quinta-feira, 21 de setembro de 2017

DEUS EMBARALHA NOSSO QUEBRA-CABEÇA

Missa do 25º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 55,6-9; Filipenses 1,20c-24.27a; Mateus 20,1-16a.

Vamos direto ao ponto: a quem Jesus quis se dirigir ao contar essa estranha parábola? Aos fariseus, que se consideravam justos e, portanto, merecedores de salvação, e que consideravam os pagãos pessoas injustas e, portanto, merecedoras de condenação. Eis a fala dos fariseus na parábola: “Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro” (Mt 20,12). O problema dos fariseus da época de Jesus, e de tantos de nós hoje, é a questão do mérito: achar que os outros não merecem ser salvos, não merecem ganhar uma diária, como nós, que trabalhamos o dia todo. Quando pensamos assim, nos esquecemos de uma verdade fundamental na Sagrada Escritura: Deus não nos salva porque merecemos, mas porque precisamos ser salvos; Ele escolheu nos salvar movido unicamente pelo Seu amor e não “pressionado” pelos nossos méritos.
“Tu os igualaste a nós” – isso de fato parece extremamente injusto. Mas, será que Deus não vê? Será que Ele não sabe distinguir quem é esforçado de quem é folgado, quem leva a vida a sério e quem empurra a vida com a barriga? Será mesmo que Deus nos trata a todos como se fôssemos farinha do mesmo saco? Certamente que não! Ao contar essa parábola, Jesus não está dizendo que, se depender de Deus, tudo acabará em pizza. O fato de o patrão encontrar pessoas desocupadas em diversos horários ao longo do dia e convidá-las a trabalharem na sua vinha lembra que cada um de nós tem a sua própria história de vida e o seu momento próprio de encontro com Deus: uns puderam conhecer a Deus na infância; outros, somente na adolescência; outros conheceram a Deus na juventude; outros ainda, na vida adulta, e outros, somente na velhice.
Não há dúvida de que o escândalo maior dessa parábola é o fato de que os trabalhadores que começaram o trabalho às cinco da tarde receberam a mesma diária daqueles que trabalharam o dia todo. O que Jesus quer nos ensinar com isso? Primeiro, Ele quer nos lembrar de que nunca é tarde para nos converter e produzir o fruto que Deus Pai nos pede. Aliás, este é o convite do profeta Isaías: “Buscai o Senhor, enquanto pode ser achado; invocai-o, enquanto ele está perto” (Is 55,6). Além disso, precisamos considerar que esses trabalhadores da última hora não eram culpados por não estarem trabalhando: se eles passaram o dia inteiro sem trabalhar é porque ninguém os contratou, e não porque eram folgados ou deram uma de “espertos”.
No fundo, essa parábola de Jesus embaralha as peças do nosso quebra-cabeça a respeito de Deus, convidando-nos a levar a sério o que o próprio Deus nos disse: “Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor. Estão meus caminhos tão acima dos vossos caminhos e meus pensamentos acima dos vossos pensamentos, quanto está o céu acima da terra” (Is 55,8-9). Jesus sabe que nós todos pensamos a vida a partir da lei do mercado, segundo a qual “o resultado é sempre proporcional ao investimento”. E nós achamos que essa é também a maneira de Deus agir: vincular a salvação segundo o mérito de cada pessoa. Ao frustrar as nossas expectativas em relação a Deus, Jesus está nos alertando que podemos estar muito enganados em relação àquilo que esperamos que Deus faça a nós ou, quem sabe, àqueles que consideramos não dignos de salvação. Deus é dom, não merecimento. Se o patrão, que nesta parábola representa Deus, pagou a todos igualmente sem considerar o tempo e o trabalho realizado, é porque “a salvação não é um pão obtido com suor do próprio rosto, mas dom do Pai aos seus filhos” (J. A. Pagola).
“Eu quero dar a este que foi contratado por último – que se tornou justo nas últimas horas da sua vida – o mesmo que dei a ti – que viveu como justo a vida toda” (citação livre de Mt 20,14). Em outras palavras, nós somos tratados por Deus não segundo a pequenez dos nossos méritos, mas segundo a grandeza do Seu amor para conosco. Deus escolheu ser amor para com todos – “O Senhor é muito bom para com todos, sua ternura abraça toda criatura” (Sl 145,9) – e Seu amor “não é para ser comprado o merecido, mas para ser acolhido com gratidão e alegria” (J. A. Pagola).
Jesus, ao contar essa parábola, alimentou a decepção dos fariseus em relação a ele, a mesma decepção que algumas pessoas da nossa Igreja hoje sentem em relação ao Papa Francisco: “Os bispos carreiristas estão decepcionados. A nomeação para uma cidade era só um passo para uma posição de maior prestígio... Agora, vem este Papa e convida os bispos ambiciosos e vaidosos a ter o cheiro das suas ovelhas... Que horror! Uma parte do clero também está decepcionada. Este clero sente-se perdido. Criado no estrito cumprimento da doutrina, indiferente ao povo de Deus, já não sabe o que fazer. Tem de recuperar um sentido de ‘humanidade’ que o escrupuloso cumprimento das normas da Igreja tinha atrofiado. Pensava que estava, como ‘sacerdote’, acima dos fiéis e, agora, este Papa convida-o a descer e a colocar-se ao serviço dos últimos... Decepcionados também estão os leigos... tradicionalistas superapegados ao passado. Para estes, o Papa é um traidor, a ruína da Igreja... Os mais entusiasmados com ele são os pobres, os marginalizados e invisíveis, e também aqueles cardeais, bispos, padres e leigos que, durante décadas, estiveram afastados por causa da fidelidade ao Evangelho, encarados com suspeita e perseguidos por causa da sua mania louca de ligar mais à Sagrada Escritura do que à tradição” (Alberto Maggi, Desilusão).
            Encerro esta reflexão com as sábias palavras do Pe. J. A. Pagola, a respeito do Evangelho de hoje: “Se alguém deseja como recompensa não o Senhor, mas a própria justiça, perdeu tempo e está se colocando fora da graça. Deseja o salário do próprio esforço, não o pão da graça. A este Deus responde: ‘Aquilo que você pretende ter como direito seu sou Eu mesmo, que por amor quero dar-me a todos’. Provavelmente, mais de um cristão se escandalizará ainda hoje ao ouvir falar de um Deus a quem o Direito Canônico não obriga, que pode doar sua graça sem passar por nenhum dos sete sacramentos e salvar, inclusive, fora da Igreja, homens e mulheres que nós consideramos perdidos”.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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