sexta-feira, 25 de agosto de 2017

AUTORIDADES DESAUTORIZADAS

Missa do 21º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 22,19-23; Romanos 11,33-36; Mateus 16,13-20

            A pergunta provocadora: Quem é Jesus para mim?

            Quando procuramos um médico, um psicólogo, um diretor espiritual ou um amigo para uma consulta ou uma conversa, normalmente o fazemos porque estamos em busca de respostas para os nossos problemas e inquietações. Mas, para surpresa nossa, a pessoa que nos escuta, ao invés de nos dar respostas nos faz perguntas, perguntas que, de uma certa forma, devolvem o problema a nós mesmos; perguntas que, na verdade, nos devolvem a nós mesmos porque nos fazem confrontar-nos com aquilo que precisamos ser confrontados, se queremos encontrar a saída para determinado problema.
            No campo da fé não é muito diferente. Nós procuramos por Jesus em busca de respostas, mas Ele nos coloca perguntas, perguntas que nos ajudam a repensar a nossa vida, a nossa fé e a nossa visão de Deus; perguntas que nos incomodam, nos provocam e nos desinstalam da nossa “zona de conforto”. Aliás, não é só Jesus que nos faz perguntas. Quando pensamos em nossa ação pastoral como Igreja, percebemos um grande desafio: nós costumamos oferecer respostas às novas gerações, mas são respostas a perguntas que elas não nos fizeram – portanto, são respostas que não respondem. Enquanto isso, as novas gerações nos colocam perguntas para as quais não temos resposta, e não temos porque estamos viciados nas perguntas e nas respostas de ontem, uma vez que não queremos nos dar ao trabalho de nos deixar questionar pela realidade à nossa volta.  
No hoje da nossa vida, no preciso momento histórico pessoal e social que estamos vivendo, Jesus nos pergunta: “Quem eu sou para vocês?” O problema dessa pergunta é que ela não é respondida simplesmente com os lábios, com as palavras; a resposta a essa pergunta aparece nas atitudes do dia a dia. Se você perguntar, por exemplo, ao “anti-juiz” Gilmar Mendes, facilitador da manutenção da corrupção praticada por inúmeros políticos e empresários em nosso país, se ele acredita que Jesus é o Filho de Deus, muito provavelmente dirá que sim. Se você fizer essa mesma pergunta a tantos traficantes, policiais corruptos, líderes de facções criminosas e deputados das bancadas ruralista e evangélica no Congresso – os quais têm votado projetos que atentam contra o meio ambiente, colocam o Brasil à venda e reforçam a impunidade frente aos crimes praticados pelos eles mesmos –, você obterá a mesma resposta: eles também acreditam que Jesus é o Filho de Deus. No entanto, as atitudes deles são opostas ao que Jesus ensina no Evangelho.
O que precisa ficar claro é que a nossa resposta à pergunta de Jesus pode ser encontrada verdadeiramente na maneira como nos comportamos no dia a dia. Em outras palavras, a imagem que temos de Jesus influencia diretamente a maneira como nos posicionamos diante dos desafios que a vida nos apresenta, a maneira como rezamos e como realizamos/participamos das nossas celebrações, a maneira como nos posicionamos diante da política, da pobreza, da violência, das injustiças sociais, da corrupção, de questões como aborto, eutanásia, sexualidade, identidade de gênero etc. Neste sentido, precisamos ter a coragem de admitir que o Jesus em quem dizemos ter fé pouco ou nada tem a ver com o Jesus bíblico, o Jesus dos Evangelhos; ele é apenas uma adaptação espiritual para a nossa fé, uma fé sempre mais reduzida a um ritual de autoajuda, com pouca incidência social.   
Pedro, apesar de toda a sua fragilidade e ambiguidade humanas, expressou a firmeza da sua fé, ao responder à pergunta de Jesus, uma firmeza comparada à rocha, pelo próprio Jesus. Essa firmeza de Pedro contrasta com a nossa época, onde tudo se tornou “líquido”, porque as pessoas não acreditam mais em algo sólido, firme, estável. Elas vivam numa constante insegurança. Por isso, é necessário que nós, cristãos, estejamos apoiados firmemente em nossa fé em Jesus, para podermos ser também um ponto de apoio firme, sólido, para as pessoas. E assim como Pedro recebeu a missão de “ligar e desligar”, nós também precisamos ajudar as pessoas a se “ligarem” ao verdadeiro Jesus Cristo e a se desligarem ou desprenderem de imagens falsificadas/distorcidas/superficiais de Jesus, próprias de uma espiritualidade alicerçada na areia de superstições ou de devoções, distante da rocha sólida dos Evangelhos.

O problema das autoridades desautorizadas

Jesus conferiu a Pedro a autoridade sobre sua Igreja, uma autoridade chamada a se “converter” a cada dia em “serviço” em favor da fé dos seus irmãos: “Quando você se converter, confirme seus irmãos na fé” (Lc 22,32). Essa mesma imagem da autoridade apareceu no texto do profeta Isaías: “ele será um pai... Eu o farei portar aos ombros a chave da casa de Davi; ele abrirá, e ninguém poderá fechar; ele fechará, e ninguém poderá abrir. Hei de fixá-lo como estaca em lugar seguro...” (Is 22,21-23). Como está sendo exercida hoje a autoridade na família, no trabalho, na política, nas mais diversas igrejas e religiões?
Constata-se um vazio de autoridade em nosso mundo: o que temos atualmente são caricaturas de autoridade, como Trump (EUA), Putin (Rússia) e Nicolás Maduro (Venezuela). No Brasil, somos (des)governados por autoridades desautorizadas, porque corrompidas pela ganância do dinheiro. Em nossa Igreja, temos a bênção de sermos governados atualmente pelo Papa Francisco, um homem autorizado a falar do Evangelho porque, antes de ser papa, cardeal, bispo e padre, procurou primeiramente ser cristão, e é assim que procura viver até hoje. Contudo, embora também tenhamos muitos bispos e padres que ainda se esforçam em pautar a vida pelo Evangelho, experimentamos hoje uma séria crise de autoridade moral e espiritual em nossa Igreja: padres e bispos amantes do dinheiro, do luxo e da vida boa; homens que, apesar de terem frequentemente uma postura autoritária em relação aos seus fiéis, estão moral e espiritualmente desautorizados a falar de Deus, porque a maneira como vivem durante a semana contradiz o que pregam nas missas aos domingos.
A leitura profeta Isaías nos oferece um bom exame de consciência quanto à maneira de se exercer a autoridade: todo líder religioso é chamado a ser uma estaca fixada em lugar seguro, um homem com um mínimo de autenticidade para conduzir as pessoas a uma fé mais consistente, e não um “caniço agitado pelo vento”, um homem cuja chave da vida afetiva facilmente é entregue às mãos de terceiros e cuja chave da vida financeira está confiada às mãos da ganância e da desonestidade. O texto bíblico é muito claro: assim como aconteceu com Sobna, toda pessoa que se corrompe ou que se torna relapsa no exercício da sua autoridade será destituída por Deus de seu “cargo”, no devido tempo (cf. Is 22,19).
            Hoje é o dia dos catequistas. Eles compõem o grupo mais importante de trabalho em nossas paróquias, pois deles depende a transmissão da fé para as novas gerações. Hoje queremos não só agradecer a Deus pela vocação de cada catequista, mas também pedir que eles sejam revestidos da força do alto, da autoridade de Deus, do poder do Espírito Santo, para ajudarem as novas gerações a se confrontarem com as perguntas necessárias para o seu crescimento e aperfeiçoamento humano e espiritual. Que nossos catequizandos encontrem nos seus catequistas uma estaca fixada em lugar seguro, uma referência firme para a sua fé e para a sua experiência de Jesus Cristo como Filho do Deus vivo e salvador de todo aquele que tem fé.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

PESSOAS DE VONTADE FRACA NÃO EXPERIMENTAM O CÉU

    Missa da Assunção de Nossa Senhora. Palavra de Deus: Apocalipse 11,19a;12,1-6a.10ab; 1Coríntios 15,20-26.28; Lucas 1,39-56.  

