sexta-feira, 27 de novembro de 2015

EM PÉ E DE CABEÇA ERGUIDA

Missa do 1º. dom. do advento. Palavra de Deus: Jeremias 33,14-16; 1Tessalonicenses 3,12–4,2; Lucas 21,25-28.34-36.

No calendário civil, nós nos encontramos no fim do ano; fim que possivelmente traga consigo um pouco de cansaço, desânimo, decepção ou frustração. Por quê? Porque algo que esperávamos realizar ainda não realizamos; algo que esperávamos que chegasse ainda não chegou. Contudo, no calendário religioso, nós nos encontramos no início de um novo ano litúrgico, que marca a caminhada da nossa fé. Justamente porque estamos no início, o ano litúrgico se abre com o tempo do “advento”, palavra que significa “vinda”, “chegada”, no sentido de espera por algo que deve vir; mais do que isso, espera por Alguém que deve chegar. Desse modo, mais do que olhar para trás, para o passado, e recordar Alguém que veio, o advento nos convida a olhar para frente, para o futuro, na espera por Aquele que está vindo. 
Para onde seus olhos estão voltados neste momento da sua vida? Para trás, lamentando um passado que não volta mais, ou para frente, esperando por um futuro prometido por Deus, que hoje mesmo está nos dizendo: “Farei cumprir a promessa de bens futuros” (Jr 33,14)? Você ainda consegue esperar em Deus e por Deus? Muitos deixaram de ter esperança, no sentido de que deixaram de esperar em relação a si mesmos, ou em relação às outras pessoas, ou em relação a alguma situação, ou mesmo em relação a Deus. Mas o que alimenta a nossa esperança é a palavra do Senhor, que hoje nos diz: “Farei brotar... a semente da justiça, que fará valer a lei e a justiça na terra” (Jr 33,15).
Semente: algo está enterrado e, aparentemente, morto. No entanto, debaixo da terra, sem que nossos olhos possam ver, a semente está brotando. Você tem aberto o terreno do seu coração para acolher as sementes de Deus? Você confia que, mesmo não vendo e não podendo comprovar, cada semente que Deus lança no terreno da sua vida brotará? Lembre-se: a obra é d’Ele. Ele garante: “Farei cumprir... Farei brotar” (Jr 33,14.15). É Deus quem faz, mas é preciso que você permita que Ele faça em você. É Deus quem lança a semente, mas é preciso que você acolha a semente no terreno da sua vida e regue diariamente esse terreno com a água da esperança.   
Jesus, ao falar da sua segunda vinda, nos chama à esperança. Ele desperta a nossa consciência para nos darmos conta do que está acontecendo. Aos poucos, a humanidade vai sendo contagiada por angústia e pavor, por causa do mal que se multiplica grandemente. Isso faz com que o medo tome conta das pessoas, principalmente daquelas que não estão firmes na fé. Mas, “quando essas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima” (Lc 21,28). Enquanto muitos caem no desespero e caminham de cabeça baixa, porque abandonaram sua esperança, Jesus diz que precisamos confiar na sua promessa de vir ao nosso encontro e nos trazer a libertação definitiva.
Qual é o grande perigo? Como não sabemos quando Jesus virá, podemos ser tentados a desistir de esperá-Lo; podemos abandonar a nossa fé e passar a crer que tudo o que fizemos em favor da salvação nossa e da humanidade foi uma grande perda de tempo; podemos chegar à conclusão de que a vida aqui não tem muito sentido e o melhor que temos a fazer é desfrutar do que o mundo tem a nos oferecer, antes que tudo seja destruído pela injustiça, pela corrupção e pela maldade do próprio ser humano que, de humano, demonstra ter cada vez menos.
Como não deixar morrer nossa esperança? Como não desistir de esperar em Deus e por Ele? Jesus nos deu uma pista: “(...) ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes de pé diante do Filho do homem” (Lc 21,36). Orar a todo momento não significa apenas recobrarmos a consciência da importância da oração em nossa vida, mas também entendermos que tudo o que fazemos devemos fazê-lo com a consciência e o coração voltados para Deus. Para quem ainda tem dificuldade em criar o hábito diário de orar, vale esta definição de oração de Santa Teresa de Jesus: “Orar é estar a sós, muitas vezes, com quem sabemos que nos ama”.   
Jesus deixa claro que, quando vier, quer nos encontrar “em pé” e não deitados, caídos, desprovidos de fé, de esperança e de amor. Ele quer nos encontrar como homens e mulheres que, mesmo vivendo num país cuja lama tóxica da corrupção, da maldade e da injustiça vai aos poucos contaminando todos os setores da sociedade, não desistiram de semear a honestidade, o bem e a justiça com as nossas atitudes diárias. Jesus não quer nos encontrar presos na armadilha da distração, do vício e da falta de sensibilidade para com o que acontece à nossa volta. E aqui vale à pena, mais uma vez, nos questionar a respeito do uso diário do celular. Há no seu celular algum aplicativo que alimente a sua oração, a sua fé, a sua intimidade com o Senhor? Ou ele está funcionando como uma “armadilha” para manter você distante de Deus, do próximo que está à sua volta e da sua responsabilidade para com a salvação da humanidade?
Neste início de advento, coloque-se em pé, levante sua cabeça, abra as janelas e portas da sua casa interior e permita que o vento da esperança renove os ares da sua existência. Abra-se ao futuro de Deus. Abra-se Àquele que vem. Abra-se ao novo que Deus quer fazer brotar em você e, por meio de você, no coração da humanidade. Lembre-se: “O melhor do Deus que vem é que Ele se manifesta de maneiras inesperadas: desfaz certezas, rompe convenções, renova sonhos. A esperança abre passagem por onde menos esperamos. E Deus continua aparecendo onde e quando ninguém espera” (Pe. Adroaldo). 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

