Missa do 4º. dom. comum. Palavra de
Deus: Deuteronômio 18,15-20; 1Coríntios 7,32-35; Marcos 1,21-28.
“Ele manda até nos espíritos maus, e
eles obedecem!” (Mc 1,27). Uma das características mais marcantes da atuação de
Jesus no Evangelho segundo São Marcos é a sua autoridade sobre o maligno: Jesus
veio libertar todos aqueles que, ou se deixaram conscientemente acorrentar pelo
mal, ou caíram em suas armadilhas sem se dar conta disso. Mas esse exorcismo,
essa expulsão do mau espírito na sinagoga de Cafarnaum serve de contraste para
um fato preocupante hoje: a admiração que cada vez mais pessoas demonstram pelo
mal. Justamente porque nós vivemos numa sociedade pautada na inversão de
valores, onde o mal passou a ser propagandeado como bem, e o bem como mal, muitas
pessoas decidiram abandonar o bem e permitir que a maldade passasse a morar
dentro delas, até mesmo como uma forma de sobrevivência no mundo atual. Portanto,
a primeira pergunta que o Evangelho de hoje nos coloca é esta: O quanto o espírito do mal tem habitado em
nós com o nosso consentimento?
O homem que estava ouvindo o
ensinamento de Jesus na sinagoga sentiu-se incomodado, da mesma forma que os
morcegos se sentem incomodados com a luz. Como cristãos, nós precisamos causar
um saudável e necessário incômodo no ambiente em que nos encontramos, no
sentido de fazer brilhar a luz do Evangelho na consciência das pessoas que se
habituaram a viver nas trevas da maldade. Aliás, nós mesmos precisamos todos os
dias nos colocar sob a luz da Palavra de Deus, para que ela revele como está a
nossa casa interior, quem é que nela habita: se o Espírito de Deus e ou se o
espírito do mal. Neste sentido, é muito importante quando a Palavra de Deus nos
provoca algum incômodo; quando, por exemplo, ela nos coloca em crise, tira o
nosso sono e nos revela que, em determinado aspecto da nossa vida, nós estamos
compactuando com o mal, com o erro, com a injustiça e aquilo precisa ser
revisto. Portanto, a segunda pergunta que o Evangelho nos coloca hoje é: Como eu reajo quando me sinto incomodado ou
questionado pela Palavra de Deus? Ou ainda: O que costuma me incomodar mais: as trevas da maldade, da mentira e da
injustiça ou a luz da bondade, da verdade e da justiça?
Incomodado com o ensinamento de
Jesus, o mau espírito gritou com ele (v.23). O grito é uma forma de intimidar.
Sempre que procuramos nos opor ao mal, ele grita conosco, na tentativa de nos
causar medo e nos fazer recuar. Jesus não recuou diante dos gritos do mau
espírito e nós também não devemos recuar. Precisamos ter claro que a erradicação
do mal em nossa sociedade é, sim, um processo lento e custoso, mas não podemos
recuar. Devemos continuar o nosso trabalho de fazer o bem, de promover o bem e
de convidar as pessoas a deixarem de viver sob a autoridade do maligno e
passarem a viver sob a autoridade de Deus. Além disso, esse grito do mau
espírito nos aponta para uma outra questão: grito é sinônimo de barulho, de
agitação. Muitas pessoas se acostumaram com isso: elas preferem o barulho, a
bagunça, a agitação porque isso está de acordo com a sua própria desordem
interior.