            Ao enviar seu Filho para nos salvar, Deus Pai formou-lhe um corpo (cf. Hb 10,5), e esse corpo foi formado, tecido, gerado dentro de um outro corpo, o corpo de Maria. Ora, uma vez que o corpo de Maria se tornou o primeiro sacrário, o “lugar” sagrado onde foi gerado “o Santo, o Filho de Deus” (cf. Lc 1,35), nossa Igreja professa a fé na elevação de Maria em corpo e alma ao céu após a sua morte como sinal de consideração da parte de Deus para com o corpo de Maria, o “lugar” onde se deu a encarnação de Seu Filho como salvador da humanidade.
Essa declaração de fé, por parte da nossa Igreja, na elevação de Maria em corpo e alma ao céu, nos fala do quanto o nosso corpo é sagrado para Deus, e isso contrasta com aquilo que vemos hoje: o corpo humano agredido pela violência, profanado pelo erotismo, exposto – devido a muitas injustiças sociais – à fome, à dor e ao sofrimento, explorado pela ganância do mercado, desprezado quando perde a beleza e o vigor, atacado por doenças, jogado ao mar por traficantes de pessoas, arruinado pela bebida, pelo cigarro e outras drogas etc.
            A elevação de Nossa Senhora em corpo e alma ao céu nos ensina, primeiramente, que precisamos recuperar o valor, a sacralidade do corpo humano, tendo atitudes que favoreçam o cuidado, a proteção e a preservação da vida e da dignidade das pessoas, sobretudo daquelas que estão mais expostas às injustiças sociais. Nós não podemos ser indiferentes aos corpos definhados pelo crack que diariamente cruzam as ruas das nossas cidades, como se aquilo que não nos dissesse respeito. Nós, seres humanos, somos membros deste grande corpo que é a humanidade: “se um membro sofre, todos os outros devem compartilhar seu sofrimento” (cf. 1Cor 12,26); se um membro é agredido, violentado, desrespeitado por algum tipo de injustiça, todos devem sentir essa dor e posicionar-se ativamente contra ela.   
Mas a Festa de hoje nos traz uma outra indicação importante. O destino de Maria é o destino de todo ser humano: ser elevado até Deus. No sentido existencial e espiritual, podemos entender a elevação de Maria ao céu como a necessidade de orientarmos a nossa vida pelo ideal de alcançarmos o céu, isto é, de alcançarmos a salvação, nossa e da humanidade. Neste sentido, são muito oportunas as palavras do Pe. W. C. Viana, quando afirma que “mover os pés na direção de um ideal não é papel da inteligência, mas da vontade”. Isso significa que aquilo que nos empurra para baixo e nos derrota como pessoas não é o fato de podermos ter uma inteligência fraca, mas sim uma vontade fraca. Tanto Jesus, quanto Maria e os Santos sempre foram pessoas que procuraram exercitar a sua vontade e torná-la forte, decidida na direção do ideal a que foram chamados. Pessoas de vontade fraca não se elevam, não experimentam o céu, não alcançam seus ideais; pelo contrário, empurram a si mesmas para baixo, enterram-se, distanciam-se do céu, abandonando seu ideal mais sagrado.     
A celebração de hoje é uma boa oportunidade de nos tornar conscientes de que Deus não nos quer “rasteiros”, pessoas que, por preguiça e comodismo, desistem de crescer, de ser melhores e de tornar melhor o mundo à sua volta, pessoas que se habituam a nivelar tudo por baixo, a fazer o mínimo e também a aceitar o mínimo, a viver na mediocridade e a serem tratadas de maneira medíocre pelos péssimos políticos e pelos fracos líderes que temos hoje. Deus nos quer elevados e não rebaixados, saudáveis e não adoecidos, capazes de pensar e decidir, e não sendo pensados e decididos por guias cegos, por homens injustos e corrompidos. Deus nos quer pessoas ativas e não passivas, sujeitas da sua história e não vítimas daquilo que lhes acontece; pessoas capazes de exercitar não somente o corpo, mas também a mente, por meio da leitura e da reflexão; enfim, pessoas que aprendam a ir além da reação emocional frente aos acontecimentos, dando-se ao trabalho de refletir sobre o quê os acontecimentos estão nos dizendo sobre nós mesmos, sobre o nosso presente e sobre o nosso futuro.
                Hoje nós também estamos celebrando o encerramento da Semana da Família. Embora cada vez mais as famílias estejam delegando para as escolas, para a mídia e para a rua/o mundo a “educação” dos seus filhos, nós sabemos perfeitamente que “educação vem do berço”. Como afirma o Papa Francisco na Amoris Laetitia, “a educação integral dos filhos é um direito essencial e insubstituível que (os pais) estão chamados a defender e que ninguém deveria pretender tirar-lhes. A escola não substitui os pais; serve-lhes de complemento” (n.84). “Os pais necessitam também da escola para assegurar uma instrução de base aos seus filhos, mas a formação moral deles nunca a podem delegar totalmente” (n.263). “O fortalecimento da vontade e a repetição de determinadas ações constroem a conduta moral” (n.266).
A família precisa se tornar o lugar onde um ajude o outro a exercitar a sua vontade como capacidade de tomar posição diante daquilo que lhe acontece. Nós, cristãos, igrejas, educadores, pensadores, líderes, médicos, psicólogos, formadores de opinião, precisamos conscientizar pais e filhos da importância de ajudarem-se mutuamente a se tornarem pessoas determinadas, capazes de enfrentar com uma vontade decidida os problemas que possam surgir. Famílias com vontade fraca serão sempre jogadas para baixo e arrastadas para o fracasso. Numa época onde as pessoas querem tudo, menos aquilo que deveriam querer, aquilo que são chamadas a desejar e pelo qual lutar – o céu – que possamos ajudar as famílias a reencontrarem os verdadeiros valores e a educarem a própria vontade para alcançarem o céu como sinônimo da realização, do bem e da felicidade que Deus quer para todo ser humano.

