quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

RELACIONAR-SE OU ISOLAR-SE?

Missa do 6º. dom. comum. Eclesiástico 15,16-21; 1Coríntios 2,6-10; Mateus 5,17-37.

            Uma das grandes características do nosso tempo é o individualismo: cada um por si, cada um fechado em si, voltado unicamente para os seus interesses pessoais. Essa atitude faz com que nós olhemos para as pessoas não como elas são, mas como nós gostaríamos que elas fossem; não por aquilo que elas são como seres humanos, mas por aquilo que podemos lucrar, ganhar ou saborear com elas. Consequentemente, na medida em que a pessoa não corresponde às nossas expectativas ou não preenche mais as nossas necessidades, nós a descartamos, excluindo-a da nossa rede particular de relacionamentos. 
A verdade é que ninguém vive só. Mesmo que eu não queira me relacionar com pessoa alguma, eu não sobrevivo sozinho. Basta considerar, por exemplo, que o alimento que me mantém vivo só chegou a mim porque passou pelas mãos de outras pessoas... A verdade é que a vida supõe relação, convivência, e, com exceção do marido ou da esposa, do namorado ou da namorada, toda e qualquer outra pessoa que está presente em nossa vida não foi escolhida por nós, mas foi-nos dada para conviver. Contudo, se na maioria dos casos nós não escolhemos com quem conviver, sempre podemos escolher como conviver, como lidar com o outro.
“Diante de ti, Ele (Deus) colocou o fogo e a água; para o que quiseres, tu podes estender a mão. Diante do homem estão a vida e a morte, o bem e o mal; ele receberá aquilo que preferir” (Eclo 15,17-18). Se você não pode escolher como a outra pessoa vai tratá-lo, você sempre pode escolher como deseja tratá-la. Além disso, é importante lembrar que os outros tratam você como você permite. Portanto, ao invés de viver reclamando porque alguém te explora, pergunte-se porque você se deixa explorar pela pessoa...
Conviver, relacionar-se, significa ser afetado pelo outro. Toda pessoa com quem convivemos nos afeta, isto é, provoca em nós sentimentos ou de acolhida, ou de rejeição, ou de aproximação, ou de afastamento. Quando Jesus afirma que “todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo” (Mt 5,22), ele não está nos culpando pelo sentimento de raiva ou de cólera. Na verdade, nós não escolhemos sentir raiva ou cólera, mas a situação que estamos vivendo com tal pessoa pode desencadear em nós tal sentimento. O que Jesus está nos lembrando é que é nossa responsabilidade lidar com o que sentimos e não permitir que tal sentimento nos aprisione dentro dele e determine a nossa maneira de lidar com a pessoa; no caso, decidir excluí-la do nosso coração.
Consideremos o altar da nossa igreja: ele é o lugar onde se renova o sacrifício de Jesus por nós, o lugar onde Jesus continua nos amando até o fim, até o ponto de entregar seu Corpo e seu Sangue para fortalecer a nossa comunhão com as pessoas e curar as feridas dos nossos relacionamentos. Mas isso não se dá de maneira mágica, sem a nossa colaboração. Cabe a nós primeiro fazer o que está ao nosso alcance para nos reconciliar com o nosso irmão, para somente depois buscar a nossa comunhão com o Senhor (cf. Mt 5,23-24). Caso contrário, cada vez que nos aproximarmos do altar, o Senhor nos perguntará: “Onde está teu irmão?” (Gn 4,9). Como você está lidando com o seu ressentimento em relação a ele? Como você está usando a liberdade que Eu te dei de escolher entre construir ou destruir, fazer viver ou fazer morrer o relacionamento com tal pessoa?
No v.28, Jesus fala do olhar para a pessoa com o desejo de possuí-la. Os olhos são a janela ou a porta de entrada do nosso coração. Antes de a pessoa passar a habitar dentro de nós, ela é acolhida pelos nossos olhos. Mas a questão é: como vemos as pessoas? Nós enxergamos os outros como seres humanos ou como objetos para o nosso consumo particular, para o nosso lucro, para o nosso interesse momentâneo, ou ainda, para as nossas fantasias sexuais? Tudo aquilo que vemos, automaticamente provoca em nós um sentimento: “me atrai”, ou “não me atrai”, ou ainda “me é indiferente”. Quando nos sentimos atraídos por alguém, isto não é escolhido por nós. De novo é preciso lembrar: eu não escolho o que sentir, mas escolho como lidar com o que estou sentindo.
Outra característica dos tempos modernos é a infantilização das emoções. Embora sejamos adultos e racionais, nós nos deixamos arrastar por nossas emoções como crianças que fazem birra, se jogam no chão ou ficam agressivas sempre que suas vontades não são satisfeitas. Deixando de lado a nossa consciência, passamos a nos mover na vida unicamente pelo critério “isso me satisfaz”, “isso me agrada”, não nos dando ao trabalho de questionar: “isso me convém?”, “isso convém ao meu relacionamento, ao meu estado de vida, à minha salvação?”. O que Jesus está nos propondo é amadurecer afetivamente; colocar em diálogo nosso coração com a nossa consciência; nossas emoções, instintos e desejos com a nossa razão.  
“Se o teu olho direito é para ti ocasião de pecado, arranca-o e joga-o para longe de ti! De fato, é melhor perder um de teus membros, do que todo o teu corpo ser jogado no inferno” (Mt 5,29). Não existe crescimento sem poda. Quem nunca diz não a si mesmo e aos seus desejos, quem nunca se nega uma experiência de prazer, quem sempre quer ganhar tudo, experimentar tudo, gozar tudo será sempre uma pessoa emocionalmente infantilizada, e uma pessoa emocionalmente infantilizada é alguém incapaz de fidelidade, incapaz de constância e de seriedade, incapaz de administrar uma casa, uma família, incapaz de amadurecer num relacionamento.   
 “... o Espírito esquadrinha tudo, mesmo as profundezas de Deus” (1Cor 2,10). Deixemos o Espírito de Deus esquadrinhar nossa consciência e nosso coração, nossos pensamentos e sentimentos, nossos instintos e desejos mais escondidos. Peçamos que Ele cure as feridas dos nossos relacionamentos, nos ajudando a derrubar muros e construir pontes, purificando o nosso olhar, de modo que possamos nos ver uns aos outros como partes do mistério de Deus, como pessoas que carregam o Sagrado dentro de si, pessoas que valem por aquilo que são e não por aquilo que podem servir aos interesses de alguém. Enfim, que o Espírito do Senhor nos auxilie a atingir a consciência da nossa liberdade interior não só diante do que os nossos olhos captam no mundo exterior, mas, sobretudo, diante dos afetos do nosso mundo interior, muitos deles ainda incompreensíveis para nós mesmos.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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