Missa
do 2º. dom. comum. Palavra de Deus: 1Samuel 3,3b-10.19; 1Coríntios 6,13c-15a.17-20;
João 1,35-42.
Depois
de termos celebrado o nascimento de Jesus (Natal), a sua manifestação aos magos
como Salvador de todas as nações (Epifania) e o seu Batismo (última
segunda-feira), nós nos deparamos com o início da sua missão e com o chamado
(vocação) dos seus primeiros discípulos. Desse modo, o Evangelho de hoje nos
coloca diante de uma pergunta fundamental para a vida de todo discípulo de Jesus
Cristo: “O que vocês estão procurando?” (Jo 1,38).
Antes
de mais nada, essa pergunta diz respeito à nossa vida de fé. O que você está
procurando quando vai a uma igreja, ou quando começa a seguir uma religião, ou
quando muda de religião ou de igreja, ou quando faz sua oração em casa, ou quando
reserva um tempo para ler a Sagrada Escritura? Ao perguntar “o que você está
procurando?” Jesus também está perguntando: ‘O que você espera de mim? Quais
são as suas expectativas a meu respeito? Por que você decidiu me seguir e se
tornar meu discípulo?’
Mas
essa pergunta de Jesus também serve para que cada um de nós faça um sério
questionamento a respeito da vida, da própria existência. O que eu estou
procurando, com a maneira como tenho vivido a minha vida? O que eu estou
procurando quando decido me casar, ou quando decido me separar? O que eu estou
procurando quando me permito beber ou fazer uso de drogas? O que eu estou
procurando quando decido fazer uma (nova) tatuagem ou um corte de cabelo “chamativo”?
O que eu estou procurando quando decido fazer uma faculdade, ou prestar um
concurso? O que eu estou procurando enquanto navego na internet? O que eu estou
procurando quando me permito acessar pornografia na internet ou entrar em salas
de bate-papo virtual? O que eu estou procurando quando aceito me corromper,
para ganhar dinheiro desonestamente? O que eu estou procurando quando me
permito me envolver com uma pessoa casada, prejudicando a minha família e a dela?...
Essa
pergunta de Jesus é, ao mesmo tempo, incômoda e libertadora. Ela nos convida a
tomar consciência da verdadeira razão que nos leva a fazer aquilo que estamos
fazendo. Ainda que nós nem sempre estejamos dispostos a reconhecer os verdadeiros
motivos que estão por detrás daquilo que fazemos, esse reconhecimento é importante,
seja para confirmar o nosso estilo de vida, seja para modificá-lo, livrando-nos
de mentiras e de atitudes que nos mantém imaturos e irresponsáveis perante a
vida. Além disso, podemos tirar uma conclusão até certo ponto “negativa” dessa
pergunta de Jesus: você normalmente encontra aquilo que procura. Quem procura o
bem, encontra o bem; quem procura o mal, encontra o mal. Quem procurar a
destruição encontrará a destruição e quem procurar a salvação encontrará a
salvação. É uma questão de lógica, de colher aquilo que se semeia; é a lei da
vida.
Segundo
o texto do livro de Samuel, Deus colocou a Sua voz em nossa consciência para nos
orientar em nossa procura pela felicidade, pela realização, pelo sentido da vida.
No entanto, essa voz só pode ser ouvida no silêncio. Samuel só começou a ouvir
Deus quando era noite, as atividades do santuário haviam terminado e estava
tudo em silêncio. Na verdade, nós costumamos evitar esse silêncio porque
evitamos nos confrontar com a voz de Deus em nossa consciência. Desse modo, preferimos
seguir pela vida sem nos questionar e sem permitir que Deus nos questione,
quando poderíamos nos dar a chance de parar, de rever a maneira como temos
vivido e de permitir que Deus nos dê uma orientação que devolva sentido e
realização à nossa vida.
