Missa
da Assunção de Nossa Senhora. Palavra de Deus: Apocalipse 11,19a;12,1-6a.10ab;
1Coríntios 15,20-26.28; Lucas 1,39-56.
Ao enviar seu Filho para nos salvar,
Deus Pai formou-lhe um corpo (cf. Hb 10,5), e esse corpo foi formado, tecido,
gerado dentro de um outro corpo, o corpo de Maria. Ora, uma vez que o corpo de
Maria se tornou o primeiro sacrário, o “lugar” sagrado onde foi gerado “o
Santo, o Filho de Deus” (cf. Lc 1,35), nossa Igreja professa a fé na elevação
de Maria em corpo e alma ao céu após a sua morte como sinal de consideração da
parte de Deus para com o corpo de Maria, o “lugar” onde se deu a encarnação de
Seu Filho como salvador da humanidade.
Essa
declaração de fé, por parte da nossa Igreja, na elevação de Maria em corpo e
alma ao céu, nos fala do quanto o nosso corpo é sagrado para Deus, e isso
contrasta com aquilo que vemos hoje: o corpo humano agredido pela violência,
profanado pelo erotismo, exposto – devido a muitas injustiças sociais – à fome,
à dor e ao sofrimento, explorado pela ganância do mercado, desprezado quando
perde a beleza e o vigor, atacado por doenças, jogado ao mar por traficantes de
pessoas, arruinado pela bebida, pelo cigarro e outras drogas etc.
A elevação de Nossa Senhora em corpo
e alma ao céu nos ensina, primeiramente, que precisamos recuperar o valor, a
sacralidade do corpo humano, tendo atitudes que favoreçam o cuidado, a proteção
e a preservação da vida e da dignidade das pessoas, sobretudo daquelas que
estão mais expostas às injustiças sociais. Nós não podemos ser indiferentes aos
corpos definhados pelo crack que diariamente cruzam as ruas das nossas cidades,
como se aquilo que não nos dissesse respeito. Nós, seres humanos, somos membros
deste grande corpo que é a humanidade: “se um membro sofre, todos os outros devem
compartilhar seu sofrimento” (cf. 1Cor 12,26); se um membro é agredido,
violentado, desrespeitado por algum tipo de injustiça, todos devem sentir essa
dor e posicionar-se ativamente contra ela.
Mas
a Festa de hoje nos traz uma outra indicação importante. O destino de Maria é o
destino de todo ser humano: ser elevado até Deus. No sentido existencial e
espiritual, podemos entender a elevação de Maria ao céu como a necessidade de
orientarmos a nossa vida pelo ideal de alcançarmos o céu, isto é, de alcançarmos
a salvação, nossa e da humanidade. Neste sentido, são muito oportunas as
palavras do Pe. W. C. Viana, quando afirma que “mover os pés na direção de um ideal não é papel da inteligência, mas
da vontade”. Isso significa que aquilo que nos empurra para baixo e nos
derrota como pessoas não é o fato de podermos ter uma inteligência fraca, mas
sim uma vontade fraca. Tanto Jesus, quanto Maria e os Santos sempre
foram pessoas que procuraram exercitar a sua vontade e torná-la forte, decidida
na direção do ideal a que foram chamados. Pessoas
de vontade fraca não se elevam, não experimentam o céu, não alcançam seus
ideais; pelo contrário, empurram a si mesmas para baixo, enterram-se,
distanciam-se do céu, abandonando seu ideal mais sagrado.
