quinta-feira, 6 de março de 2014

RESISTIR AO TENTADOR; APROXIMAR-SE DO SALVADOR

Missa do 1º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Gênesis 2,7-9; 3,1-7; Romanos 2,12.17-19; Mateus 4,1-11.

           Havia um jardim (1ª. leitura), mas agora há um deserto (Evangelho). Havia árvores diversas com frutos saborosos (1ª. leitura), mas agora há somente pedras (Evangelho). O que aconteceu? Aconteceu que o ser humano, tendo sido colocado num jardim repleto das bênçãos de Deus, se deixou enganar pela voz do tentador e passou a acreditar que Deus lhe escondia coisas. Aconteceu que o ser humano, tendo a liberdade de comer de todos os frutos do jardim, caiu na mentira do tentador e desobedeceu à ordem de Deus de não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, o que, no fundo, significa: ‘Eu não quero mais viver na dependência de Deus. A partir de hoje, não é mais Deus, e sim eu mesmo quem decido o que é o bem e o que é o mal para mim’. Desse modo, “o pecado entrou no mundo por um só homem. Através do pecado, entrou a morte. E a morte passou para todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5,12).
Para a Sagrada Escritura, Adão e Eva não são os responsáveis pelo jardim ter se deteriorado em deserto e pelo pecado ter afastado a vida da graça em nós. Adão e Eva são apenas um retrato de todos nós: eles retratam a nossa tendência em usarmos mal a nossa liberdade, em cairmos nas armadilhas do tentador, em fazermos o seu jogo, que é o jogo da sedução. No final, o que sobra é a sensação de não suportarmos a nossa própria nudez e as inúmeras tentativas de passarmos a vida tentando nos esconder de Deus e de nós mesmos.    
Se todos nós somos pecadores e desobedientes como Adão, o apóstolo Paulo afirma: “O ato de justiça de um só trouxe, para todos os homens, a justificação que dá a vida. Com efeito, como, pela desobediência de um só, a humanidade foi estabelecida numa situação de pecado, assim também, pela obediência de um só, toda a humanidade passará para uma situação de justiça” (Rm 5,18-19). Assim, compreendemos porque Jesus inicia sua missão salvadora no deserto: para nos lembrar que a nossa vida cristã é sempre um combate espiritual, e esse combate de intensifica na quaresma quando, nos deixando conduzir pelo Espírito Santo ao deserto, para que ali Deus possa falar ao nosso coração (cf. Os 2,16), encontramos também a voz do maligno, que tenta confundir a voz de Deus em nossa consciência.
Algumas pessoas interpretam as suas próprias tentações como obra de algum espírito que está sobre elas, o que as isentaria de responsabilidade perante os seus atos. Contudo, São Tiago nos alerta que “cada um é tentado pela própria concupiscência*, que o arrasta e seduz” (Tg 1,14). As tentações têm o poder que nós lhe damos. Nós não somos joguetes nas mãos do tentador, mas podemos, sim, nos tornar joguetes nas mãos da nossa própria carência, da nossa fragilidade, daquelas necessidades psicológicas não reconhecidas, não aceitas e não resolvidas – ou mal resolvidas – dentro de nós.
Se Jesus jejuou durante seus quarenta dias de permanência no deserto foi para nos dizer que nós podemos recuperar o nosso autodomínio; podemos submeter a força dos nossos instintos à força do Espírito Santo, que penetra em nossa vontade humana para abri-la a uma vontade maior, que é a vontade de Deus. Além disso, o jejum desintoxica o nosso espírito e nos dá discernimento, clareza espiritual para distinguirmos o que é a voz de Deus em nós e o que é a voz do tentador.
Quando Jesus sentiu fome, o tentador aproximou-se dele e lhe propôs transformar as pedras em pães (cf. Mt 4,3). Da mesma forma, quando você está lutando, sofrendo ou renunciando a algo para se manter fiel à vontade de Deus, o tentador diz que você não precisa lutar, nem sofrer, nem se sacrificar. Deus quer você feliz. Você não precisa suportar esse sofrimento. Não lute contra os seus desejos; pelo contrário, entregue-se a eles! Mas a Palavra de Deus diz: “Há uma recompensa para a tua dor!” (Jr 31,16); “Não tenha medo do que terá que sofrer... Seja fiel até à morte, e eu te darei a coroa da vida” (Ap 2,10).