ELA ESPERA POR VOCÊ ABAIXO DA SUA CAMADA DE CONCRETO

Missa de Cristo Rei. Palavra de Deus: Daniel 7,13-14; Apocalipse 1,5-8; João 18,33b-37.

            Sem ela você não tem paz. Quanto mais distante dela, menos alegria você sente. Por ignorá-la, muitos fazem mal a si mesmos e aos outros. Por desconhecê-la, muitos vivem presos a situações de dor e de sofrimento desnecessários. Só ela cura; só ela liberta; só ela pode nos devolver paz, alegria e liberdade interior. Do quê estamos falando? Da Verdade; Verdade com “V” maiúsculo, porque não se trata da minha ou da sua verdade, mas da Verdade em si.  
Jesus acabou de nos dizer: “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade” (Jo 18,37). A Verdade é tão necessária em nossa vida, que o apóstolo Paulo chega a afirmar que Deus “quer que todas as pessoas sejam salvas e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4). Por outro lado, o desconhecimento da Verdade é tão prejudicial ao ser humano que Deus afirma pelo profeta Oséias: “Meu povo está sendo destruído por falta de conhecimento” (Os 4,6). Quando você desconhece a sua verdade como pessoa e como filho(a) de Deus, corre o risco de ter atitudes que causam destruição para si, para os outros, para a sociedade e para o Planeta. Por desconhecerem a Verdade sobre si mesmos, muitos aderem à violência e às drogas. Por não suportarem a Verdade sobre si mesmos, muitos se refugiam na bebida ou num comportamento autodestrutivo.  
 Mas, o que é a Verdade? O próprio Jesus disse que Ele é a Verdade (cf. Jo 14,6). Em que sentido? Jesus é a Verdade a respeito de Deus e a Verdade a respeito do ser humano. Sendo verdadeiramente Deus, Jesus corrige nossas imagens distorcidas de Deus. Sendo verdadeiramente homem, ele corrige a imagem distorcida que possamos ter de nós mesmos e dos outros. Por isso, ele disse: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8,32). É possível que você passe uma vida inteira preso(a) a uma imagem errada de Deus, de si mesmo(a) ou dos outros, sofrendo, carregando algum tipo de culpa, de condenação ou de rejeição, fazendo mal a si mesmo(a) e aos outros, simplesmente por desconhecer a Verdade. Essa é a importância da Verdade: só ela nos liberta da culpa que nos adoece e do medo que nos paralisa e nos aprisiona.      
Se pudéssemos usar uma imagem para representar a Verdade, ela seria como uma água cristalina dentro de nós. Mas sobre esta água foi construída uma camada de concreto que não nos deixa ter acesso a ela. Quem construiu essa camada de concreto? Uma parte fomos nós mesmos, para nos “defender” da Verdade que desmascara as nossas ilusões; a outra parte foram pessoas ou o “mundo”, que nos dizem quem devemos ser e como devemos nos comportar, se quisermos ser reconhecidos como alguém que tem valor.   