A
celebração de hoje é uma boa oportunidade de nos tornar conscientes de que Deus
não nos quer “rasteiros”, pessoas que, por preguiça e comodismo, desistem de
crescer, de ser melhores e de tornar melhor o mundo à sua volta, pessoas que se
habituam a nivelar tudo por baixo, a fazer o mínimo e também a aceitar o mínimo,
a viver na mediocridade e a serem tratadas de maneira medíocre pelos péssimos
políticos e pelos fracos líderes que temos hoje. Deus nos quer elevados e não rebaixados, saudáveis e não adoecidos,
capazes de pensar e decidir, e não sendo
pensados e decididos por guias cegos, por homens injustos e corrompidos. Deus
nos quer pessoas ativas e não passivas, sujeitas da sua história e não vítimas
daquilo que lhes acontece; pessoas capazes de exercitar não somente o corpo,
mas também a mente, por meio da leitura e da reflexão; enfim, pessoas que
aprendam a ir além da reação emocional frente aos acontecimentos, dando-se ao
trabalho de refletir sobre o quê os acontecimentos estão nos dizendo sobre nós mesmos,
sobre o nosso presente e sobre o nosso futuro.
Hoje nós também estamos celebrando o
encerramento da Semana da Família. Embora cada vez mais as famílias estejam
delegando para as escolas, para a mídia e para a rua/o mundo a “educação” dos
seus filhos, nós sabemos perfeitamente que “educação vem do berço”. Como afirma
o Papa Francisco na Amoris Laetitia, “a educação integral dos filhos é um
direito essencial e insubstituível que (os pais) estão chamados a defender e
que ninguém deveria pretender tirar-lhes. A escola não substitui os pais;
serve-lhes de complemento” (n.84). “Os pais necessitam também da escola para
assegurar uma instrução de base aos seus filhos, mas a formação moral deles nunca
a podem delegar totalmente” (n.263). “O fortalecimento da vontade e a repetição
de determinadas ações constroem a conduta moral” (n.266).
A
família precisa se tornar o lugar onde um ajude o outro a exercitar a sua vontade como capacidade de tomar posição diante daquilo
que lhe acontece. Nós, cristãos, igrejas, educadores, pensadores, líderes,
médicos, psicólogos, formadores de opinião, precisamos conscientizar pais e
filhos da importância de ajudarem-se mutuamente a se tornarem pessoas determinadas, capazes de enfrentar
com uma vontade decidida os problemas que possam surgir. Famílias com
vontade fraca serão sempre jogadas para baixo e arrastadas para o fracasso. Numa
época onde as pessoas querem tudo, menos aquilo que deveriam querer, aquilo que
são chamadas a desejar e pelo qual lutar – o céu – que possamos ajudar as
famílias a reencontrarem os verdadeiros valores e a educarem a própria vontade
para alcançarem o céu como sinônimo da realização, do bem e da felicidade que
Deus quer para todo ser humano.
P.S.
Como foi realizada a Semana da Família em nossas comunidades? Quais famílias
foram “contempladas” com as atividades que realizamos? Quais famílias não
conseguimos atingir, seja por falta de “material” humano, seja por causa de uma
visão pastoral fechada, habituada a cuidar das famílias convencionais e
desinteressada ou desencorajada de se fazer próxima de famílias “não-convencionais”,
daquelas que estão “fora” das normas da Igreja e até mesmo do ideal proposto
por Deus na Sagrada Escritura?
As
seguintes palavras do Papa Francisco valem por si só como autocrítica na
maneira como nos colocamos pastoralmente junto das famílias: “Quero assinalar a situação das famílias
caídas na miséria, penalizadas de tantas maneiras, onde as limitações da vida
se fazem sentir de forma lancinante... Nas situações difíceis em que vivem as
pessoas mais necessitadas, a Igreja deve pôr um cuidado especial em
compreender, consolar e integrar, evitando impor-lhes um conjunto de normas
como se fossem uma rocha, tendo como resultado fazê-las sentir-se julgadas e
abandonadas precisamente por aquela Mãe que é chamada a levar-lhes a
misericórdia de Deus” (Amoris Laetitia, n.49). “Compreendo aqueles que preferem
uma pastoral mais rígida, que não dê lugar a confusão alguma; mas creio
sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito
derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao mesmo tempo que expressa
claramente a sua doutrina objetiva, não renuncia ao bem possível, ainda que
corra o risco de sujar-se com a lama da estrada... Jesus espera que renunciemos
a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que permitem manter-nos à
distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente entrar em
contato com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura” (Amoris
Laetitia, n.308).
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