O tentador propôs a Jesus “aproveitar” sua condição de filho amado do Pai, subir na parte mais alta do templo e lançar-se para baixo (cf. Mt 4,5-6). Afinal, Deus disse que não deixaria que nada de ruim acontecesse àquele que a Ele se confiasse (cf. Sl 91). Esta é a imagem da religião vivida como superstição, não como fé. Hoje em dia, muitos tatuam no corpo o nome ou a imagem de JESUS, a imagem de MARIA ou de algum outro SANTO, andam com escapulários ou terços pendurados no pescoço, mas também bebem, se drogam, correm em alta velocidade, se alimentam mal, expõem-se a riscos desnecessários, achando que Deus ou algum santo irá protegê-los. Não entenderam que a religião não existe para “manter o nosso corpo fechado contra o mal” (superstição), mas para que possamos aprender a escolher o bem ao invés do mal, como diz a Palavra: “Sujeitem-se a Deus; resistam ao diabo e ele fugirá de vocês. Aproximem-se de Deus e ele se aproximará de vocês” (Tg 4,7-8).
       Por fim, o tentador apelou com Jesus: “Eu te darei tudo isso se te ajoelhares diante de mim para me adorar” (cf. Mt 4,9). Dizendo de outra forma: ‘Eu te darei uma vida só de vitórias, se você me colocar no lugar de Deus na sua vida’. De fato, algumas pessoas escolheram declaradamente servir ao maligno e não a Deus, porque dizem: ‘Deus demora; o maligno me responde imediatamente’. ‘Deus propõe um caminho longo; o diabo me oferece um atalho’. ‘Deus fala comigo por meio de perguntas difíceis; o demônio me oferece respostas fáceis’. Mas também há pessoas que aparentemente trabalham para Deus e em nome d’Ele, na Igreja. Contudo, no dizer do Papa Francisco, muitas delas são “carreiristas”, “alpinistas sociais”; entraram na Igreja não para realizar um serviço humilde em favor dos pobres, mas para adquirirem cargos e títulos, tentando compensar um sentimento de inferioridade inconsciente e mal resolvido dentro delas. A respeito disso, Jesus alertou que aqueles que, ao invés de buscarem a glória do Deus único, buscam a sua própria glória, são vazios, e a pregação deles não têm crédito diante dos homens (cf. Jo 5,41-44).                     
        Examinemos a nossa vida, a forma como lidamos com as tentações. Vejamos se temos permitido que nossas paixões, nossos instintos e nossos desejos nos arrastem para longe de Deus, da Sua graça e da Sua verdade. Aprendamos com Jesus a enfrentar com coragem e com a cabeça erguida o nosso combate espiritual, contando com o auxílio do Espírito Santo. Resistamos às tentações e o maligno se afastará de nós. Então, sentiremos a presença dos anjos de Deus se aproximando de nós para nos consolar, depois da cada tribulação sofrida na tentação (cf. Mt 4,11).


* Sinônimo de paixões, instintos, desejos.

                                                           Pe. Paulo Cezar Mazzi

Um comentário:

  1. Para resistir ao tentador tome uma atitude transparente. Olhe com determinação para os pontos da sua personalidade que gostaria de mudar. Aceite-os e entregue-os à luz da Alma para que ela os purifique. Tire da sua vida tudo aquilo que considera supérfluo, desde amizades, leituras, lugares que frequenta , até as crenças que impendem que voce seja voce mesmo. Lembre-se da sua criança eterna, ela tem o estado perfeito de transparência e está à sua disposição sempre que voce precisar. Limpe os vidros da sua casa, deixe que a transparência exterior o inspire a ver a transparência interior. Quando tomamos essa atitude, tudo se torna visível e livre do engano, nos aproximando do Salvador.

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