Essa camada de concreto pode ser quebrada, para que possamos ter acesso a essa água cristalina da Verdade? Sim, mas não sem esforço, não sem dor, não sem sofrimento, não sem uma certa “violência”. Normalmente, essa camada de concreto se quebra quando tomamos a coragem de encarar uma terapia, ou quando sofremos um choque na vida (doença, acidente, perda) que nos faz “acordar”; é quando nos damos conta de que não podemos mais continuar a sobreviver na mentira, isto é, na superfície de Deus e de nós mesmos. Se quisermos verdadeiramente viver, precisamos começar a mergulhar na Verdade de Deus a nosso respeito, Verdade que se encontra no profundo de nós mesmos.
Jesus disse: “Todo aquele que é da verdade escuta (obedece) a minha voz (na consciência e no coração)” (Jo 18,37). O problema é que eu possa escutar, mas decidir não obedecer. Eu posso me encontrar com a Verdade, mas não me deixar convencer por ela. Porém, eu devo ter consciência de que tudo na vida tem um preço. Quem decide não mexer na sua camada de concreto e manter-se distante da Verdade, paga um preço. Quem decide o contrário, paga outro preço. O importante é recordar esta afirmação bíblica: “Nós nada podemos contra a verdade, mas só temos poder a favor dela” (2Cor 13,8). Em outras palavras, eu só me sinto forte, só experimento alegria e paz, quando vivo e me comporto em sintonia com a Verdade. Quanto mais distante dela, mais angústia, mais medo, mais falta de paz e mais sofrimento psíquico me acompanham.
Oração: Pai, Tu és chamado “o Deus da Verdade” (Is 65,16). Coloco diante de Ti todas as imagens erradas que tenho a Teu respeito, bem como a respeito de mim, dos outros e da vida, e Te peço: “Guia-me com a tua verdade, ensina-me, pois tu és o meu Deus salvador” (Sl 25,5). “Envia tua luz e tua verdade: elas me guiarão” (Sl 43,3). “Que Deus envie sua graça e verdade!” (Sl 57,4). Compreendo que o melhor que tenho a fazer é parar de fugir da Verdade e deixar-me encontrar, curar e libertar por ela. Só nela eu tenho “poder”; só nela eu consigo me manter em pé diante dos ventos contrários da vida; só nela eu encontro verdadeiramente paz, alegria e liberdade. Peço Tua Verdade, Senhor, para a consciência e o coração de cada pessoa, sobretudo para aqueles que, por desconhecê-la, estão fazendo o mal a si mesmos, aos outros e ao mundo. Que a Tua Verdade liberte os que estão aprisionados em todo tipo de sofrimento e de injustiça provocados por aqueles que, por meio da religião, da economia e da política, ignoram a Verdade sobre Ti e sobre o ser humano. Concede-nos escuta obediente à voz de Teu Filho Jesus Cristo, que veio nos trazer “a Palavra da verdade” (Ef 1,13) que nos liberta e nos salva. Amém! 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

DEPOIS DO "FIM"

Missa do 33º. dom. comum. Palavra de Deus: Daniel 12,1-3; Hebreus 10,11-14.18; Marcos 13,24-32.