P.S. Como foi realizada a Semana da Família em nossas comunidades? Quais famílias foram “contempladas” com as atividades que realizamos? Quais famílias não conseguimos atingir, seja por falta de “material” humano, seja por causa de uma visão pastoral fechada, habituada a cuidar das famílias convencionais e desinteressada ou desencorajada de se fazer próxima de famílias “não-convencionais”, daquelas que estão “fora” das normas da Igreja e até mesmo do ideal proposto por Deus na Sagrada Escritura?
As seguintes palavras do Papa Francisco valem por si só como autocrítica na maneira como nos colocamos pastoralmente junto das famílias: “Quero assinalar a situação das famílias caídas na miséria, penalizadas de tantas maneiras, onde as limitações da vida se fazem sentir de forma lancinante... Nas situações difíceis em que vivem as pessoas mais necessitadas, a Igreja deve pôr um cuidado especial em compreender, consolar e integrar, evitando impor-lhes um conjunto de normas como se fossem uma rocha, tendo como resultado fazê-las sentir-se julgadas e abandonadas precisamente por aquela Mãe que é chamada a levar-lhes a misericórdia de Deus” (Amoris Laetitia, n.49). “Compreendo aqueles que preferem uma pastoral mais rígida, que não dê lugar a confusão alguma; mas creio sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao mesmo tempo que expressa claramente a sua doutrina objetiva, não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada... Jesus espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente entrar em contato com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura” (Amoris Laetitia, n.308).

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

AQUILO QUE TE DESAFIA É TAMBÉM AQUILO QUE TE TRANSFORMA

Missa do 19º. dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 19,9a.11-13; Romanos 9,1-5; Mateus 14,22-33.

