Missa do 6º.
dom. comum. Eclesiástico 15,16-21; 1Coríntios 2,6-10; Mateus 5,17-37.
Uma das grandes características do
nosso tempo é o individualismo: cada um por si, cada um fechado em si, voltado unicamente
para os seus interesses pessoais. Essa atitude faz com que nós olhemos para as
pessoas não como elas são, mas como nós gostaríamos que elas fossem; não por aquilo
que elas são como seres humanos, mas por aquilo que podemos lucrar, ganhar ou
saborear com elas. Consequentemente, na medida em que a pessoa não corresponde
às nossas expectativas ou não preenche mais as nossas necessidades, nós a
descartamos, excluindo-a da nossa rede particular de relacionamentos.
A
verdade é que ninguém vive só. Mesmo que eu não queira me relacionar com pessoa
alguma, eu não sobrevivo sozinho. Basta considerar, por exemplo, que o alimento
que me mantém vivo só chegou a mim porque passou pelas mãos de outras
pessoas... A verdade é que a vida supõe relação, convivência, e, com exceção do
marido ou da esposa, do namorado ou da namorada, toda e qualquer outra pessoa
que está presente em nossa vida não foi
escolhida por nós, mas foi-nos dada para conviver. Contudo, se na maioria
dos casos nós não escolhemos com quem conviver, sempre podemos escolher como conviver, como lidar com o outro.
“Diante
de ti, Ele (Deus) colocou o fogo e a água; para o que quiseres, tu podes
estender a mão. Diante do homem estão a vida e a morte, o bem e o mal; ele
receberá aquilo que preferir” (Eclo 15,17-18). Se você não pode escolher como a
outra pessoa vai tratá-lo, você sempre pode escolher como deseja tratá-la. Além
disso, é importante lembrar que os outros
tratam você como você permite. Portanto, ao invés de viver reclamando
porque alguém te explora, pergunte-se porque você se deixa explorar pela
pessoa...
Conviver,
relacionar-se, significa ser afetado pelo outro. Toda pessoa com quem
convivemos nos afeta, isto é, provoca em nós sentimentos ou de acolhida, ou de
rejeição, ou de aproximação, ou de afastamento. Quando Jesus afirma que “todo
aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo” (Mt 5,22), ele não
está nos culpando pelo sentimento de raiva ou de cólera. Na verdade, nós não
escolhemos sentir raiva ou cólera, mas a situação que estamos vivendo com tal
pessoa pode desencadear em nós tal sentimento. O que Jesus está nos lembrando é
que é nossa responsabilidade lidar com o
que sentimos e não permitir que tal sentimento nos aprisione dentro dele e
determine a nossa maneira de lidar com a pessoa; no caso, decidir excluí-la do
nosso coração.
Consideremos
o altar da nossa igreja: ele é o lugar onde se renova o sacrifício de Jesus por
nós, o lugar onde Jesus continua nos amando até o fim, até o ponto de entregar
seu Corpo e seu Sangue para fortalecer a nossa comunhão com as pessoas e curar
as feridas dos nossos relacionamentos. Mas isso não se dá de maneira mágica, sem
a nossa colaboração. Cabe a nós primeiro fazer o que está ao nosso alcance para
nos reconciliar com o nosso irmão, para somente depois buscar a nossa comunhão
com o Senhor (cf. Mt 5,23-24). Caso contrário, cada vez que nos aproximarmos do
altar, o Senhor nos perguntará: “Onde está teu irmão?” (Gn 4,9). Como você está
lidando com o seu ressentimento em relação a ele? Como você está usando a
liberdade que Eu te dei de escolher entre construir ou destruir, fazer viver ou
fazer morrer o relacionamento com tal pessoa?
No
v.28, Jesus fala do olhar para a pessoa com o desejo de possuí-la. Os olhos são
a janela ou a porta de entrada do nosso coração. Antes de a pessoa passar a
habitar dentro de nós, ela é acolhida pelos nossos olhos. Mas a questão é: como
vemos as pessoas? Nós enxergamos os outros como seres humanos ou como objetos
para o nosso consumo particular, para o nosso lucro, para o nosso interesse
momentâneo, ou ainda, para as nossas fantasias sexuais? Tudo aquilo que vemos,
automaticamente provoca em nós um sentimento: “me atrai”, ou “não me atrai”, ou
ainda “me é indiferente”. Quando nos sentimos atraídos por alguém, isto não é
escolhido por nós. De novo é preciso lembrar: eu não escolho o que sentir, mas escolho como lidar com o que estou
sentindo.
Outra
característica dos tempos modernos é a infantilização das emoções. Embora
sejamos adultos e racionais, nós nos deixamos arrastar por nossas emoções como
crianças que fazem birra, se jogam no chão ou ficam agressivas sempre que suas
vontades não são satisfeitas. Deixando de lado a nossa consciência, passamos a
nos mover na vida unicamente pelo critério “isso me satisfaz”, “isso me
agrada”, não nos dando ao trabalho de questionar: “isso me convém?”, “isso
convém ao meu relacionamento, ao meu estado de vida, à minha salvação?”. O que
Jesus está nos propondo é amadurecer afetivamente; colocar em diálogo nosso
coração com a nossa consciência; nossas emoções, instintos e desejos com a
nossa razão.
“Se
o teu olho direito é para ti ocasião de pecado, arranca-o e joga-o para longe
de ti! De fato, é melhor perder um de teus membros, do que todo o teu corpo ser
jogado no inferno” (Mt 5,29). Não existe crescimento sem poda. Quem nunca diz
não a si mesmo e aos seus desejos, quem nunca se nega uma experiência de
prazer, quem sempre quer ganhar tudo, experimentar tudo, gozar tudo será sempre
uma pessoa emocionalmente infantilizada, e uma pessoa emocionalmente
infantilizada é alguém incapaz de fidelidade, incapaz de constância e de
seriedade, incapaz de administrar uma casa, uma família, incapaz de amadurecer
num relacionamento.
“... o Espírito esquadrinha tudo, mesmo as
profundezas de Deus” (1Cor 2,10). Deixemos o Espírito de Deus esquadrinhar
nossa consciência e nosso coração, nossos pensamentos e sentimentos, nossos
instintos e desejos mais escondidos. Peçamos que Ele cure as feridas dos nossos
relacionamentos, nos ajudando a derrubar muros e construir pontes, purificando
o nosso olhar, de modo que possamos nos ver uns aos outros como partes do
mistério de Deus, como pessoas que carregam o Sagrado dentro de si, pessoas que
valem por aquilo que são e não por aquilo que podem servir aos interesses de
alguém. Enfim, que o Espírito do Senhor nos auxilie a atingir a consciência da nossa
liberdade interior não só diante do que os nossos olhos captam no mundo
exterior, mas, sobretudo, diante dos afetos do nosso mundo interior, muitos
deles ainda incompreensíveis para nós mesmos.
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