            “O céu e a terra passarão” (Mc 13,31). Todo espetáculo, todo show, toda novela, todo filme, todo livro, toda história tem um fim. O fim é desejado e esperado com ânsia por alguns – os que sofrem, os que estão doentes, os que perderam alguém, os que estão no meio da guerra/da violência, os que estão tristes ou injustiçados etc. Mas o fim também é temido e nada desejado por outros – os que estão felizes, em “lua-de-mel” com a vida, desfrutando de suas conquistas e de sua prosperidade.
           Queiramos ou não, desejemos ou não, o fim é uma realidade. Ele nos diz que, enquanto estamos aqui, nada é definitivo; nenhuma situação que vivemos – boa ou ruim – é definitiva. Tudo vai passar. Mas, passar em que sentido? Tudo vai passar por uma transformação. Tudo tende para um desfecho. Sim, mas qual desfecho? Segundo Jesus, o desfecho é esse: depois da grande tribulação, as luzes se apagarão. Então, nós O veremos vindo nas nuvens com grande poder e glória. Será o momento em que os anjos recolherão os eleitos de Deus da face da terra (cf. Mc 13,24-27).  
            Para o profeta Daniel, o fim será precedido por um tempo de grande angústia. Isso coincide com o que Jesus chama de “grande tribulação”. Embora essa profecia soe muito negativa, o tempo da grande angústia ou da grande tribulação é muito importante, pois “nesse tempo, teu povo será salvo” (Dn 12,1). No meio da angústia e da tribulação que se abaterá sobre a humanidade, se levantará Miguel, cujo nome significa “Quem é (forte/poderoso) como Deus?”. A pergunta “Quem é como Deus?” se dirige a cada um de nós: Quem é a tua força, o teu porto seguro, a tua segurança, o teu apoio, a tua esperança? Às mãos de quem você se confia, neste tempo da angústia e de tribulação?
            Em meio à sua angústia e à sua tribulação, o salmista declara: “Meu destino está seguro em vossas mãos” (Sl 16,5). Consciente de que até mesmo a sua vida terrena teria um fim, ele proclama: “Não haveis de me deixar entregue à morte, nem teu servo conhecer a corrupção” (Sl 16,10). Tendo a convicção de que o fim é apenas um desdobramento, ele afirma: “Vós me ensinais vosso caminho para a vida” (Sl 16,11).  
            Por meio dos acontecimentos e, sobretudo, por meio da transitoriedade de todas as coisas, Deus tem nos ensinado o caminho para a Vida. Estamos aprendendo o Seu ensinamento? Estamos procurando viver segundo o bem, a verdade e a justiça, para que o nosso nome seja inscrito no livro da Vida (cf. Dn 12,1)? No meio da noite escura, isto é, convivendo com tantas pessoas que desistiram da bondade, da justiça e da verdade, nós estamos procurando manter a nossa luz acesa, como a de uma estrela que brilha num céu totalmente escuro? (cf. Dn 12,3).  
            “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13,31). Jesus é a palavra definitiva do Pai para a humanidade: palavra que cura o doente, que perdoa o pecador, que corrige o injusto, que cala a voz do mal; palavra que abre os olhos e alarga o horizonte de visão, que faz sair do túmulo e faz passar da morte para a vida, que julga as intenções do coração de cada um; palavra que nos garante que, depois do fim de todas as coisas, nos aguarda o encontro com ele, Jesus, e o Pai.

            Oração: Pai, este é um tempo de muitas incertezas; um tempo forte de angústia e de grandes tribulações. Justamente porque ele também está sendo um tempo de perda de fé para muitos, eu Te peço por minha fé. Agarro-me em Tuas mãos e declaro que a minha vida, o meu destino, o meu “fim”, o desdobramento da minha vida está em Tuas mãos. Ninguém é como Tu! Ninguém é forte, poderoso, misericordioso e amoroso como Tu. Estende a Tua mão poderosa sobre a humanidade, Pai. Resgata os que estão no pó da terra. Põe fim às lutas, às guerras, à corrupção, à impunidade! Põe fim à dor, ao sofrimento, à tristeza, ao desespero! Põe fim ao mal que, embora vencido na cruz de Teu Filho, grita como um desesperado, e no seu desespero ainda fere a muitos. Venha a nós o Teu reino! Venha a nós o Teu Filho Jesus, salvador e redentor de todo ser humano. Venham a nós o novo céu e a nova terra que a Tua palavra nos prometeu, onde habitará a justiça! (cf. 2Pd 3,13). Que o meu coração se prepare a cada dia para o encontro com Teu Filho Jesus. Amém!

                                                                    Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

QUEM DEVORA RECEBERÁ A PIOR CONDENAÇÃO

Missa do 32º. dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 17,10-16; Hebreus 9,24-28; Marcos 12,38-44.