            A vida é como um imenso oceano, e ninguém atravessa o oceano da vida sem ter que lidar com algum tipo de tempestade. Embora a nossa tendência natural seja fugir de problemas, desviar de tempestades, o Evangelho de hoje nos convida a ser realistas e a tomar consciência de que Jesus veio ao mundo não para impedir que as tempestades nos atinjam, mas para nos ajudar a lidar com elas, a atravessá-las e a prosseguir a nossa travessia neste mundo.
            Hoje celebramos o dia dos pais e a abertura da Semana Nacional da Família. Quais tempestades o pai ou as famílias enfrentam hoje? Em algumas famílias, a tempestade é a própria ausência do pai – ele está preso, ou foi morto, ou nunca se fez presente. Em outras famílias, a tempestade é a presença nociva do pai alcoólatra, viciado em droga, violento etc. E não são poucas as tempestades que atravessam a alma do pai: o desemprego, o salário cada vez mais diminuído, a constante ameaça de perda do emprego, o medo de não conseguir educar os filhos ou mantê-los longe das drogas, a angústia em relação ao futuro, a constante exposição à violência etc.
            Jesus se fez presente na hora mais sombria da noite – às três da manhã – quando seus discípulos estavam atormentados de medo por causa da tempestade. Nós, padres e cristãos em geral, nos esforçamos em nos fazer presentes junto das pessoas que se encontram no meio de uma tempestade? Um padre, um católico, um cristão que não tem essa preocupação em estar junto de quem enfrenta uma tempestade torna-se uma pessoa insignificante para a sociedade, para o mundo. Não é à toa que alguns de nós insistimos em recorrer a vestes e a liturgias ultrapassadas para tentar combater a nossa insignificância perante o mundo de hoje, uma insignificância provocada e alimentada por nós mesmos. O Evangelho de hoje é muito claro: o lugar da Igreja de Jesus Cristo, o lugar de quem quer que deseje ser reconhecido como discípulo de Jesus Cristo, é junto das pessoas que estão enfrentando tempestades como a doença, o luto, o desemprego, a violência, a fome, as drogas, a depressão, a angústia, o medo, a falta de sentido etc.
            O encontro do profeta Elias com Deus no Horeb é um convite a pensar no relacionamento que os homens de hoje têm com Deus. O pai atual ainda é um homem que procura por Deus? Assim como Elias, o pai (ou a pessoa) que hoje quiser encontrar-se com Deus precisa atravessar o vento impetuoso da sua raiva (ou das suas emoções), lidar com o terremoto, isto é, com o abalo das suas certezas humanas, dialogar com o fogo da sua ira (ou das suas paixões), até encontrar-se com o silêncio do seu próprio coração, até sentir a brisa leve da escuta de si mesmo, onde ali habita Deus.
            A ausência do pai não é algo que marca apenas a maior parte das famílias brasileiras; ela também se faz sentir sempre mais em nossas igrejas. Antes de culparmos tantos homens pelo seu (aparente) desinteresse pela Igreja, é muito mais necessário e honesto da nossa parte perguntar a nós mesmos se a nossa linguagem sobre Deus chega ao coração das pessoas de hoje, especialmente dos homens. Se cada vez menos homens se identificam com a nossa Igreja, não é também porque a nossa postura como Igreja não lhes diz nada? Não é também porque nossas comunidades têm um rosto cada vez mais feminino e pouco masculino? O que dizer, por exemplo, de certas vestes adotadas para as equipes de liturgia, vestes de caráter feminino, que acabam por afastar os homens da proclamação da Palavra? O que dizer de tantos padres efeminados, que ao invés de se paramentarem de maneira sóbria para a celebração, se travestem com pompa e circunstância, com suas rendas e seus fios dourados, portando-se de maneira pouco ou nada masculina nas celebrações? Se os homens de hoje fossem pessoas naturalmente desinteressadas por Deus, nós não os veríamos cada vez mais cruzando as ruas das nossas cidades para irem a outras igrejas.
            Ainda uma palavra precisa ser dita em relação às tempestades que enfrentamos na vida. “Deus respondeu a Jó, do meio da tempestade” (Jó 38,1). Assim como fez com Jó, Deus também fala conosco “do meio” das nossas tempestades. O que Ele pode estar falando com você, neste momento? O que Deus pode estar querendo te dizer no meio da tempestade pela qual você passa agora? Do meio da tempestade, Jesus disse aos discípulos: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14,27). “Sou eu”; ‘Eu estou aqui, com você!’ “Sou eu!” ‘Sou teu Salvador, teu Senhor, teu Redentor! Coragem! Não seja uma pessoa fraca na fé. Fortaleça-se na fé! Enfrente o que você precisa enfrentar! Aprenda com a adversidade. Compreenda que aquilo que te desafia é também aquilo que te transforma! Quem não enfrenta desafios não cresce, não amadurece, mas permanece infantil, fraco e imaturo diante da vida. Todo desafio é também uma oportunidade para você se transformar numa pessoa melhor’.
            Por fim, uma pequena advertência. Deus disse ao povo de Israel: “Porque semeiam vento, colherão tempestade!” (Os 8,7). Existem tempestades que surgem em nossa vida por responsabilidade nossa, por causa de atitudes erradas, injustas, equivocadas. Por isso, antes de reclamarmos das tempestades que enfrentamos, procuremos perceber se temos alguma responsabilidade naquilo que está nos acontecendo e se, por acaso, não somos aquele tipo de pessoa que tem mania de fazer tempestade em copo d’água, dramatizando tudo.
Rezemos por nossas famílias e, em especial, pelos pais:


        (Oceanos – onde meus pés podem falhar – Mariana Ava) 


Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

CONFIGURAR-SE A CRISTO: UMA TAREFA PARA TODA A VIDA

Missa da Transfiguração do Senhor. Palavra de Deus: Daniel 7,9-10.13-14; 2Pedro 1,16-19; Mateus 17,1-9.    

            Com o tempo, a ação do sol desfigura a pintura das casas e dos edifícios. Não muito diferente, também em nós a ação do tempo nos desfigura estética, física e mentalmente. A maneira como muitas pessoas atuam na natureza tem feito com que esta seja desfigurada. No final do ano passado, o Congresso Nacional desfigurou totalmente as 10 medidas contra a corrupção. A violência desfigura a vida das nossas cidades. Mas a violência nasce de uma outra desfiguração: a desigualdade social, produzida pela má distribuição de renda e pela falta de vontade/seriedade política em nosso país. As drogas, especialmente o crack, desfiguram rapidamente a vida de inúmeras pessoas. Sabemos também que, no Brasil, o Executivo, o Legislativo e boa parte do Judiciário encontram-se desfigurados pela corrupção.
            Os exemplos de desfiguração, além de serem muitos, têm tornado a nossa realidade escura, triste, sombria. Mas, justamente nesse contexto de escuridão, de desfiguração, hoje nós olhamos para nosso Senhor Jesus transfigurado, cujo rosto brilha como o sol e cujas vestes estão brancas como a luz (cf. Mt 17,2). Assim como ele quis que três discípulos seus testemunhassem sua transfiguração, assim ele quer que nós tenhamos o seu Evangelho “como lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o dia e levantar-se a estrela da manhã em vossos corações” (1Pd 1,19). Jesus nos convida a não permitir que o mundo apague a nossa luz, que as dificuldades que possamos enfrentar e as injustiças que possamos sofrer, ainda que nos desfigurem fisicamente, não desfigurem a nossa fé, a nossa alegria, a nossa esperança, os nossos sonhos.
Nós precisamos ter uma reação positiva diante da desfiguração que existe à nossa volta. Para isso, o Pai nos fala da importância de ouvirmos seu Filho: “Pedro ainda estava falando, quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra. E da nuvem uma voz dizia: 'Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo meu agrado. Escutai-o!'” (Mt 17,5). Se é verdade que nós diariamente nos deparamos com situações de desfiguração, situações que parecem escurecer tudo à nossa volta, precisamos buscar a presença de Deus na oração, permitir que a “nuvem luminosa” da sua presença nos envolva, certos de que “as montanhas se derretem como cera ante a face do Senhor de toda a terra” (Sl 96,5). Portanto, diante do Deus que é luz, toda sombra, toda escuridão, toda desfiguração se desfazem; tudo é transfigurado.
