quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

SUA EXISTÊNCIA DEVE FAZER ECOAR A PALAVRA COMO BOA NOTÍCIA

Missa do 3º. dom. comum. Palavra de deus: Neemias 8,2-4a.5-6.8-10; 1Coríntios 12,12-14.27; Lucas 1,1-4; 4,14-21.

           As leituras que acabamos de ouvir nos falam da força da Palavra de Deus na vida daquele que nela crê: a Palavra que devolve alegria e força ao coração humano (1ª. leitura), a Palavra que revela o lugar que cada um de nós ocupa no Corpo de Cristo, que é a Igreja, (2ª. leitura), a Palavra que nunca é mera repetição do passado, mas sempre tem algo a dizer para o “hoje” da nossa vida (Evangelho).
           O texto de Neemias serve de exame de consciência sobre a maneira como nos colocamos diante da Palavra, sobretudo quando a ouvimos na Igreja. A Palavra coloca em pé, isto é, levanta, tira da prostração aquele que a escuta. A Palavra faz você se inclinar e se prostrar não diante dos seus problemas ou das injustiças sociais, mas diante do Deus que é maior do que os problemas e as injustiças humanas. A Palavra questiona os motivos da nossa tristeza e nos devolve as razões da nossa alegria. Mas para isso, precisamos ouvir a Palavra com atenção e acolhê-la com o nosso “Amém!”, colocando nela a nossa fé, como quem finca uma estaca no chão. Lembremo-nos de que a palavra “Amém!” era no nome das estacas que Israel usava para fincar suas tendas no chão, enquanto peregrinava pelo deserto.     
           A carta de São Paulo nos mostra que a Palavra respeita a individualidade de cada um de nós, mas nos convida a trabalhar pela unidade do Corpo de Cristo, que é a Igreja. Um membro não pode dizer ao outro: “Não preciso de ti” (1Cor 12,21). Ninguém de nós é autossuficiente; precisamos uns dos outros. Além disso, é importante perceber como lidamos com as fraquezas que se encontram em nós mesmos e nos outros, pois “os membros do corpo que parecem mais fracos são muito mais necessários do que se pensa” (1Cor 12,22). Quando individual ou comunitariamente rejeitamos aquilo que é fraco, essa rejeição se volta contra nós. Uma comunidade, assim como qualquer pessoa, é saudável somente na medida em que reconhece, respeita, acolhe e se reconcilia com aquilo que nela é fraco. Por fim, a Palavra de Deus nos convida a desenvolvermos o cuidado de uns pelos outros: “os membros zelem (...) uns pelos outros. Se um membro sofre, todos sofrem com ele...” (1Cor 12,25-26). Isso significa desenvolver uma atitude de misericórdia uns para com os outros.
           Jesus é a Palavra que se fez carne, isto é, pessoa humana (cf. Jo 1,14). Por meio de Jesus, entendemos que a Palavra de Deus na verdade é uma Pessoa que fala conosco e que vem anunciar no “hoje” da nossa vida a salvação que vem de Deus. Por todo lugar onde andou, Jesus anunciou a Palavra de Deus como ela verdadeiramente é: uma boa notícia que devolve a alegria aos pobres, a libertação aos que estão presos e a visão aos que não conseguem enxergar, a Palavra que proclama “o ano da graça do Senhor” (Lc 4,19).
           Desde o dia 08 de dezembro, estamos vivendo em nossa Igreja o Ano Santo da Misericórdia, aberto pelo Papa Francisco, consciente de que “ninguém pode ser excluído da misericórdia de Deus”. Neste sentido, nós, Igreja, devemos nos tornar sempre mais “a casa que acolhe a todos e não recusa ninguém” (palavras do Papa Francisco). Para isso o Espírito Santo consagrou a cada um de nós, a fim de que a nossa vida seja um anúncio vivo da misericórdia do Pai para com todo ser humano; concretamente, para com aqueles com os quais nos encontramos no dia a dia.
           “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc 4,21). A Palavra de Deus, escrita “ontem” por homens e mulheres inspirados pelo Espírito de Deus, sempre tem algo a dizer para o “hoje” da nossa história pessoal e social. Cabe a você ouvi-la “hoje”. Cabe a você, a cada manhã, abrir o seu ouvido para que o Senhor possa falar ao seu coração e tornar você capaz de levar uma palavra de conforto a toda pessoa abatida que encontrar (cf. Is 50,4). Cabe a você tornar-se consciente de que, com a sua existência única neste mundo, você é também uma palavra única de Deus para aqueles que convivem com você no dia a dia.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A LAMA SE ALASTRA E MATA PORQUE A ÁGUA SANTIFICADA DO NOSSO BATISMO TEM JORRADO POUCO

Missa do Batismo do Senhor. Palavra de Deus: Isaías 42,1-4.6-7; 

Atos dos Apóstolos 10,34-38; Lucas 3,15-16.21-22.

