo que é do seu interesse, aquilo que é vantajoso para si, e escolher dedicar a sua vida a uma causa maior, ao bem comum, à melhoria do mundo à sua volta. Quem quiser ser fiel a si mesmo e aos seus valores, precisa saber que se confrontará com algum tipo de sofrimento. Quem quiser viver a vida por inteiro, deve aceitar o fato de que a dor nem sempre é opcional; opcional é a forma como escolhemos lidar com ela. Se, movidos pela cultura do bem estar, escolhermos fugir das dificuldades, acabaremos por perder a nossa vida, no sentido de atrofiarmos nosso crescimento e desistirmos de qualquer ideal, sonho ou esperança. Mas, se aprendermos com Jesus a perder benefícios pequenos e ilusórios, para alcançarmos nossos objetivos e realizarmos nossos sonhos, teremos vivido nossa vida em plenitude; teremos salvo a nossa vida da mediocridade, do vazio e da perda de sentido.

            Oração: Deus Pai, diante de Ti quero resgatar meus sonhos, meus ideais, minha esperança. Quero recolocar meus passos na estrada do futuro e da esperança que o Senhor tem para mim e para a humanidade. Perdoa-me pela maneira imatura como tenho lidado com a minha cruz, não aceitando o fato de que não há crescimento sem dor, não há vitória sem luta, não há ressurreição sem cruz.
            Senhor Jesus Cristo, ensina-me a não abandonar meus ideais por causa dos obstáculos que encontro pelo caminho. Ensina-me a não fugir do sofrimento que cabe a mim enfrentar como consequência da minha fidelidade aos valores do teu Evangelho. Torna-me uma pessoa madura na fé, para que eu não me acovarde diante da vida, mas possa vivê-la com intensidade e profundidade, abraçando a cruz que cabe somente a mim carregar.
            Divino Espírito Santo, age com a tua graça na minha mente e modifica a minha maneira de pensar e de interpretar a existência. Não quero mais permitir que o mundo me torne uma pessoa egoísta, cujo único objetivo de vida é o seu próprio bem estar. Quero viver segundo Deus, fazendo da minha vida um dom para os outros. Livra-me das ilusões deste mundo, para que eu possa orientar-me por aquilo que é verdadeiro e eterno. Salva-me de uma vida medíocre, vazia e sem sentido. Amém.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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