quinta-feira, 14 de setembro de 2017

CUIDE DESSA PONTE. VOCÊ TAMBÉM PRECISARÁ PASSAR POR ELA.

Missa do 24º. dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 27,33–28,9; Romanos 14,7-9; Mateus 18,21-35.

            Na oração do Pai nosso Jesus nos ensinou a pedir não somente “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”, mas também “perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Da mesma forma como existe “o pão nosso de cada dia”, existe também “o perdão nosso de cada dia”, mas este perdão só pode ser exercitado por nós depois de termos reconhecido e lidado com “a raiva nossa de cada dia”. Portanto, antes de nos colocarmos diante das exigências do perdão, precisamos conversar sobre a realidade da raiva em nós.

            Primeiro a raiva, depois o perdão
            Eis uma séria advertência da Sagrada Escritura a respeito da raiva: “Se alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura?” (Eclo 28,3). Para não entendermos de maneira distorcida a Palavra de Deus, é importante sublinhar que a advertência recai sobre a atitude de “guardar” raiva, não de “sentir” raiva. De novo aqui é importante lembrar que nós não escolhemos sentir raiva; nós apenas podemos escolher a forma como vamos lidar com a raiva que estamos sentindo, e a pior forma é permitir que ela nos torne tão destrutivos quanto aqueles que destroem a vida e os valores mais sagrados à nossa volta.   
Como a raiva surge em nós? Ela surge sempre que sofremos uma injustiça ou sempre que testemunhamos uma injustiça ao nosso redor. A raiva é uma reação natural diante de algo que atenta contra a nossa vida ou contra a vida de alguém que amamos. Na verdade, a raiva é uma defesa instintiva que temos dentro de nós; ela é a força da nossa agressividade, provocada a reagir diante de algo que está nos prejudicando; ela é também a força que podemos usar para retirar o punhal que nos atingiu, para que a ferida que se abriu ali comece a ser tratada, curada. Portanto, a cura de uma ferida passa pelo reconhecimento da raiva que está em nós e pela mudança na maneira de lidar com ela, e a pior forma de lidar com a raiva, segundo o Eclesiástico, é permitir que ela passe a morar definitivamente dentro de nós, transformando-se numa espécie de veneno que nos adoece de maneira incurável.
Uma outra dica que a Palavra de Deus nos dá, ao reconhecermos a raiva que carregamos conosco, é esta: “Lembra-te do teu fim e deixa de odiar” (Eclo 28,6). Tomar consciência de que um dia morreremos, que não levaremos nada deste mundo e que nos encontraremos com o Deus que retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta (cf. 2Cor 5,10), é um convite a não fazermos justiça por conta própria, mas deixarmos espaço para que a ira de Deus realize a verdadeira justiça (cf. Rm 12,19). Portanto, a nossa raiva deve ceder lugar à ira de Deus, que não deixa nada impune, que tudo julga com justiça.  