Antes
de expulsar o mau espírito daquele homem na sinagoga, Jesus lhe ordenou:
“Cala-te!” (v.25). Existem muitas vozes dentro de nós: a voz das nossas preocupações
e dos nossos medos; a voz dos nossos desejos e das nossas necessidades; a voz
da propaganda, do consumismo e do mundo que constantemente nos pressiona, nos
cobra e nos exige; enfim, a voz do nosso pecado. Mas o salmista diz: “Fiz calar
e sossegar a minha alma” (Sl 131,2). É tarefa nossa não dar ouvidos a essas
vozes que se aproxima de nós para nos perturbar e nos confundir. É tarefa nossa
calar e sossegar a nossa alma, para podermos ouvir a voz de Deus em nossa
consciência, voz que pode nos devolver orientação, ordem e clareza interior:
“Oxalá ouvísseis hoje a sua voz!” (Sl 95,8). Aqui, portanto, temos uma outra
pergunta: Eu sou um joguete, uma peteca
nas mãos do barulho, da agitação, ou sou capaz de buscar o silêncio
diariamente, para colocar em ordem a minha vida, os meus afetos e os meus
desejos? Neste sentido, vale à pena recordar as palavras do profeta Isaías:
“Paz, paz àquele que está longe e àquele que está perto. Mas os ímpios são como
um mar agitado, que não pode acalmar-se, cujas ondas revolvem lodo e lama. Não
há paz para os ímpios, diz meu Deus” (Is 57,19-20).
As pessoas que estavam na sinagoga e
assistiram ao exorcismo realizado por Jesus, disseram: “Ele manda até nos
espíritos maus, e eles obedecem!” (Mc 1,27). O mal obedece a Jesus porque Jesus
sempre buscou viver na obediência ao Pai. Portanto, o recado final do Evangelho
para nós é este: o mal só exerce autoridade, só exerce domínio, sobre quem não
vive debaixo da autoridade de Deus. São Marcos, ao narrar esse exorcismo,
insiste na questão de que Jesus falava com quem tem autoridade (vv.22.27). A
autoridade de Jesus é, em primeiro lugar, a sua coerência de vida: Ele sempre
procurou viver de acordo com o que falou aos outros. Em segundo lugar, a
autoridade de Jesus é fruto da sua obediência ao Pai, da sua escuta e da sua
disposição em viver segundo a vontade do Pai. A conclusão é muito simples: quando
eu permito que o mau espírito assuma o controle da minha vida, não tem como eu
expulsá-lo da vida de uma outra pessoa. Quando eu não aceito viver sob a
autoridade de Deus, perco a minha autoridade moral ou espiritual sobre aqueles
que me escutam.
Voltemos ao início da nossa
reflexão. O mal é uma realidade concreta em nosso tempo. Ele se manifesta na
vida pessoal e social, na política, na economia, nas famílias, nas escolas e
até mesmo nas igrejas. Jesus tem o poder de nos livrar do mal, mas essa
libertação só acontece quando ouvimos, acolhemos e nos deixamos orientar por
sua Palavra, nos submetendo ao que Ele nos diz. Além disso, como discípulos de
Jesus, nós também temos a missão de ajudar as pessoas a serem libertas do mal
que tem provocado estragos na vida delas. Convivendo com tantas pessoas cuja
alma está perdida na sua própria desordem interior, precisamos ajudá-las a
silenciar, a criarem espaço em si mesmas para ouvirem a voz de Deus em sua
consciência e assim poderem decidir não mais viver debaixo do domínio do mal,
mas debaixo do domínio salvífico de Deus.
Oração: Senhor Jesus, visita o nosso
mundo, o nosso país, o nosso local de trabalho, a nossa igreja, a nossa casa, a
nossa alma, como visitaste a sinagoga de Cafarnaum, e expulsa o mal que habita
em nós. Livra-nos do mal que passou a morar em nós sem nos dar conta disso ou
mesmo com o nosso consentimento. Muitas vezes, Senhor, a nossa alma se parece
com um mar agitado, cujas águas estão sujas, turvas, porque não se acalmam. Caminha
sobre essas águas agitadas, Senhor, e concede-nos a tua paz. Cala a voz do mau
espírito em nós! Devolve-nos a Deus. Arranca-nos das mãos do maligno e
devolve-nos às mãos do Pai. Concede-nos discernimento, para não nos deixarmos enganar
pela voz do mau espírito, mas nos orientarmos a cada momento pela voz do
Espírito de Deus em nossa consciência e em nosso coração. Que nós possamos caminhar
como pessoas libertas, comunicando a tua paz àqueles que estão perto e àqueles
que estão longe, essa paz que é um dom do Pai a todos aqueles que se submetem à
autoridade da tua Palavra. Amém!
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