Missa do 23º.
dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 33,7-9; Romanos 13,8-10; Mateus 18,15-20.
Nós podemos discordar em muitas
coisas, mas em uma concordamos: está difícil conviver com as pessoas hoje. E
essa dificuldade tem nos levado cada vez mais a nos isolar, nos afastar, nos fechar,
mesmo que essas atitudes acabem por prejudicar a família, o ambiente de
trabalho, a comunidade, a sociedade.
Diante do crescente individualismo e
da nossa tendência a nos afastar das pessoas, Jesus nos convida a recuperar o
valor da vida em comunidade, a importância do relacionamento. Se desejamos ser
pessoas emocional e espiritualmente saudáveis, precisamos cuidar das nossas
relações, precisamos ter a coragem de reconhecer e tratar as feridas dos nossos
relacionamentos familiares, profissionais, comunitários e sociais. Além disso,
se as pessoas em geral reagem às dificuldades nos relacionamentos decidindo
romper com os mesmos, espera-se de nós, cristãos, um outro tipo de atitude,
onde as dificuldades sejam enfrentadas não simplesmente a partir da “carne”, isto
é, do egoísmo, mas a partir do espírito, isto é, da nossa capacidade de transcender,
de buscar não simplesmente aquilo que nos convém, mas aquilo que convém aos
nossos relacionamentos.
“Se o teu irmão pecar contra ti, vai
corrigi-lo, mas em particular, a sós contigo!” (Mt 18,15). Justamente porque
não existe relacionamento sem ferimento e sem conflito, Jesus nos lembra que a Igreja
não é uma comunidade de “perfeitos”, mas de pessoas “de carne e osso”,
limitadas e imperfeitas, pessoas que estão fazendo um caminho de conversão, de
amadurecimento e de santificação, pessoas passíveis de erro e, justamente por
isso, necessitadas de correção. Jesus quer nos tornar conscientes de que, da mesma
forma como todos nós podemos errar, porque somos humanos, todos nós precisamos
estar abertos à correção.
A
difícil tarefa de corrigir e de aceitar ser corrigido
A correção do irmão que erra
encontra duas dificuldades. A primeira delas é o medo que temos de perder o
afeto da pessoa que precisamos corrigir. Esse é um medo muito comum em muitos
pais hoje em dia. Eles se esquecem de que “quem ama, educa”; quem ama, corrige.
A não correção dos filhos, por medo de magoá-los ou “machucá-los”, não é amor, mas
omissão da parte dos pais. Filhos não corrigidos por seus pais tornam-se “pessoas-problema”,
problema para si mesmos, para os pais e para a sociedade; são rios que, por não
aceitarem suas margens, transformaram-se em brejo; são árvores que, por não aceitarem
ser podadas, só conseguem produzir frutos de baixa qualidade.
A outra dificuldade no campo da correção
fraterna é a “imaturidade”. Ela faz com que a pessoa corrigida fique magoada,
ressentida, e passe a olhar o irmão que a corrigiu como seu inimigo. A verdade
é que a correção é um momento difícil para todos nós. Ela nos obriga a
reconhecer que existem sombras na nossa imagem, que não somos tão bons quanto
pensamos ser e, portanto, precisamos rever a nossa maneira de ser, de fazer as
coisas e de tratar as pessoas. No fundo, é preciso ter uma boa dose de
humildade para aceitar ser corrigido.
A
ausência de correção favorece a impunidade
Justamente
porque Jesus dirigiu todo o discurso de Mt 18 à Igreja e não ao mundo, nós
precisamos reconhecer que a impunidade não é uma doença grave que atinge apenas setores da nossa sociedade, sobretudo a política; ela está presente também em
nossa Igreja. Uma das causas de não-correção fraterna em nossa Igreja é a política dos interesses pessoais: diante
de um bispo que devora os bens da
Diocese para o seu luxo pessoal, alguns padres não o corrigem porque desejam
ser bispos e, numa eventual consulta, não querem ser “queimados” pelo bispo em
questão; outros padres não o corrigem porque não querem sofrer retaliações,
como por exemplo, serem transferidos de suas paróquias; outros ainda não o
corrigem porque ambicionam ser designados um dia para paróquias com uma ótima saúde financeira; por fim, existem
padres que não têm como corrigir o bispo em questão porque são a sua “versão
paroquial”, pela maneira corrupta como “administram” o dinheiro
de suas respectivas paróquias, em vista do seu enriquecimento particular*.
