Missa
do 5º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 6,1-7; 1Pedro 2,4-9;
João 14,1-12.
Na
última quarta-feira (10/05), os seminaristas de Ribeirão Preto fizeram uma
experiência de convivência no Seminário com 10 crianças e adolescentes, os
quais se encontram numa espécie de “casa de proteção” em Brodowski (SP),
afastados temporariamente de suas casas porque seus pais ou não podem cuidar
deles/protegê-los, ou se tornaram fonte de ameaça física e emocional para os
próprios filhos. Junto dessas crianças e adolescentes estava o que eles chamam
de “mãe da casa”, ou seja, uma mulher que faz o papel de “mãe social” para os
mesmos.
Como
é que a nossa sociedade chegou a este ponto de ter que “afastar” filhos de seus
pais porque estes se tornaram uma ameaça para os próprios filhos? Como é que
crianças e adolescentes precisam ser retirados da própria casa porque ali se
corre risco? Mas, não é esse o retrato do nosso mundo atual, onde inúmeras
pessoas procuram por uma casa, por um lar; onde tantas pessoas se sentem órfãs,
necessitadas de acolhida e de proteção? Num tempo em que há fragilização da
paternidade e da maternidade em tantas famílias, especialmente nas mais
expostas à pobreza, à violência e à injustiça social, quem de nós estaria
disposto a assumir o papel de “pai social” ou de “mãe social”?
Durante a sua vida terrena, Jesus
foi para os discípulos uma espécie de “pai social”. Mas agora ele começa a
preparar o coração dos discípulos para a sua partida, para o seu retorno ao
Pai, e percebe o quanto o coração deles está aflito, perturbado. Na verdade,
todo discípulo de Jesus experimenta dentro de si o pulsar de um coração
perturbado, e as causas dessa perturbação são basicamente duas: os constantes
ataques de um mundo que se opõe à mensagem do Evangelho e a sensação de que
Jesus está ausente.
Em nosso tempo, a coisa mais comum é
encontrar pessoas com o coração perturbado: como já mencionado acima, existem crianças
e adolescentes perturbados pela desestruturação familiar; homens e mulheres perturbados
pelo desemprego ou pela ameaça do mesmo; inúmeras famílias perturbadas pela
dependência química; em países do Oriente Médio, existem cristãos perturbados
pela perseguição religiosa; o mundo vive perturbado pelo terrorismo etc. Ou
seja, hoje sobram motivos para estarmos perturbados...
Por isso, são muito atuais as
palavras de Jesus: “Tenham fé em mim”. Dizendo com outras palavras: ‘Apoiem-se
em mim. Sintam-se protegidos e amparados por mim. Olhem para a maneira como eu
enfrentei o mundo e aprendam a enfrentá-lo também. Não se fechem no medo e não
vivam retraídos diante da realidade. Não permitam que a tristeza ou o
pessimismo envenenem o coração de vocês’. E, para revigorar a nossa fé, Jesus
diz: “Na casa de meu Pai há muitas moradas... Vou preparar um lugar para vós, e
quando eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim
de que onde eu estiver estejais também vós” (Jo 14,2-3).
Jesus entende a “casa” como lugar de
pertença. Portanto, ao nos garantir um lugar na casa de seu Pai, Jesus está
dizendo a cada um de nós: ‘Eu sei que você nem sempre encontra um lugar neste
mundo, no qual só há lugar para quem é esperto, ágil, ganancioso e ambicioso;
para quem tem dinheiro, poder, influência, padrinhos, quem indica etc. Eu sei que
nos tempos atuais você convive cada vez mais com pessoas que escolheram ser
“predadoras sociais”, ao invés de “pais/mães sociais”, mas lembre-se de que você
é filho e não escravo: “O escravo não vive para sempre na casa, mas o filho
sim” (citação livre de Jo 8,35). Você tem o seu lugar na casa, isto é, no
coração do Pai. Quero, portanto, que você passe pelo mundo como eu passei, como
verdadeiro filho, jamais como órfão, muito menos como escravo, escravo da mentira,
da desorientação e das falsas moradias! Assuma o seu papel de filho(a);
torne-se “pai/mãe social” das pessoas que foram expulsas de suas casas por
causa da injustiça ou da doença social; torne-se “pai/mãe social” das pessoas
que precisam saber que são filhas e que têm um lugar no coração do meu Pai’.
O mesmo Jesus, que nos pede para
confiar/crer n’Ele, pede também para permanecermos n’Ele como caminho que
conduz ao Pai: “(...) vós conheceis o caminho... Eu sou o Caminho, a Verdade e
a Vida” (Jo 14,4.6). “Vós conheceis o caminho...”. É verdade. Nós muitas vezes
conhecemos o caminho que nos faz voltar a ser fiéis, justos e santos, mas
nem sempre queremos trilhar esse caminho... Nós preferimos procurar atalhos,
remendos, pedaços de verdade que não exijam de nós o abandono total e
definitivo das nossas mentiras...
Caminho
é sinônimo de orientação. Nós aceitamos realmente nos orientar por Jesus,
ajustando o nosso comportamento ao seu? Nós permitimos que a sua Verdade
devolva convicção ao nosso coração, aos valores que abraçamos como ideal de
vida, ou queremos continuar protelando decisões que devemos tomar, por meio das
constantes perguntas que, embora já tenham sido respondidas pela voz de Jesus
em nossa consciência, preferimos seguir pela vida procurando por outras
respostas, mais convenientes ao nosso desejo de não mudar o que precisamos
mudar? Nós desejamos ser vivificados por Jesus, que é a Vida, ou para nós
bastam rápidas e breves receitas de “sobrevivência”, ainda que não nos permitam
experimentar uma vida autêntica e plena?
Para encerrar esta reflexão, eis uma
saudável provocação de Santo Agostinho: Jesus, o Caminho, “te conduz a Ele
mesmo. Não procures por onde ir fora d’Ele. Se Ele não tivesse querido ser
caminho, sempre andaríamos extraviados. Ele se fez, pois, caminho, por onde ir.
Portanto não te direi: Busca o caminho. O caminho mesmo é quem vem a ti.
Levanta-te e anda! Anda com a conduta, não com os pés. Muitos andam bem com os
pés e mal com a conduta. E inclusive os que andam bem, mas fora do caminho.
Correm, mas não pelo caminho, e quanto mais andam, mais se extraviam, pois se
afastam mais do caminho…Sem dúvida, é preferível ir pelo caminho, embora
mancando, do que ir fora do caminho” (Sobre o evangelho de São João,
XIII).
Por fim, neste “dia das mães”, dedicamos
nossa gratidão e nossa oração a todas as mulheres que se tornaram “casa”,
ajudando seus filhos a crescerem na consciência de pertença a Deus. Nossa
oração especialmente a todas as mães que, por diversos motivos, se tornaram
ameaça para seus filhos, mães cuja casa deixou de ser sinônimo de proteção, de
afeto e de acolhida. Por fim, nossa admiração e incentivo a todos aqueles que,
numa sociedade marcada por tantos tipos de orfandade, abraçaram o belo desafio
de se tornarem “pais e mães sociais”.
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