“Tomai cuidado com os doutores da lei! Eles devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações” (Mc 12,38.40). Atualizando: tome cuidado com toda pessoa que exerce a função de autoridade – políticos, juízes, líderes religiosos, policiais, diretores, chefes, professores e, inclusive, pais. Por que devemos tomar cuidado com toda pessoa que tem um cargo de autoridade? Porque a autoridade me dá “poder” sobre o outro, e se eu sou uma pessoa mal resolvida, psicologicamente doentia, ou se sou mal intencionado, posso usar da minha autoridade para “devorar” os outros.
Como é que eu “devoro” uma pessoa. Eu a devoro aproveitando-me das suas carências afetivas para satisfazer as minhas fantasias sexuais; eu a devoro tirando dinheiro dela, convencendo-a de que está ajudando a igreja que eu represento ou a causa que eu defendo; eu a devoro transformando-a em minha admiradora e em minha fiel seguidora, porque o meu narcisismo é insaciável; eu devoro pessoas quando as envolvo no trabalho pastoral não em vista de evangelização, mas para que a minha paróquia se projete na Diocese e eu seja futuramente indicado para bispo...
Segundo Jesus, quem conscientemente usa da sua função de autoridade para “devorar” pessoas em vista dos seus projetos pessoais, muitas vezes doentios e sem nenhuma ética, receberá a pior condenação (cf. Mc 12,40). Por que a “pior condenação”? Porque se aproveitou do fraco; porque abusou da inocência alheia; porque traiu a confiança de quem se confiou aos seus cuidados; porque – no caso de alguns líderes religiosos – profanou o nome de Deus, de Cristo e da sua Igreja; em suma, porque escandalizou a pessoa, no sentido de fazê-la perder a fé.
“(...) eles receberão a pior condenação” (Mc 12,40). Eles quem? Investidores estrangeiros e donos de bancos que devoram países e povos com a especulação financeira e os juros abusivos; policiais que abusam do poder, que “modificam” a cena do crime para incriminarem os que eles mataram injustamente; juízes que vendem sentenças; políticos e empresários que se beneficiam com a corrupção; traficantes e bandidos do crime organizado que exploram crianças e adolescentes e os tornam criminosos precocemente; países ricos que financiam armas para alimentar a guerra civil em outros países, por causa de interesses financeiros como o petróleo, o minério ou a água...
            No mundo atual está difícil encontrar alguém que não seja “devorador” do outro. Todos nós estamos nos habituando a só enxergar as pessoas quando elas podem nos “dar” alguma coisa. Para nos curar dessa doença, para nos livrar desse mal, Jesus nos convida a olhar para uma “pobre viúva” que “deu duas pequenas moedas, que não valiam quase nada” (Mc 12,42). E Jesus faz esta comparação: “Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver” (Mc 12,44).
            O grande mal da sociedade moderna, aquilo que acaba com um relacionamento, que joga no descrédito tantas autoridades, aquilo que “desautoriza” tantos de nós, é dar para os outros aquilo que temos de sobra, quando sobra e se é que sobra. Se sobra tempo, disposição, vontade ou energia, eu me dou para o outro, eu penso em alguém além de mim mesmo(a), eu me envolvo numa causa social, eu sirvo a Deus, eu me comprometo com a minha igreja. Se sobra... Caso contrário, não.
            Só existe cura, conserto, restauração, só existe mudança, libertação, transformação quando paramos de devorar os outros e passamos a oferecer-lhes tudo aquilo que possuímos para viver, ou seja, o melhor de nós. Sim, pode ser que você acredite que oferecer as suas duas moedas não vai resolver nada, não vai fazer diferença. Afinal, elas não valem quase nada, não é? Engano seu. Não é verdade que o seu abraço, o seu olhar, o seu ouvir, a sua palavra não valem quase nada para a outra pessoa. Não é verdade que a sua atitude em economizar água e energia não vale nada para o planeta. Não é verdade que a sua decisão em ser honesto(a) e ter um comportamento justo não vai fazer diferença para o seu ambiente de trabalho, ou para a sua cidade ou para o nosso país. O seu gesto, a sua atitude, a sua decisão aparentemente “não vale quase nada”, mas é isso que faz a diferença, é isso que salva, é isso que começa a pôr fim nessa atitude desumana, antiética e anticristã de “devorar” os outros.

Para a sua oração: Minha essência (Thiago Brado)

                                                                 Pe. Paulo Cezar Mazzi