Missa
do 6º. Dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos 15,1-2.22-29; Apocalipse
21,10-14.22-23; João 14,23-29.
Na maior parte do tempo, temos a
impressão de que a nossa vida funciona no “piloto automático”: ela se desenvolve
dentro de uma rotina; rotina que nós nem sempre escolhemos, mas que nos é “imposta”
pela realidade sócio-político-econômica – e por que não dizer também
“religiosa”? – na qual estamos inseridos. Ora, viver no “piloto automático” de
fato pode parecer mais fácil; no entanto, a vida nos surpreende com problemas e
desafios que exigem de nós escolhas, decisões e tomadas de atitude, as quais
nos obrigam a sair do “piloto automático” e assumir a responsabilidade que nos
cabe pela direção da nossa própria vida.
Um exemplo concreto: a Igreja de
Jerusalém, até então funcionando no “piloto automático” de levar o Evangelho
somente aos judeus, agora se vê “desorientada” com a conversão dos pagãos. E aí?
Ela – a Igreja – deveria impor aos pagãos certas práticas religiosas que eram
próprias dos judeus (circuncisão)? Buscando a orientação do Espírito Santo, os
apóstolos se reuniram e concluíram que não deveriam impor coisa alguma aos
pagãos, a não ser o essencial: manter-se fiéis ao Evangelho de Jesus Cristo.
Aqui temos uma luz importante: diante
de tantas propostas/opiniões, e de tantos conselhos/apelos que nos são
dirigidos diariamente, seja pelas pessoas, seja pela mídia, devemos orientar as
nossas escolhas/decisões/tomadas de atitude por aquilo que é essencial: o
Evangelho de Cristo. A nossa própria Igreja foi desafiada, desde a Conferência
de Aparecida (2007), a abandonar as suas “estruturas ultrapassadas” que não
estão mais ajudando as pessoas de hoje a terem um verdadeiro encontro com Jesus
Cristo (DAp, n.365). Estamos caminhando neste sentido? Nós, como Igreja ou
pessoalmente, estamos abertos aos apelos que o Espírito Santo nos tem feito nos
tempos atuais?
O livro do Apocalipse nos trouxe
hoje uma imagem da Igreja, prefigurada na Jerusalém celeste: ela tem doze
portas, sendo três para o norte, três para o sul, três para o leste e três para
o oeste, o que significa uma Igreja aberta a todos os povos – aberta para ir
aos outros, a todos os outros, e aberta para acolher a todos. No entanto, esta
acolhida só será efetiva, como nos mostrou a 1ª. leitura, se a preocupação
maior da Igreja for aproximar as pessoas de Deus, e não verificar em que medida
essas pessoas estão dentro das normas* da Igreja.
Jesus nos faz hoje uma confortadora promessa:
ele estará conosco e nos dará a sua assistência por meio do Espírito Santo.
Precisamos, como fizeram os apóstolos, pedir a orientação do Espírito Santo, a
fim de nos libertarmos das exigências de tantas orientações que nos mantém sob o
peso da culpa, do medo, da ignorância religiosa e da condenação diante de Deus,
e orientar a nossa vida para aquilo que é essencial, para aquilo que nos ajuda
a viver segundo o Evangelho ensinado por Jesus. Aliás, o próprio Jesus garantiu
que o Espírito Santo nos recordará e nos ajudará a compreender o seu Evangelho
no dia a dia da nossa vida.
Quando reorientamos a nossa vida
para o essencial, encontramos a paz que tanto procuramos e que o próprio Jesus
quer que tenhamos. Ele disse: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”**. A paz que
Jesus nos dá é Ele mesmo: “Ele é a nossa paz” (Ef 2,14). A paz de Jesus é a paz
de quem prometeu ficar e caminhar conosco todos os dias, assistindo-nos com o
seu Espírito. Então, verifique se o seu coração tem paz. Se não tem, é provável
que você esteja focando não naquilo que é essencial para a sua salvação, mas no
que é acidental, supérfluo e, portanto, totalmente desnecessário. Jogue isso
fora e volte a focar no essencial.
Por
fim, Jesus nos diz hoje: “Não se perturbe nem se intimide o vosso coração”. Um
coração perturbado e intimidado é um coração que se perde nas coisas urgentes,
supérfluas e acidentais da vida, ao invés de cuidar do essencial. Jesus quer
que você tenha um coração forte, animado pelo Espírito Santo e orientado pela
verdade do Evangelho. Além disso, na sua convivência com as pessoas, tente
perceber o quanto você perturba e intimida o coração delas por se prender a
tantos detalhes, picuinhas e minúcias desnecessárias, ao invés de olhar para
aquilo que é essencial na sua relação com elas.
*Obviamente,
a questão não é: ou as normas, ou a essência do Evangelho. A questão é: em que
medida esta ou aquela norma ajuda a viver segundo o Evangelho e em que medida
se distancia da sua essência.
**Na
última quinta-feira, os telejornais noticiaram um bombardeio num hospital da
Síria, fazendo 24 vítimas e ferindo tantas outras. Por trás desta guerra
absurda, que já dura cinco anos e matou até agora cerca de 500 mil civis, está
o jogo de poder entre Estados Unidos e Rússia. Isso mostra que os presidentes
desses dois países se distanciaram do essencial – a vida humana – e se perderam
atrás de detalhes como petróleo, dinheiro (esses dois países também lucram
muito com a venda de armas onde quer que existam guerras) etc.. Enquanto um
cinegrafista filmava a catástrofe humanitária em que se encontra a cidade de
Alepo, uma menina bem pequena que passava por ali, conduzida por uma mulher, olhou
para câmera e perguntou: “O que foi que nós fizemos?”...