Missa do 26º. dom.
comum. Palavra de Deus: Amós 6,1a.4-7; 1Timóteo 6,11-16; Lucas 16,19-31.
Às vezes, nós precisamos fechar a
porta. Quando nos sentimos cobrados em excesso pelo mundo, ou quando nos
sentimos invadidos, desrespeitados nos nossos limites, nos faz bem fechar a
porta. Nós precisamos fechar a porta para rever os nossos valores, para proteger
a nossa alma, para direcionar a nossa vida a partir da voz interior de Deus em
nós, e não a partir das exigências do mundo que parecem querer nos devorar.
Mas há um problema: a porta não pode
permanecer fechada indefinidamente. Nós não podemos nos fechar em nós mesmos,
assumindo uma postura extremamente individualista, enxergando apenas a nós
mesmos, sem nos dar conta das pessoas que estão ao nosso redor. Por isso, é
importante lembrar que, do lado de fora da porta da nossa casa, pode haver
algum Lázaro precisando da nossa ajuda. Jesus nos convida a ter esse cuidado de
olhar além de nós, e de perceber as pessoas que estão à nossa volta e que
podemos, de alguma forma, ajudar.
O grande erro de interpretação deste
Evangelho é concluir que todo pobre já está salvo por ser pobre e todo rico já
está condenado por ser rico. O que nos salva ou nos condena diante de Deus não
é a nossa condição social, mas as nossas atitudes para com as pessoas que
precisam de nós, quer sejamos ricos, quer sejamos pobres. O profeta Amós esclarece
quais são essas atitudes que nos condenam perante Deus: viver na indiferença
para com quem sofre, sentir-se seguro com a sua riqueza, dormir em camas luxuosas,
comer e beber do bom e do melhor, se perfumar com os mais finos perfumes, mas
não se preocupar com a ruína dos mais fracos (cf. Am 6,1a.4-6). Essas atitudes
nos fecham em nós mesmos e criam um abismo entre nós e as outras pessoas, um
abismo chamado indiferença, cavado a partir do nosso individualismo.
Qual é o abismo que separa você das
outras pessoas? Indiferença, ressentimento, falta de tempo, medo de enfrentar o
necessário diálogo, egoísmo? Como é que você interpreta o abismo social entre
ricos e pobres: como desígnio de Deus – porque nesta vida uns nascem para
sofrer e outros para serem felizes – ou como fruto do egoísmo e da ambição de
alguns? Como você lida com os abismos que estão na sua vida: assumindo uma postura
de vítima ou modificando aquelas atitudes que levaram você a cavar aquele
abismo para mantê-lo(a) separado(a) de determinadas pessoas?
Jesus usa imagens para falar do céu
(estar junto de Abraão) e do inferno (estar no meio de tormentos). O céu e o
inferno são realidade que experimentamos já nesta vida. Manter a porta da nossa
vida fechada a quem precisa de nós, ter atitudes que aumentam o abismo que
separa as pessoas, isso cria o inferno, para nós e para a nossa sociedade.
Abrir a porta da nossa vida para quem está ferido, ter atitudes que diminuam o
abismo que separa as pessoas, isso cria o céu, para nós e para a nossa
sociedade.
Muitas pessoas ouvem o Evangelho.
Enquanto algumas tomam a decisão de mudar, outras adiam essa decisão
indefinidamente. Jesus nos faz um alerta nesta parábola: enquanto estamos nesta
vida, podemos tomar atitudes e mudar; mas quando estivermos “do outro lado de
lá”, não haverá mais como mudar nada. Enquanto estamos nesta vida, podemos
abrir a porta e diminuir o abismo que nos separa das pessoas que precisam de
nós, mas, depois que partirmos desta vida, o que fechamos ficará fechado, o
abismo que não quisemos transpor se tornará intransponível para sempre: “Há um
grande abismo entre nós. Por mais que alguém desejasse, não poderia passar...”
(Lc 16,26).
Jesus estaria fazendo “terrorismo
espiritual” conosco? Não. Ele está nos convidando a viver com responsabilidade
esta vida única que temos. Muitos vivem sua vida na base do improviso, achando
que, se no fim deu errado, poderão voltar para corrigir os erros que cometeram.
Mas o Evangelho afirma que nós não voltaremos para corrigir nada. Isso
significa que cada escolha, cada decisão, cada atitude que tomamos hoje na vida
tem um valor de eternidade. Cada momento é único e não se repetirá mais. É isso
que torna sagrada a nossa vida. Portanto, “Enquanto
temos tempo, façamos o bem a todos” (Gl 6,10). “Enquanto ainda se disser ‘hoje’” (Hb 3,13), procuremos a justiça,
a piedade, a fé, o amor, a firmeza, a mansidão. Combatamos o bom combate da fé,
conquistemos a vida eterna (cf. 1Tm 6,11-12), abrindo nossa porta a Lázaro e
oferecendo o bálsamo da nossa compaixão para curar suas feridas.
Pe. Paulo Cezar Mazzi