sexta-feira, 18 de agosto de 2017

PESSOAS DE VONTADE FRACA NÃO EXPERIMENTAM O CÉU

    Missa da Assunção de Nossa Senhora. Palavra de Deus: Apocalipse 11,19a;12,1-6a.10ab; 1Coríntios 15,20-26.28; Lucas 1,39-56.  

            Ao enviar seu Filho para nos salvar, Deus Pai formou-lhe um corpo (cf. Hb 10,5), e esse corpo foi formado, tecido, gerado dentro de um outro corpo, o corpo de Maria. Ora, uma vez que o corpo de Maria se tornou o primeiro sacrário, o “lugar” sagrado onde foi gerado “o Santo, o Filho de Deus” (cf. Lc 1,35), nossa Igreja professa a fé na elevação de Maria em corpo e alma ao céu após a sua morte como sinal de consideração da parte de Deus para com o corpo de Maria, o “lugar” onde se deu a encarnação de Seu Filho como salvador da humanidade.
Essa declaração de fé, por parte da nossa Igreja, na elevação de Maria em corpo e alma ao céu, nos fala do quanto o nosso corpo é sagrado para Deus, e isso contrasta com aquilo que vemos hoje: o corpo humano agredido pela violência, profanado pelo erotismo, exposto – devido a muitas injustiças sociais – à fome, à dor e ao sofrimento, explorado pela ganância do mercado, desprezado quando perde a beleza e o vigor, atacado por doenças, jogado ao mar por traficantes de pessoas, arruinado pela bebida, pelo cigarro e outras drogas etc.
            A elevação de Nossa Senhora em corpo e alma ao céu nos ensina, primeiramente, que precisamos recuperar o valor, a sacralidade do corpo humano, tendo atitudes que favoreçam o cuidado, a proteção e a preservação da vida e da dignidade das pessoas, sobretudo daquelas que estão mais expostas às injustiças sociais. Nós não podemos ser indiferentes aos corpos definhados pelo crack que diariamente cruzam as ruas das nossas cidades, como se aquilo que não nos dissesse respeito. Nós, seres humanos, somos membros deste grande corpo que é a humanidade: “se um membro sofre, todos os outros devem compartilhar seu sofrimento” (cf. 1Cor 12,26); se um membro é agredido, violentado, desrespeitado por algum tipo de injustiça, todos devem sentir essa dor e posicionar-se ativamente contra ela.   
Mas a Festa de hoje nos traz uma outra indicação importante. O destino de Maria é o destino de todo ser humano: ser elevado até Deus. No sentido existencial e espiritual, podemos entender a elevação de Maria ao céu como a necessidade de orientarmos a nossa vida pelo ideal de alcançarmos o céu, isto é, de alcançarmos a salvação, nossa e da humanidade. Neste sentido, são muito oportunas as palavras do Pe. W. C. Viana, quando afirma que “mover os pés na direção de um ideal não é papel da inteligência, mas da vontade”. Isso significa que aquilo que nos empurra para baixo e nos derrota como pessoas não é o fato de podermos ter uma inteligência fraca, mas sim uma vontade fraca. Tanto Jesus, quanto Maria e os Santos sempre foram pessoas que procuraram exercitar a sua vontade e torná-la forte, decidida na direção do ideal a que foram chamados. Pessoas de vontade fraca não se elevam, não experimentam o céu, não alcançam seus ideais; pelo contrário, empurram a si mesmas para baixo, enterram-se, distanciam-se do céu, abandonando seu ideal mais sagrado.     
A celebração de hoje é uma boa oportunidade de nos tornar conscientes de que Deus não nos quer “rasteiros”, pessoas que, por preguiça e comodismo, desistem de crescer, de ser melhores e de tornar melhor o mundo à sua volta, pessoas que se habituam a nivelar tudo por baixo, a fazer o mínimo e também a aceitar o mínimo, a viver na mediocridade e a serem tratadas de maneira medíocre pelos péssimos políticos e pelos fracos líderes que temos hoje. Deus nos quer elevados e não rebaixados, saudáveis e não adoecidos, capazes de pensar e decidir, e não sendo pensados e decididos por guias cegos, por homens injustos e corrompidos. Deus nos quer pessoas ativas e não passivas, sujeitas da sua história e não vítimas daquilo que lhes acontece; pessoas capazes de exercitar não somente o corpo, mas também a mente, por meio da leitura e da reflexão; enfim, pessoas que aprendam a ir além da reação emocional frente aos acontecimentos, dando-se ao trabalho de refletir sobre o quê os acontecimentos estão nos dizendo sobre nós mesmos, sobre o nosso presente e sobre o nosso futuro.
                Hoje nós também estamos celebrando o encerramento da Semana da Família. Embora cada vez mais as famílias estejam delegando para as escolas, para a mídia e para a rua/o mundo a “educação” dos seus filhos, nós sabemos perfeitamente que “educação vem do berço”. Como afirma o Papa Francisco na Amoris Laetitia, “a educação integral dos filhos é um direito essencial e insubstituível que (os pais) estão chamados a defender e que ninguém deveria pretender tirar-lhes. A escola não substitui os pais; serve-lhes de complemento” (n.84). “Os pais necessitam também da escola para assegurar uma instrução de base aos seus filhos, mas a formação moral deles nunca a podem delegar totalmente” (n.263). “O fortalecimento da vontade e a repetição de determinadas ações constroem a conduta moral” (n.266).
A família precisa se tornar o lugar onde um ajude o outro a exercitar a sua vontade como capacidade de tomar posição diante daquilo que lhe acontece. Nós, cristãos, igrejas, educadores, pensadores, líderes, médicos, psicólogos, formadores de opinião, precisamos conscientizar pais e filhos da importância de ajudarem-se mutuamente a se tornarem pessoas determinadas, capazes de enfrentar com uma vontade decidida os problemas que possam surgir. Famílias com vontade fraca serão sempre jogadas para baixo e arrastadas para o fracasso. Numa época onde as pessoas querem tudo, menos aquilo que deveriam querer, aquilo que são chamadas a desejar e pelo qual lutar – o céu – que possamos ajudar as famílias a reencontrarem os verdadeiros valores e a educarem a própria vontade para alcançarem o céu como sinônimo da realização, do bem e da felicidade que Deus quer para todo ser humano.

P.S. Como foi realizada a Semana da Família em nossas comunidades? Quais famílias foram “contempladas” com as atividades que realizamos? Quais famílias não conseguimos atingir, seja por falta de “material” humano, seja por causa de uma visão pastoral fechada, habituada a cuidar das famílias convencionais e desinteressada ou desencorajada de se fazer próxima de famílias “não-convencionais”, daquelas que estão “fora” das normas da Igreja e até mesmo do ideal proposto por Deus na Sagrada Escritura?
As seguintes palavras do Papa Francisco valem por si só como autocrítica na maneira como nos colocamos pastoralmente junto das famílias: “Quero assinalar a situação das famílias caídas na miséria, penalizadas de tantas maneiras, onde as limitações da vida se fazem sentir de forma lancinante... Nas situações difíceis em que vivem as pessoas mais necessitadas, a Igreja deve pôr um cuidado especial em compreender, consolar e integrar, evitando impor-lhes um conjunto de normas como se fossem uma rocha, tendo como resultado fazê-las sentir-se julgadas e abandonadas precisamente por aquela Mãe que é chamada a levar-lhes a misericórdia de Deus” (Amoris Laetitia, n.49). “Compreendo aqueles que preferem uma pastoral mais rígida, que não dê lugar a confusão alguma; mas creio sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao mesmo tempo que expressa claramente a sua doutrina objetiva, não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada... Jesus espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente entrar em contato com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura” (Amoris Laetitia, n.308).

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

Nenhum comentário:

Postar um comentário