A lama. “Faz tempo que a gente se acostumou com ela. Foi entrando na vida diária. Subindo pelas canelas até chegar ao pescoço. Rompeu barragem. Destruiu cidades. Poluiu rios. Impactou o ambiente. Matou gente. Tudo, agora, é lama... Tanta lama não se forma por acaso. Requer esforço (ou falta de). Vai embrutecendo sentidos, sentimentos e ideias. Vira descaso, desilusão, acomodação, negligencia impunidade. Invade corações e mentes. Corrompe a alma, enfim... O mar de lama começou na alma de cada um. Sem limpar a alma, não existe futuro possível. As almas estão poluídas, desencantadas. Antes de tomar a realidade de assalto, a lama invadiu a alma. Apodreceram valores, sonhos, ideias e ideais. Tornou almas desinteressadas, mesquinhas, enlameadas. Pequenas mesmo.  E se a alma é pequena, nada vale a pena” (Elton Simões, Mar de lama).
            Como está sua alma? Limpa ou enlameada? Íntegra ou corrompida? Capaz de misericórdia perante a dor alheia ou indiferente a ela? Como um verdadeiro servo de Deus, você também “não se deixa abater enquanto não estabelecer a justiça na terra” (Is 42,4), ou já se habitou a tal ponto com a injustiça que hoje é mais um a promovê-la nas suas atitudes cotidianas? Seus olhos estão limpos, foram lavados com água, de modo que você consegue enxergar que a cana rachada ainda pode ser recuperada e que o pavio que ainda fumega precisa ser valorizado (cf. Is 42,3) – o que significa agir com misericórdia? Ou seus olhos estão tão sujos da lama do individualismo e do pessimismo que você só enxerga as pessoas e a realidade social como casos perdidos, sem solução?
            A celebração do Batismo de Jesus nos fala da necessidade que temos de ser purificados com o banho da água e santificados pela Palavra (cf. Ef 5,26). “Hoje Cristo entrou nas águas do Jordão para lavar o pecado do mundo” (São Pedro Crisólogo). Nós precisamos ser lavados da lama do pecado pessoal e social que obscurece os nossos olhos, corrompe a nossa consciência e torna o nosso coração indiferente ao nosso próximo. Nós precisamos nos voltar para Aquele que é a nossa fonte (cf. Sl 87,7), a “fonte de água viva” (Jr 2,13), para Aquele que veio abrir os olhos dos cegos, tirar os cativos da prisão e livrar do cárcere os que vivem nas trevas (cf. Is 42,7).
            “Cristo foi batizado não para ser santificado pelas águas, mas para santificá-las” (São Máximo de Turim). A água que foi derramada sobre nós no dia do nosso batismo foi santificada por Jesus. Quando ainda não tínhamos consciência do pecado, mas já carregávamos conosco a tendência para o pecado, própria de todo ser humano, a Igreja nos mergulhou nas águas do batismo, santificadas por Cristo, para que, desde pequenos, pudéssemos ouvir a voz de Deus sobre as águas (cf. Sl 29,3-4) a dizer a cada um de nós: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu benquerer” (Lc 3,22).
            Ao se referir ao batismo de Jesus, o apóstolo Pedro ressalta que “depois do batismo... Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder. Ele andou por toda a parte, fazendo o bem...” (At 10,37-38). O que aconteceu conosco depois do nosso batismo? O que acontece com as crianças que ainda hoje são batizadas? Há uma continuidade na escuta da voz do Pai, por meio da Sua palavra – em casa, nas missas, na catequese? O Espírito Santo que nos foi dado no batismo tornou-se o nosso Condutor (cf. Rm 8,14) ou uma Presença totalmente ignorada dentro de nós? Nós somos pessoas permeáveis ou impermeáveis ao Espírito de Deus? Como batizados, nós andamos por toda a parte procurando fazer o bem que nos é possível fazer, ou estamos contribuindo para que a lama do mal continue a contaminar o mundo à nossa volta?  
            Após ser batizado, Jesus se colocou em oração. “E, enquanto rezava, o céu se abriu” (Lc 3,21). Sem oração, o céu não se abre. Sem oração, o Espírito Santo não nos é dado (cf. Lc 11,13). Sem oração, não ouvimos o Pai falar conosco (cf. Lc 3,22). Sem oração, perdemos o contato com Aquele que é a nossa fonte de água viva, e passamos a nos sentir mergulhados num mar de lama, atolados na lama do pecado pessoal e social.
            Hoje somos convidados a renovar as promessas do nosso batismo para que o céu, que ainda parece fechado sobre a vida de tantas pessoas, volte a se abrir; para que o mar de lama, que se torna cada vez mais extenso, contaminando e matando toda possibilidade de vida, de justiça e de paz à nossa volta, seja aos poucos vencido, purificado pela água que jorra de cada um de nós, aquela água santificada por Cristo que recebemos no batismo e que precisa voltar a fluir, para o nosso bem e o bem da humanidade. 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sábado, 2 de janeiro de 2016

A LUZ, QUANDO VERDADEIRA, CONDUZ PARA A ADORAÇÃO

Missa da Epifania (manifestação) do Senhor. Palavra de Deus: Isaías 60,1-6; Efésios 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12.