Aos poucos, Samuel foi entendendo
que a voz que dentro dele chamava seu nome era a voz de Deus, e ele se abriu a
essa voz: “Fala, Senhor, que teu servo escuta” (1Sm 3,10). Assim como Samuel,
muitos responderam ao chamado de Deus, mas, tão diferente de Samuel, aos poucos
se afastaram da voz originária da sua vocação, e passaram a viver sua vida
consagrada segundo a desorientação do próprio coração. Desse modo, tornaram-se
pessoas sem intimidade com Deus e incapazes de levar os outros a terem essa
intimidade. A vocação de Samuel é um convite a retomarmos as raízes da nossa
própria vocação e a voltarmos a dar uma resposta que envolva todo o nosso ser,
e não apenas a parte periférica da nossa existência, do nosso tempo e dos
nossos afetos. Como o salmista, cada um de nós é convidado a tomar consciência
de que o Senhor não nos pede sacrifícios impossíveis, apenas que mantenhamos os
ouvidos abertos e o coração obediente à Sua voz, e, quem sabe, possamos
responder ao Seu chamado alegremente, livremente, espontaneamente, sem
obrigação ou mau humor: “Eis que venho... Com prazer faço a vossa vontade,
guardo em meu coração vossa lei!’” (Sl 40,8-9).
Embora
nós tenhamos aprendido a espiritualizar a nossa fé, e as nossas celebrações
sejam, quase sempre, vividas do pescoço para cima, como se não tivéssemos
corpo, o apóstolo Paulo nos lembra que não existe vida de fé, nem adesão a
Deus, nem muito menos resposta vocacional, fora do nosso corpo, isto é, sem
considerar a nossa sexualidade. Na verdade, ninguém tira de letra essa tarefa
de lidar com a própria sexualidade e de integrá-la no seu caminho de fé, e nós
corremos o risco de errar de duas maneiras: ou escancarando a porteira e deixando
os sentimentos, desejos e fantasias correrem soltos dentro de nós, ou
reprimindo e demonizando tudo o que sentimos, como se fosse possível (e mesmo
necessário) anular a nossa sexualidade para podermos viver segundo o que Deus
nos pede na Palavra.
Nós acabamos de viver o tempo do
Natal, a festa que nos fala da encarnação do Filho de Deus. Jesus, por ter um
corpo semelhante ao nosso, também teve que lidar com sua sexualidade, com seus
afetos e seus desejos. A única diferença é que ele, sentindo tudo o que nós
sentimos, não pecou (cf. Hb 4,15), isto é, não consentiu que seus sentimentos e
desejos o levassem a viver fora da vontade do Pai. Desse modo, o apóstolo Paulo
nos convida a não ignorar o nosso corpo, a nossa sexualidade, mas a lembrar ao
nosso corpo que ele não é apenas carnal; nele habita o Espírito Santo de Deus,
e quando os nossos desejos se rendem às nossas fantasias e se permitem ser
reduzidos ao erotismo, nós precisamos ter a coragem de nos perguntar: “O que eu
estou procurando, ao permitir que a minha sexualidade seja reduzida ao erótico
e eu comece e percorrer o caminho da infidelidade, da prostituição e da
banalização do meu corpo ou do corpo do meu semelhante?”
Os discípulos de Jesus nunca foram e
nunca serão homens e mulheres desencarnados, seres angelicais ou espíritos evoluídos,
mas homens e mulheres com um corpo e uma sexualidade concretos, pessoas que,
enquanto estiverem vivas, terão que dialogar com sentimentos e desejos que
desconhecem a verdade de que o corpo em que habitam foi resgatado do pecado, foi
comprado pelo sangue do Filho de Deus, e que esse mesmo corpo é chamado a
glorificar a Deus, vivendo sua sexualidade de maneira consciente, encontrando
na pergunta “O que eu estou procurando?” o meio eficaz para não ir atrás de
respostas que não respondem e de compensações que não compensam, porque nos
afastam da voz d’Aquele que nos chamou pelo nome e concebeu a nossa existência
segundo o Seu desígnio de salvação para o bem nosso e de toda a humanidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário