Missa do 30º. dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias
31,7-9; Hebreus 5,1-6; Marcos 10,46-52.
Estamos diante do último milagre de Jesus no evangelho
de Marcos: a cura do cego Bartimeu. Quem de nós sabe alguma coisa da
experiência de não poder enxergar? Mas, ainda que você tenha a graça de poder
ver, quantas vezes já se sentiu incapaz de enxergar uma saída, uma luz no fim
do túnel? Muitas vezes, o nosso ver é marcado por um olhar míope, danificado
pelo preconceito, ou então assumimos na vida a postura de quem não quer ver, de
quem não quer enxergar, e aí vale o ditado que diz: “o pior cego é aquele que
não quer enxergar”.
Às vezes não queremos enxergar, não
queremos ver aquilo que está mostrando que estamos errados, que precisamos
mudar. Outras vezes, a experiência do sofrimento pode ser tão grande que tira
de nós a capacidade de ver com clareza o que está acontecendo. Nessas horas,
não conseguimos ver nem mesmo a presença de Deus junto a nós, como aconteceu
com os discípulos de Emaús: a tristeza pela morte de Jesus era tão intensa que
seus olhos foram incapazes de enxergar Jesus Ressuscitado que se pôs a caminhar
com eles (cf. Lc 24,16).
A tristeza, a depressão, o
pessimismo, a sensação de que somos engolidos por algum problema podem nos
tornar cegos, incapazes de enxergar Deus junto a nós; incapazes de enxergar
algo de bom em nós, nas pessoas, na vida, no mundo. Mas é bom lembrar a
experiência de Israel no exílio da Babilônia: “Os que lançam as sementes entre
lágrimas, colherão com alegria” (Sl 126,5). As lágrimas nos impedem de ver com
clareza, mas mesmo com a nossa visão comprometida pela tristeza ou pelo
abatimento, a fé nos desafia a lançar as sementes. O agricultor pode não
enxergar nenhuma nuvem de chuva no céu, mas ele lança as sementes na esperança de
que a chuva virá. E quando a chuva vem, cai sobre todos os terrenos. Contudo,
os frutos só surgirão no terreno onde as sementes foram lançadas, quando ainda
era tempo de tristeza, de seca, de aridez.
Nossa fé é sempre um caminhar sem
ver. Nós não vemos Deus, mas caminhamos sustentados por sua Palavra que diz:
“Eu os trarei... Eu os reunirei... Entre eles há cegos... Eles chegarão entre
lágrimas e eu os receberei entre preces... Eu os conduzirei... Eles não
tropeçarão, pois tornei-me um pai para eles” (Jr 31,8-9). Nas horas em que não
conseguimos enxergar nada, a melhor coisa a fazer é estender a mão e pedir que
o Pai nos conduza e nos ajude a atravessar esse trecho escuro da estrada. Mas,
para isso, precisamos abrir mão do controle e confiar que estamos em boas mãos;
Deus está no controle. Ele vê o que nós ainda não conseguimos enxergar.
Bartimeu é a imagem da fé, uma fé
que não pode ver Deus, mas consegue ouvir sua Palavra e tem a coragem de
gritar, de suplicar a Deus mesmo sem vê-Lo. Ouvindo que Jesus passava por ali,
Bartimeu gritou. E quando tentaram silenciá-lo, gritou mais ainda. Assim como o
pior cego é aquele que não quer enxergar, a pior fé é aquela que se cala diante
de qualquer obstáculo que encontra para tentar chegar mais perto de Deus. Quem
não reage diante das dificuldades, passará toda a sua vida sentado à beira do
caminho, vivendo de esmolas. Não é uma vida digna, mas há muitas pessoas que
escolhem viver assim porque têm ganhos secundários: as esmolas.
“Coragem, levanta-te, Jesus te chama!”
(Mc 10,49). Bartimeu já havia manifestado sua coragem ao não se deixar
silenciar pela multidão que o repreendia. Essa coragem contrasta com a
resignação de tantos que insistem em não se levantar: são aqueles casos nos
quais nem um guincho é capaz de fazer a pessoa se levantar, ainda que Jesus a
chame. Por isso, a pergunta de Jesus a Bartimeu vale para qualquer um de nós:
“O que você quer que eu te faça?” (Mc 10,51). Você quer esmolas ou quer
caminhar com suas próprias pernas? Você quer realmente ver ou quer continuar a
se guiar na vida pela visão dos outros, para se isentar de responsabilidades
perante sua própria existência?
“Que eu veja!” (Mc 10,51). Que eu
não tenha medo de enxergar o que há dentro de mim! Que eu veja para além de mim
e não tenha medo de me deixar afetar pela realidade que me cerca ou pelos que
sofrem à minha volta! Que eu enxergue para além do aqui e do agora e lance
minhas sementes, mesmo em meio a lágrimas! Que eu veja o que não tenho
conseguido enxergar para melhorar meu relacionamento com as pessoas e com Deus!
“Vai, a tua fé te curou” (Mc 10,52).
A fé converte a nossa cegueira em visão. Desejando sinceramente ver, Bartimeu
ampliou sua visão de mundo, e mesmo estando livre para seguir adiante com sua
vida, escolheu seguir Jesus pelo caminho, tornando-se modelo para qualquer um
de nós que escolha ser discípulo de Jesus Cristo, lembrando que seguir Jesus
sempre será um “caminhar à luz da fé, não na visão clara” (2Cor 5,7), até que
possamos vê-lo face a face, no céu (cf. 1Cor 13,12).
Pe. Paulo Cezar Mazzi