quinta-feira, 11 de maio de 2017

ANDE PELO CAMINHO COM A CONDUTA, NÃO COM OS PÉS

Missa do 5º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 6,1-7; 1Pedro 2,4-9; João 14,1-12.

Na última quarta-feira (10/05), os seminaristas de Ribeirão Preto fizeram uma experiência de convivência no Seminário com 10 crianças e adolescentes, os quais se encontram numa espécie de “casa de proteção” em Brodowski (SP), afastados temporariamente de suas casas porque seus pais ou não podem cuidar deles/protegê-los, ou se tornaram fonte de ameaça física e emocional para os próprios filhos. Junto dessas crianças e adolescentes estava o que eles chamam de “mãe da casa”, ou seja, uma mulher que faz o papel de “mãe social” para os mesmos.
Como é que a nossa sociedade chegou a este ponto de ter que “afastar” filhos de seus pais porque estes se tornaram uma ameaça para os próprios filhos? Como é que crianças e adolescentes precisam ser retirados da própria casa porque ali se corre risco? Mas, não é esse o retrato do nosso mundo atual, onde inúmeras pessoas procuram por uma casa, por um lar; onde tantas pessoas se sentem órfãs, necessitadas de acolhida e de proteção? Num tempo em que há fragilização da paternidade e da maternidade em tantas famílias, especialmente nas mais expostas à pobreza, à violência e à injustiça social, quem de nós estaria disposto a assumir o papel de “pai social” ou de “mãe social”?
            Durante a sua vida terrena, Jesus foi para os discípulos uma espécie de “pai social”. Mas agora ele começa a preparar o coração dos discípulos para a sua partida, para o seu retorno ao Pai, e percebe o quanto o coração deles está aflito, perturbado. Na verdade, todo discípulo de Jesus experimenta dentro de si o pulsar de um coração perturbado, e as causas dessa perturbação são basicamente duas: os constantes ataques de um mundo que se opõe à mensagem do Evangelho e a sensação de que Jesus está ausente.
            Em nosso tempo, a coisa mais comum é encontrar pessoas com o coração perturbado: como já mencionado acima, existem crianças e adolescentes perturbados pela desestruturação familiar; homens e mulheres perturbados pelo desemprego ou pela ameaça do mesmo; inúmeras famílias perturbadas pela dependência química; em países do Oriente Médio, existem cristãos perturbados pela perseguição religiosa; o mundo vive perturbado pelo terrorismo etc. Ou seja, hoje sobram motivos para estarmos perturbados...
            Por isso, são muito atuais as palavras de Jesus: “Tenham fé em mim”. Dizendo com outras palavras: ‘Apoiem-se em mim. Sintam-se protegidos e amparados por mim. Olhem para a maneira como eu enfrentei o mundo e aprendam a enfrentá-lo também. Não se fechem no medo e não vivam retraídos diante da realidade. Não permitam que a tristeza ou o pessimismo envenenem o coração de vocês’. E, para revigorar a nossa fé, Jesus diz: “Na casa de meu Pai há muitas moradas... Vou preparar um lugar para vós, e quando eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que onde eu estiver estejais também vós” (Jo 14,2-3).
            Jesus entende a “casa” como lugar de pertença. Portanto, ao nos garantir um lugar na casa de seu Pai, Jesus está dizendo a cada um de nós: ‘Eu sei que você nem sempre encontra um lugar neste mundo, no qual só há lugar para quem é esperto, ágil, ganancioso e ambicioso; para quem tem dinheiro, poder, influência, padrinhos, quem indica etc. Eu sei que nos tempos atuais você convive cada vez mais com pessoas que escolheram ser “predadoras sociais”, ao invés de “pais/mães sociais”, mas lembre-se de que você é filho e não escravo: “O escravo não vive para sempre na casa, mas o filho sim” (citação livre de Jo 8,35). Você tem o seu lugar na casa, isto é, no coração do Pai. Quero, portanto, que você passe pelo mundo como eu passei, como verdadeiro filho, jamais como órfão, muito menos como escravo, escravo da mentira, da desorientação e das falsas moradias! Assuma o seu papel de filho(a); torne-se “pai/mãe social” das pessoas que foram expulsas de suas casas por causa da injustiça ou da doença social; torne-se “pai/mãe social” das pessoas que precisam saber que são filhas e que têm um lugar no coração do meu Pai’.
            O mesmo Jesus, que nos pede para confiar/crer n’Ele, pede também para permanecermos n’Ele como caminho que conduz ao Pai: “(...) vós conheceis o caminho... Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,4.6). “Vós conheceis o caminho...”. É verdade. Nós muitas vezes conhecemos o caminho que nos faz voltar a ser fiéis, justos e santos, mas nem sempre queremos trilhar esse caminho... Nós preferimos procurar atalhos, remendos, pedaços de verdade que não exijam de nós o abandono total e definitivo das nossas mentiras...
Caminho é sinônimo de orientação. Nós aceitamos realmente nos orientar por Jesus, ajustando o nosso comportamento ao seu? Nós permitimos que a sua Verdade devolva convicção ao nosso coração, aos valores que abraçamos como ideal de vida, ou queremos continuar protelando decisões que devemos tomar, por meio das constantes perguntas que, embora já tenham sido respondidas pela voz de Jesus em nossa consciência, preferimos seguir pela vida procurando por outras respostas, mais convenientes ao nosso desejo de não mudar o que precisamos mudar? Nós desejamos ser vivificados por Jesus, que é a Vida, ou para nós bastam rápidas e breves receitas de “sobrevivência”, ainda que não nos permitam experimentar uma vida autêntica e plena?
            Para encerrar esta reflexão, eis uma saudável provocação de Santo Agostinho: Jesus, o Caminho, “te conduz a Ele mesmo. Não procures por onde ir fora d’Ele. Se Ele não tivesse querido ser caminho, sempre andaríamos extraviados. Ele se fez, pois, caminho, por onde ir. Portanto não te direi: Busca o caminho. O caminho mesmo é quem vem a ti. Levanta-te e anda! Anda com a conduta, não com os pés. Muitos andam bem com os pés e mal com a conduta. E inclusive os que andam bem, mas fora do caminho. Correm, mas não pelo caminho, e quanto mais andam, mais se extraviam, pois se afastam mais do caminho…Sem dúvida, é preferível ir pelo caminho, embora mancando, do que ir fora do caminho” (Sobre o evangelho de São João, XIII).
            Por fim, neste “dia das mães”, dedicamos nossa gratidão e nossa oração a todas as mulheres que se tornaram “casa”, ajudando seus filhos a crescerem na consciência de pertença a Deus. Nossa oração especialmente a todas as mães que, por diversos motivos, se tornaram ameaça para seus filhos, mães cuja casa deixou de ser sinônimo de proteção, de afeto e de acolhida. Por fim, nossa admiração e incentivo a todos aqueles que, numa sociedade marcada por tantos tipos de orfandade, abraçaram o belo desafio de se tornarem “pais e mães sociais”.

                                                   Pe. Paulo Cezar Mazzi

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