quinta-feira, 23 de julho de 2015

A FOME (NÃO SÓ DE PÃO) E NOSSOS RECURSOS PARA SACIÁ-LA

Missa do 17º. dom. comum. Palavra de Deus: 2Reis 4,42-44; Efésios 4,1-6; João 6,1-15.

A fome é uma das necessidades mais básicas do ser humano, uma necessidade que exige ser saciada. Quando não saciada, a fome faz com que o ser humano se torne agressivo, deixe de lado a noção de certo e de errado, e vá em busca de sobrevivência, chegando, inclusive, a roubar e matar, se preciso for, para saciar a sua fome. O filme “Ensaio sobre a cegueira” retrata muito bem essa realidade.   
Mas o ser humano não tem apenas fome de comida. A própria Escritura afirma que “o homem não vive somente de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Dt 8,3; Mt 4,4). Assim, você tem hoje crianças bem nutridas e também bem servidas de estudo e de tecnologia, mas famintas de afeto, de diálogo, de limites, de presença e de autoridade dos pais. Você tem famílias que não passam fome, mas que estão desnutridas de diálogo, de proximidade e de afeto. Você tem pessoas que comem o tempo todo não porque têm fome, mas porque não sabem escutar a sua alma e interpretar a própria ansiedade...
Embora a fome seja, de fato, uma necessidade básica do ser humano, ela também é manipulada pela sociedade de consumo, a qual cria em nós necessidades artificiais, que não são verdadeiras necessidades. Desse modo, nós nos tornamos escravos do consumismo e colaboradores da cultura do desperdício. Nada nos preenche. Nada nos sacia, porque o nosso coração se tornou insaciável, e um coração insaciável nunca experimenta paz, nunca experimenta alegria.      
Ao ver a grande multidão que vinha ao seu encontro, Jesus perguntou a Filipe: “Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?” (Jo 6,5). O evangelista João afirma que Jesus perguntou isso para colocar Filipe à prova, isto é, para ver como ele agiria diante de uma dificuldade. Hoje Jesus nos pergunta: ‘Como você entende e lida com suas necessidades?’ ‘Você é capaz de enxergar as necessidades das pessoas à sua volta?’ ‘Além do seu corpo, você procura também alimentar a sua alma e o seu espírito?’ ‘Você alimenta o seu relacionamento como é preciso ou tem o hábito de deixá-lo desnutrido?’
Filipe respondeu: “Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um” (Jo 6,7). Sem perceber, Filipe disse uma verdade: o dinheiro não basta. O material não sacia. O recurso principal de que cada um de nós dispõe não é material, mas humano, emocional, espiritual. O problema não é o dinheiro, mas a vontade, a disposição em usar os recursos que temos. Hoje em dia, para muitas famílias, a coisa mais fácil é dar coisas materiais aos filhos, mas a coisa mais difícil é dar-se aos filhos: dar sua presença, seu afeto, seus ouvidos, seu interesse, seu corpo, para que o filho possa brincar com os pais, e não com o novo brinquedo que os pais lhe compraram.
“Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes” (Jo 6,9). Geralmente, nós somos rápidos em detectar a nossa fome, mas lentos em perceber e valorizar os nossos recursos. Reclamamos daquilo que nos falta e não valorizamos aquilo que temos: nossos cinco pães e nossos dois peixes. “Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os... E fez o mesmo com os peixes” (Jo 6,11). Jesus nos ensina a reconhecer os recursos que temos e a agradecermos a Deus por eles todos os dias, reconhecendo também que “o pouco com Deus é muito; o muito sem Deus é nada” (sabedoria popular).
Depois que todos foram saciados, Jesus ordenou: “Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca!” (Jo 6,12). A nossa sobrevivência hoje depende disso: não desperdiçar! Não desperdiçar alimento, nem água, nem energia. Não desperdiçar tempo diante do computador ou do celular, quando podemos usar esse tempo para conviver com as pessoas que têm fome da nossa presença. Não desperdiçar a oportunidade de falar, de abraçar e de estar junto, enquanto isso é possível.
Se, no final do Evangelho, Jesus não aceitou ser coroado rei daquela multidão (cf. Jo 6,15), foi também para nos dizer que não podemos reduzir Deus a um mero provedor das nossas necessidades. O pão de cada dia é também fruto do nosso trabalho, responsabilidade nossa, e não deve ser esperado cair do céu enquanto nada fazemos para adquiri-lo. Nesta hora histórica de acentuado desemprego em nossas cidades, o que estamos fazendo em relação aos desempregados? Ainda outras reflexões necessárias: 1) O outro lado da moeda da fome é a alimentação errada: na mesa de muitos, a água foi substituída pelo refrigerante, e a comida caseira pela industrializada... 2) Tem se tornado um péssimo hábito engolir a comida sem saboreá-la, porque, enquanto comemos, visualizamos mensagens no celular ou teclamos com alguém...

Cinco pães e dois peixinhos (Quatro por Um)
https://www.youtube.com/watch?v=DHzsJ-dVvkY

                                                                       Pe. Paulo Cezar Mazzi

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