É bom que se repita: toda ausência de correção favorece a
impunidade. Jesus é firmemente contrário a todo tipo de impunidade. Por
isso, depois de todas as tentativas para se corrigir o irmão que erra, Ele nos orienta:
“Se nem mesmo à Igreja ele ouvir, seja tratado como se fosse um pagão ou um
pecador público” (Mt 15,17). Embora em Mt 9,11-13 a expressão “pagão/pecador
público” se refira aos fracos que precisam ser acolhidos com misericórdia, aqui
ela tem um outro sentido: Jesus deixa claro que a Igreja deve fazer o irmão que
erra confrontar-se com a consequência dos seus erros, pedindo-lhe uma decisão séria quanto à sua necessidade de corrigir-se.
Caso ele se recuse a mudar, continuando a levar uma vida frontalmente oposta ao
que Jesus ensina no Evangelho, deve ser “colocado no cantinho para pensar”, ou
seja, deve assumir a consequência de ficar à margem da comunidade, por sua
própria obstinação em não mudar seu comportamento.
O
que precisa ficar claro para todos nós é que pessoas que recusam corrigir-se e, por apostarem na impunidade,
continuam a provocar danos emocionais, morais, financeiros ou espirituais na
família, na escola, no local de trabalho, na Igreja e na sociedade em geral, são “manchas de óleo que precisam ser
contidas”, são pessoas que precisam ser “interditadas”, isto é, impedidas de continuarem a fazer os estragos
que têm feito, sobretudo quando esses estragos atingem diretamente a fé dos
mais simples e daqueles que procuram pautar sua vida segundo a justiça e a
verdade. Dizendo de outra forma, Jesus é muito claro: se existem erros, eles
devem ser corrigidos, não tolerados. Uma vez que estamos celebrando o mês
da Bíblia, lembremos que uma das “funções” da Palavra de Deus é justamente “corrigir,
em vista de educar a pessoa na justiça” (cf. 2Tm 3,16).
A força da oração comunitária
No
final do Evangelho, após falar da necessidade da correção fraterna, Jesus
lembra a nós, Igreja, que temos um forte instrumento de recuperação/correção do
irmão que erra – a oração comunitária: “Se dois de vós estiverem de acordo na
terra sobre qualquer coisa que quiserem pedir, isto vos será concedido por meu
Pai que está nos céus” (Mt 15,19). A busca do irmão desencaminhado, a tentativa
de recuperá-lo e também a sua “interdição”, tudo o que seja “ligar” ou
“desligar”, deve ser acompanhado pela oração em comunidade. Portanto, as
tensões da comunidade devem ser superadas orando a Deus e, ao mesmo tempo,
recordando a promessa da presença do Ressuscitado junto da sua Igreja: “Onde dois
ou três estiverem reunidos em meu nome eu estou ali, no meio deles” (Mt 15,20).
*Pelo menos em relação ao bispo em
questão, isso é página virada na Diocese de Jaboticabal. O mesmo não se pode
dizer dos padres passíveis de serem corrompidos e fomentadores de corrupção.
Oração
Pai, tenho consciência de que muitas
vezes preciso ser corrigido. Não quero ser teimoso como um animal, que só pode
ser freado nos seus impulsos por meio de cabresto e chicote (cf. Sl 32,9).
Peço-Te um coração dócil às Tuas correções. Sei que não somente preciso, mas também
posso me tornar uma pessoa melhor, um cristão melhor. Quero deixar-me corrigir
por Tua palavra, a fim de que o meu coração seja formado na justiça e na
santidade. Concede-me humildade e maturidade suficientes para aceitar as
correções que devo aceitar. Que em mim não haja falsidade, nem arrogância, nem orgulho
que impeçam o Espírito Santo de me educar, de me corrigir sempre que necessário,
Ele que é chamado “o educador” (cf. Sb 1,5).
Pai, peço também que o Senhor me
conceda a serenidade e a firmeza necessárias para corrigir o meu irmão que erra.
Liberta-me do medo infantil de perder o afeto das pessoas, medo que me torna
covarde e omisso diante do erro delas. Não devo e não quero colaborar com a
impunidade. Não devo e não quero tornar-me passível de corrupção, nem muito
menos fomentador dela na minha família, no meu trabalho, na minha igreja e na
sociedade onde vivo. Livra-nos a todos do mal da impunidade. Ajuda-nos a
encontrar caminhos eficazes para interditar todos aqueles que, por se recusarem
a se corrigir, continuam a causar mal às famílias, às igrejas e à sociedade. Em
nome de teu Filho Jesus, amém!
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
EXCELENTES REFLEXÕES. MUITO EXISTENCIAIS
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