Missa do 4º. dom. comum. Palavra de
Deus: Jeremias 1,4-5.17-19; 1Coríntios 12,31 – 13,13; Lucas 4,21-30.
As leituras que ouvimos na semana
passada (3º. domingo do tempo comum) nos falaram da força da Palavra de Deus,
Palavra que transforma a nossa tristeza em alegria (1ª. leitura), que unifica e
congrega o que está dividido e disperso em nós (2ª. leitura), Palavra que
sempre tem algo novo a dizer para o nosso “hoje” (Evangelho). Mas fica uma
pergunta: por que a Palavra não cura, não faz passar da morte para a vida e não
transforma a vida de todos os que a ouvem?
Porque ela não encontra fé em todos; porque, em lugar da fé, ela encontra
resistência, acomodação, falta de vontade em mudar, falta de humildade em
reconhecer aquilo que ela, a Palavra, denuncia como sendo nosso erro, nosso
pecado.
O Evangelho de hoje, que retoma o
anúncio feito por Jesus a respeito da Palavra de Deus na sinagoga de Nazaré,
nos faz entender que a Palavra sempre provoca algum tipo de reação em quem a
ouve: pode ser alegria, admiração, gratidão, docilidade, mas pode ser também
tristeza, raiva, indignação, revolta. As mesmas pessoas que estavam “admiradas
com as palavras cheias de encanto que saíam” da boca de Jesus (cf. Lc 4,22),
agora se levantam, revoltadas, furiosas (v. 28), e o empurram para fora da
sinagoga, com a intenção de lançá-lo num precipício.
Essa atitude, essa mudança brusca da admiração para a fúria, não é tão desconhecida. Todos nós, de vez em quando agimos
assim. Seja na conversa informal com um amigo, seja numa consulta médica ou
numa terapia, seja numa direção espiritual, seja durante uma homilia, acabamos
por ouvir aquilo que precisávamos ouvir,
mas que não gostaríamos de ouvir, e imediatamente reagimos com raiva,
ficamos furiosos porque alguém nos disse
uma verdade que não admitimos reconhecer em nossa vida.
O que os habitantes de Nazaré ouviram
que os deixou tão furiosos com Jesus? Jesus, usando dois exemplos do passado –
as palavras do profeta Elias e do profeta Eliseu, que não foram acolhidas pelo
povo de Israel, mas sim por estrangeiros –, revelou aos habitantes de Nazaré
que existia no coração deles falta de fé em relação à Palavra, além de má
vontade em colocá-la em prática. Podemos traduzir isso para os nossos dias.
Existe hoje um interesse pela Palavra, mas
apenas enquanto ela funciona como auto-ajuda. Os pregadores de maior sucesso
são aqueles que “transformam”/ “pervertem” a Palavra de Deus em receita para se
dar bem na vida, para prosperar, para se tornar um vencedor, não que a Palavra
também não possa fazer isso, mas o objetivo dela não é estar a serviço dos
nossos interesses, e sim nos confrontar com a verdade que nos liberta e nos
revelar a vontade do Pai para a nossa vida.
Aqueles que ficaram furiosos com as
palavras de Jesus tentaram lançá-lo no precipício (vs.28-29). Sempre que você
se encher de fúria por ter ouvido algo que não gostou, procure analisar o
verdadeiro motivo pelo qual aquela palavra te incomodou tanto. Ali está uma
chave importante para que você tenha acesso a uma verdade que está escondida
dentro de você, uma verdade que, se for ouvida e acolhida, poderá livrar você
de continuar a caminhar na direção de um precipício.
A reação de Jesus tem algo muito
importante a nos dizer: “Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o
seu caminho” (Lc 4,30). A Palavra continuará a ser proclamada e, não obstante
as resistências que encontra em tantas pessoas, continuará o seu caminho, em
busca de corações capazes de ouvi-la, desejosos de serem convertidos, curados e
transformados. A Palavra é a manifestação do amor de Deus, amor que não desiste
só porque encontrou obstáculos, porque encontrou portas fechadas. Como nos
lembrou a própria Palavra, o amor “suporta tudo, crê tudo, espera tudo,
desculpa tudo” (1Cor 13,7).
Assim como Deus ontem precisou de
Jeremias para anunciar a Sua Palavra, hoje Ele precisa de você. Sempre que você
se colocar a serviço da Palavra de Deus, vai experimentar momentos de
admiração, mas também momentos de fúria, por parte dos outros; vai encontrar
pessoas abertas a ouvir a Palavra, mas também pessoas que vão querer calar a
sua voz a todo custo, e se não conseguirem isso por meios lícitos, usarão de
meios ilícitos, até que você desista de proclamar a Palavra. Lembre-se do que
Deus disse a Jeremias: “Eu te consagrei e te fiz profeta... Eu te transformarei
hoje numa cidade fortificada, numa coluna de ferro, num muro de bronze (ou seja, numa pessoa forte, que não
desanimará, nem se deixará derrubar facilmente pela rejeição que vai encontrar).
Eles farão guerra contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para
defender-te” (citação livre de Jr 1,18-19).
Independente dos inúmeros obstáculos que
você encontrar, faça como Jesus: passe pelo meio deles e continue o seu
caminho, levando a Palavra que é a manifestação do incansável amor de Deus, do “incansável
amor que procura a quem transformar e transforma a quem encontrar” (Pe. Fábio
de Melo, na música “Lugares”, de Walmir Alencar). Pe. Paulo Cezar Mazzi