Vivenciando a experiência da transfiguração, Pedro disse: “Senhor, é bom ficarmos aqui” (Mt 17,4). Todos nós precisamos de momentos de transfiguração, mas não podemos nos iludir quanto a isso: assim como aconteceu com Jesus, a transfiguração não é um estado permanente em nós; há momentos em que nos sentimos transfigurados e há momentos em que estamos desfigurados. Mais importante do que desejarmos estar o tempo todo transfigurados, é nos darmos conta daquelas atitudes que colaboram para a transfiguração ou para a desfiguração. Colabora para a nossa transfiguração o diálogo, o encontro, o perdão, a reconciliação, sinceridade, a verdade, a oração, o contato com a Palavra de Deus que nos reanima. Por outro lado, colabora com a nossa desfiguração o isolamento, a separação, o distanciamento, a mentira, a falsidade, a falta de oração, o afastamento nosso em relação à Palavra de Deus.
            Uma outra forma de entender o significado da transfiguração de Jesus para a nossa vida é nos tornar conscientes de que somos chamados por Deus a nos configurar a seu Filho Jesus: “Pois aqueles que Deus contemplou com seu amor desde sempre, a esses ele predestinou a serem conformes à imagem de seu Filho” (Rm 8,29). O nosso contato diário com o Evangelho deve nos ajudar a buscar continuamente a nossa configuração com Jesus, conscientes de que essa configuração é uma tarefa que dura a vida toda, pois sempre teremos algo desfigurado em nós e que precisa ser transfigurado. Aqui podem nos ajudar as palavras do Irmão Roger Schutz: “Viva aquilo que você entendeu do Evangelho. Por menor que seja, viva-o!” Na medida em que nos esforçamos por viver aquilo que aprendemos do Evangelho, vamos nos configurando sempre mais a Jesus Cristo.    
A transfiguração é a nossa lenta transformação em Cristo. Há momentos em que nos parecemos mais com Jesus, assim como há momentos em que nos distanciamos da configuração com ele. Precisamos ter paciência, colaborar com a graça de Deus e retomar a cada dia o nosso ideal, a vocação para a qual fomos chamados. A oração e a meditação diária do Evangelho, a comunhão com a Eucaristia, a frequência ao sacramento da reconciliação e, sobretudo, o contato com os pobres, com as pessoas desfiguradas pelas injustiças sociais, vão operando em nós essa lenta transformação em Cristo, em pessoas transfiguradas e capazes de transfigurar o ambiente em que nos encontramos. Também neste sentido, hoje, 06 de agosto, somos convidados a orar intensamente pelos cristãos perseguidos no mundo, especialmente no Oriente Médio.
Neste primeiro final de semana de agosto, mês vocacional, rezamos pelos padres e pelas vocações sacerdotais. Assim como acontece com outras instituições, também a nossa Igreja tem sido desfigurada pelas atitudes de alguns padres, seja na forma como conduzem sua afetividade, seja na forma como lidam com um dinheiro que não lhes pertencem e ao qual deveriam administrar de maneira honesta e justa. O padre, mais do que qualquer outra pessoa, é chamado a configurar-se a Cristo e a ser uma presença de transfiguração no seio da Igreja e da sociedade humana. Rezemos pela conversão daqueles que estão se desfigurando no seu ministério e pela perseverança daqueles que têm lutado por configurar-se a Jesus Cristo, colaborando assim com a transfiguração da própria Igreja.

Pe. Paulo Cezar Mazzi