            Onde há luz há vida, há presença. Se as luzes da casa estão acesas, significa que há alguém ali. A luz atrai, mas, às vezes, atrai para a morte; às vezes nós nos comportamos como moscas ao redor de uma luz que nos fascina, nos atrai, mas acaba por nos cegar e matar. Muitas crianças e adolescentes estão tendo insônia porque, antes de dormirem, ficam muito tempo expostos à luz da tela do celular... Que tipo de luz está presente em sua vida? Que tipo de luz te atrai, te seduz? Em torno de qual luz você tem girado? É uma luz que te cega ou que realmente te faz ver/enxergar?
            Diz o salmista, a respeito de Deus: “Com a tua luz nós vemos a luz” (Sl 36,10). Só na luz de Deus, que é a Verdade, você pode ver/enxergar a sua própria luz, a sua própria verdade. Assim, entendemos que a verdadeira luz é aquela que não só nos faz ver o que está à nossa volta, mas também enxergar o que há dentro de nós. Nós precisamos estar sob a luz que é Deus, para que possamos nos ver como realmente somos, para nos darmos conta do que em nós é luz e do que em nós ainda é escuridão.
            Este é o convite do profeta à cidade de Jerusalém: “Levanta-te, acende as luzes... Está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória se manifesta sobre ti” (Is 60,1-2). Levante-se! Reaja! Tome posição diante dos acontecimentos! Não aceite que as trevas te encubram! Acenda a sua luz! Seja uma luz para os outros! Mesmo que a política, a economia, o mercado estejam envolvidos em trevas, e nuvens escuras cubram cidades, escolas, locais de trabalho, igrejas etc., seja luz para a sua casa, para as pessoas com as quais você convive no dia a dia! Viva sob a luz que é Deus, e sua luz se acenderá sobre os outros.   
            Os magos do Oriente disseram, a respeito do nascimento de Jesus: “Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2,2). Nós devemos ser uma luz, uma estrela que conduza as pessoas para a adoração. Jesus disse à samaritana que o Pai procura adoradores que O adorem em espírito e verdade (cf. Jo 4,23). O Pai não procura fanáticos cegos que enriqueçam seus líderes religiosos. O Pai também não procura fanáticos cegos que alimentem a violência religiosa, a chamada “guerra santa”. O Pai procura pessoas que, livre e conscientemente, se deixem conduzir pelo Espírito Santo e pela Verdade do Evangelho, que é Cristo.
            O Pai procura adoradores. Mas, o que é adorar? Ao encontrarem Jesus nos braços de Maria, os magos “ajoelharam-se diante dele e o adoraram” (Mt 2,11). A adoração nunca é uma atitude forçada ou superficial. Ela acontece naturalmente, quando a presença de Deus nos invade de tal modo que caímos de joelhos, reconhecendo a nossa miséria, o nosso nada. O apóstolo Paulo afirma que a adoração é consequência da escuta da Palavra por parte da pessoa: “os segredos do seu coração serão desvendados; ela se prostrará com o rosto no chão, adorará a Deus e proclamará que Deus está realmente no meio de vós” (1Cor 14,25). 
            Todo sacerdote tem essa importante tarefa de ser uma estrela que conduz o povo a ele confiado à verdadeira adoração ao único Deus, tomando cuidado com a tentação sempre presente do altar se tornar um palco para o show do eu. Quanto mais ostentação, quanto mais arreios, quanto mais o sacerdote chama a atenção do povo para si mesmo, menos chance de haver verdadeira adoração. Quanto menos penduricalhos, quanto menos ritualismo, quanto mais interioridade da Palavra, melhor. Só ela pode abrir o coração para a adoração ao verdadeiro Deus.   
            Ao adorarem Jesus, o rosto visível da misericórdia do Pai, os magos ofereceram-lhe ouro, incenso e mirra. O ouro significa o que você tem de mais precioso; o incenso, o que você tem de mais sagrado; a mirra, o que você tem de mais humano, sua dor mais intensa, sua ferida mais profunda. Deus não nos pede nada. Também não adianta nada estarmos caídos de joelhos diante d’Ele, quando o nosso coração está prostrado diante de algo ou de alguém que se tornou muito mais significativo para nós do que o próprio Deus. Revisemos se temos sido uma estrela que aponta para Deus e conduz as pessoas para a verdadeira adoração. Revisemos se temos ofertado a Deus de todo o coração o que temos de mais precioso, de mais sagrado e de mais humano... Que a nossa permanência diária sob a Sua luz possa nos ajudar a voltar a enxergar a nossa verdadeira luz... 

Pe. Paulo Cezar Mazzi