sexta-feira, 9 de outubro de 2015

DESVENCILHAR-SE DO ANZOL DÓI

Missa do 28. dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 7,7-11; Hebreus 4,12-13; Marcos 10,17-30.

            Dizem que “todo homem tem seu preço”, isto é, todos nós somos passíveis de sermos corrompidos; todos nós colocamos de lado valores como ética e justiça, quando se trata de “ganhar” dinheiro, mesmo que ele seja fruto de desonestidade ou injustiça. O filósofo Nietzsche discordava dessa afirmação. Ele dizia: Todo homem tem seu preço, diz a frase. Não é verdade. Mas para cada homem existe uma isca que ele não consegue deixar de morder” (Nietzsche). Talvez nem todos nós sejamos passíveis de sermos corrompidos, mas, com certeza, ninguém de nós consegue resistir àquela “isca” que nos mantêm presos ao “anzol de ouro” do mundo atual, chamado “dinheiro”.
            Qual “isca” tem cevado você? Em que tipo de anzol sua vida se encontra enroscada? Que tipo de situação “fisga” a sua alma, puxando você para fora da água de que tanto precisa para viver? Como está sua vida financeira? Como anda a sua liberdade diante da propaganda de consumo? Como você lida com o dinheiro? Você é uma pessoa livre ou “possessa”, isto é, possuída por seus bens? (E, consequentemente, atormentada por dívidas?)
            O livro da Sabedoria faz uma comparação a respeito de “valores”: “Preferi a sabedoria... à riqueza (...), pois a seu lado, todo ouro do mundo é um punhado de areia... Amei-a mais que a saúde e a beleza... Todos os bens me vieram com ela” (Sb 7,8-11). Quando você tem sabedoria, discernimento, equilíbrio, liberdade interior, muito pouco é necessário para que se sinta feliz. Mas, quando te falta sabedoria, tudo o que você possa vir a ter, a possuir, a acumular, a construir, arruína, se perde, porque você não tem cabeça: seu coração está fragmentado, você perdeu sua bússola interior.
            Diz Tagore: “Há triunfos que só se obtêm pelo preço da alma, mas a alma é mais preciosa que qualquer triunfo”. Quem se corrompe para se enriquecer, ou não crê na existência da alma, ou ignora quão preciosa ela seja. Por isso, precisamos pedir, como o salmista: “Ensinai-nos a contar os nossos dias e dai ao nosso coração sabedoria!” (Sl 90,12). Precisamos permitir que a Palavra do Senhor penetre em nós “até dividir alma e espírito”, ou seja, até nos tornar conscientes dos “pensamentos” e das verdadeiras “intenções” do nosso coração (cf. Hb 4,12).
            Existe o palco e existem os bastidores. Enquanto os nossos olhos veem aquilo que algumas pessoas ricas ostentam, os olhos de Deus enxergam os “bastidores”, e sabe de onde vem essa ostentação: se ela é fruto de trabalho honesto ou de atitudes corruptas. Além disso, ainda que o dinheiro possa comprar alguns juízes, ele não pode comprar o verdadeiro Juiz, cuja Palavra julgará as atitudes de cada um de nós (cf. Hb 4,13).
            Foi diante dessa Palavra que um homem rico se colocou. Ao que tudo indica, ele tinha um coração bom e caminhava na retidão diante de Deus. Mas Jesus, que conhece o que há no coração do ser humano, percebeu que ele estava preso a um “anzol”, e então lhe disse: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!” (Mc 10,21).
            Este é o motivo pelo qual fazemos questão de não silenciar, de não ouvir Deus em nossa consciência ou em nosso coração: temos medo de que Ele nos diga: “Ainda te falta uma coisa”. O que falta para que você seja um ser humano melhor, um cristão melhor? Você está disposto a deixar de morder a isca e se desenroscar desse anzol que te prende à margem do rio da vida, impedindo você de mergulhar em águas mais profundas, de experimentar uma felicidade mais verdadeira?
            Ao se dar conta de que podia ser um ser humano melhor, desvencilhando-se da falsa segurança da sua riqueza, aquele homem “ficou abatido e foi embora cheio de tristeza” (Mc 10,22). Quando você estiver lendo a Bíblia ou ouvindo a Palavra numa celebração e sentir-se triste, angustiado, incomodado, agradeça a Deus! É sinal de que a Palavra penetrou em você e acordou o seu coração, para lhe mostrar que você precisa se abrir mais para Deus, que você precisa dar de si e não dar apenas dinheiro, que você precisa despojar-se da falsa segurança que o dinheiro te dá e ter a consciência de que você precisa ser salvo.
Ao final desse “diálogo” entre a Palavra de Deus e a sua consciência, se você se der conta de que precisa ter uma outra postura diante dos pobres, reflita sobre essas palavras do Papa Francisco: “A verdadeira pobreza dói. Desconfio da esmola que não custa nem dói. A atenção pelos pobres está no Evangelho”

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

Um comentário:

  1. Padre Paulo, suas homilias contêm sempre belas diretrizes para nossos ajustes interior.
    Frases chaves desta homilia que me chamaram atenção e auxiliam em sentido amplo:
    1. para cada homem existe uma isca que ele não consegue deixar de morder”.
    2. Qual “isca” tem cevado você?
    3. Em que tipo de anzol sua vida se encontra enroscada?
    4. Quando você tem sabedoria, discernimento, equilíbrio, liberdade interior, muito pouco é necessário para que se sinta feliz.
    5. quando te falta sabedoria, tudo o que você possa vir a ter, a possuir, a acumular, a construir, arruína, se perde, porque você não tem cabeça.
    6. Você está disposto a deixar de morder a isca e se desenroscar desse anzol

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