sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

É MEU INIMIGO OU É MEU IRMÃO?

Missa do 7º. dom. comum. Palavra de Deus: Levítico 19,1-2.17-18; 1Coríntios 3,16-23; Mateus 5,38-48.

            Todos os dias nós vemos e sentimos os efeitos da agressão: o Governo nos agride como povo brasileiro, dificultando que a Justiça puna os políticos corruptos; inúmeras empresas continuam a agredir o meio ambiente; alguns líderes agridem seus subordinados por meio de humilhações e ameaças; alunos agridem seus professores; filhos e pais se agridem mutuamente; por meio do contratestemunho, líderes religiosos agridem a fé dos seus fiéis; o fanatismo religioso agride inúmeras pessoas mundo afora... Como nós estamos lidando com a agressão nossa de cada dia?  
            Sempre que somos agredidos, seja em que sentido for, nosso instinto de defesa reage imediatamente, e a nossa resposta instintiva é “olho por olho, dente por dente”: chega de impunidade! Chega de tolerância! Chega de fazer papel de bobo! Já passou da hora de revidar, de dar o troco, de pagar com a mesma moeda, de fazer o outro beber do mesmo veneno que ele destila contra nós. No entanto, Jesus nos lança um desafio: “Eu, porém, vos digo: Não enfrenteis quem é malvado!” (Mt 5,39). “Não enfrentar” significa “não revidar”, não usar as mesmas armas do mal para combatê-lo. “Não enfrentar” significa não permitir que a pessoa que te agride determine a tua reação para com ela.
            Jesus não é a favor da impunidade, muito menos da passividade perante o mal. O mal que existe dentro de nós e em nossa sociedade precisa ser combatido, mas combatido com inteligência, firmeza, determinação e sabedoria. A agressão é uma bomba que precisa ser desarmada. Além disso, Jesus quer nos lembrar de que toda pessoa que nos agride e nos fere foi antes agredida e ferida por alguém. Por isso, não tem sentido cuidar de uma ferida abrindo uma ferida ainda maior naquele que nos fere. A agressão é um grito, um pedido de ajuda de alguém que, ou foi profundamente ferido na sua necessidade de ser amado, ou nunca soube o que significado ser amado. Não se luta contra o mal quando se destrói as pessoas. Deve-se combater o mal, mas sem buscar a destruição do adversário.  
            As orientações que o Senhor nos dá hoje, do tipo “não tenha no coração ódio contra seu irmão”, “não procure vingança, nem guarde rancor”, “ame teu próximo”, “ame teu inimigo e reze por quem te persegue”, todas elas têm um único motivo: “Sejam santos porque eu, o Senhor Deus de vocês, sou santo” (Lv 19,2). O que a santidade de Deus tem a ver com a raiva ou a ira que sentimos quando somos agredidos por alguém? Deixemos o próprio Senhor nos responder: “Não executarei o ardor de minha ira,... porque eu sou Deus e não um homem, eu sou santo no meio de ti” (Os 11,9). A santidade do nosso Deus manifesta-se pela Sua misericórdia que perdoa, ao passo que nós, seres humanos, costumamos dar livre curso à nossa ira.     
            Embora tenhamos sido criados à imagem e semelhança de Deus, há uma diferença muito grande entre a maneira como Deus lida com a ira e a maneira como nós lidamos. Deus sente ira, mas Ele tem, segundo a terminologia hebraica do Antigo Testamento, “um respiro longo”, isto é, Ele dialoga com o que sente e respira longamente, fazendo a Sua ira dissipar-se, ao invés de usá-la contra aquele que pecou. Nós, ao contrário, costumamos fazer duas coisas: ou explodimos em nossa ira, agredindo o nosso próximo, ou a implodimos dentro de nós, agredindo a nós mesmos. Precisamos aprender com Deus a “alongar o nosso pavio”, a “respirar longamente”, dissipando o nosso sentimento de ira de modo que, ao invés de agredir a pessoa que nos fez mal, tomemos a atitude de procurar corrigi-la com firmeza, mas também com mansidão.    
            Dois apelos da Palavra de Deus se tocam hoje: “Sejam santos porque eu, o Senhor Deus de vocês, sou santo” (Lv 19,2) e “Sejam perfeitos como o Pai de vocês que está no céu é perfeito” (Mt 5,48). Deus é Santo, no sentido de ser separado da realidade profana do mundo. Se não queremos perder a nossa identidade de filhos de Deus, precisamos aprender a nos separar (no sentido de “não compactuar com”) da violência, da intolerância e da agressividade que hoje marcam o cotidiano do nosso mundo. A santidade de Deus nos habita por meio do Espírito Santo, conforme ouvimos hoje do apóstolo Paulo: “Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá, pois o santuário de Deus é santo, e vós sois esse santuário” (1Cor 3,16-17). Não nos destruamos a nós mesmos e aos outros por meio do embrutecimento do nosso caráter.
            No final do Evangelho, Jesus nos convida a buscar a nossa perfeição como filhos de Deus. Essa perfeição não consiste numa vida sem falhas, sem pecado ou sem retrocesso, mas numa vida que vai se abrindo diariamente à graça de Deus, de modo que a obra que Ele começou em nós possa chegar aos poucos à sua conclusão. Aprendamos a enxergar a humanidade como o nosso Pai celeste a enxerga. “Deus derrama o sol e a chuva sobre todos porque reconhece a todos como filhos, na esperança de alguém que O reconheça como Pai e aceite os outros como irmãos. Deus não tem inimigos; tem filhos, os quais estão na minha vida para que eu os ame como irmãos” (J.A. Pagola).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

2 comentários:

  1. Muito significativa essa reflexão...
    Obrigada Pe. Paulo, pela unção e sensatez em abordar assuntos tão importantes! A clareza de suas palavras traz luz ao meu viver.
    Abraço fraterno! Deus te abençoe...

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  2. na juventude queremos vingança Na maturidade queremos paz nada como a idade da sabedoria para alcançarmos o plano que Deus espera de os

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