Depois da raiva, o perdão
Eis uma verdade bíblica que nos ajuda a fazer a necessária passagem da raiva para o perdão: “a ira do homem não é capaz de cumprir a justiça de Deus” (Tg 1,20). Se a raiva é necessária para nos defender da pessoa que nos causa uma injustiça; se a agressividade da raiva nos ajuda a arrancar de nós o punhal que nos atingiu, uma vez retirado o punhal é preciso dar um outro passo em vista da cura da nossa ferida: o perdão. Só o perdão cura. Mas no que consiste o perdão? De maneira alguma podemos confundi-lo com passividade, conformismo, covardia ou indiferença perante o mal que vemos ao nosso redor. Ao nos convidar ao perdão, Jesus não está nos incentivando a sermos avestruzes, que enfiam a cabeça na terra fingindo não ver a injustiça que nos atinge. Perdoar não significa fazer de conta que não houve dano, mas escolher enxergar a vida para além do dano que nos causaram. Se a mágoa ou o rancor nos mantém presos ao passado, o perdão nos lança para frente, nos convida a virar a página da vida e a permitir que ela volte a ter sentido para nós.
É preciso ter consciência disso: o perdão não é algo natural ou espontâneo em nós. Natural ou espontâneo é o ódio, a raiva, a mágoa. Quem luta para conseguir perdoar luta para superar aquilo que de mais primitivo o ser humano tem dentro de si: o desejo de vingança. Dizendo de outra forma, o perdão é uma espécie de “violência’ contra o nosso desejo de vingança, contra a nossa sede de uma justiça que seja imediata, e nós só nos disporemos a travar essa luta se tivermos a firme convicção de que o perdão é o único remédio para as feridas que os outros abriram em nós
Muitos são aqueles que tentam fugir da tarefa diária do perdão, alegando que só Deus pode perdoar; eles são apenas seres humanos e não têm esse “poder”. Porém, a parábola que Jesus contou deixa muito claro que nós não só podemos como também devemos perdoar porque já fomos infinitamente perdoados por Deus. Uma pessoa que decide não perdoar é alguém que está destruindo a ponte sobre a qual um dia terá que passar*. Todos nós erramos. Todos nós nos enganamos. Todos nós nos afogamos algumas vezes nas águas profundas da nossa raiva. Portanto, todos nós precisamos de perdão. E não nos esqueçamos de que, tão difícil quanto perdoar alguém que nos feriu é perdoar a nós mesmos, assim como perdoar a Deus, por Ele ter permitido que alguma injustiça nos atingisse. Neste sentido, não são poucos os cristãos que estão com a sua relação com Deus prejudicada porque não conseguem ou não aceitam perdoá-Lo...

Perdoar significa soltar o pescoço da outra pessoa
No filme A Cabana há uma cena magnífica, quando o pai, carregando em seus braços o corpo de sua filhinha assassinada, diz em pensamento ao assassino: “Eu perdoo você. Eu perdoo você”. Ele entrega o corpo de sua filhinha a Jesus, permitindo que ela finalmente seja enterrada. Esse pai só conseguiu fazer isso depois de ter dialogado com Deus e compreendido que perdoar aquele assassino significava entregá-lo a Deus, para que fosse por Ele redimido; perdoar não significava esquecer o que aquele assassino fez, mas apenas soltar o seu pescoço...
Portanto, solte suas mãos do pescoço da pessoa que lhe fez ou está lhe fazendo mal. Entregue-a a Deus, para que ela se depare com a consequência dos seus erros e possa ser redimida. Peça a Jesus para ajudar você a enterrar o que precisa ser enterrado, e assim você poderá voltar a se sentir vivo e reencontrar o sentido de querer estar vivo. O quanto depender de você, reconstrua a cada dia a ponte do perdão. Um dia você também precisará passar por ela.

* “Aquele que não perdoa destrói a ponte sobre a qual ele mesmo deve passar” (George Herbert)

Pe. Paulo Cezar Mazzi

2 comentários:

  1. Grata Pe. Paulo... Essa reflexão me ajudou muito! Incrível como a leitura de um texto,igualmente escrito sob a luz do Esp. Santo, pode transformar corações. O meu foi tocado neste exato momento... #gratidão.

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  2. Só mesmo vivendo verdadeiramente a oração do Pai Nosso e na intimidade com Deus é que torna possível largar o pescoço dos que nos ofendem, pois em nossa pequenez e com nosso orgulho ferido misturado com a raiva que sentimos fica muito difícil. Deus em sua infinita misericórdia nos ensinou esta oração que quando vivida sentimos uma felicidade infinda.Dificil é, mas não impossível, porque Deus refaz todas as coisas, principalmente os rumos de nosso coração.Feliz daqueles que conseguiram largar o pescoço daquele ou daqueles que lhe fizeram mal e mais ainda, largar o pescoço e puxar pro abraço. Só Deus mesmo!!! Paz e Bem.

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