Missa do 12º dom. comum. Palavra de Deus: Zacarias 12,10-11.13,1; Gálatas 3,26-29; Lucas 9,18-24.
“Jesus estava rezando num lugar retirado”
(Lc 9,18). O Evangelho nos coloca não somente diante da oração de Jesus, mas
deixa entrever o conteúdo da sua oração: “Quem eu sou?”. Qual a razão da minha
existência? Por que eu estou neste mundo? Qual é a minha missão? A oração é o
lugar onde a nossa vida pode encontrar o seu verdadeiro sentido. Na oração, o filho
pergunta ao Pai: Por que o Senhor me chamou à existência? O que o Senhor quer
que eu faça? Tomar consciência da razão da nossa existência nos ajuda a não nos
perder na desorientação do mundo atual.
A resposta que Jesus buscava na sua
oração – “Quem eu sou?” – não foi dada diretamente pelo Pai, mas pelos
discípulos. Da mesma forma acontece conosco: Deus não nos fala diretamente, mas
por meio de pessoas, de acontecimentos e da nossa própria consciência. O povo
tinha várias opiniões a respeito de Jesus: Ele lembrava Elias, João Batista ou
algum dos outros profetas. Essa diversidade de opiniões também está na presente
na forma como vemos as pessoas e na forma como elas nos veem: são os rótulos –
“Esse é de direita”; “Aquele que é de esquerda”; “Esse é conservador”; “Aquele
é progressista”.
Diante de tantos rótulos, cada um de nós
precisa responder a si mesmo: “Quem eu sou?”. Com quais valores eu me
identifico? Como eu entendo a razão pela qual estou aqui, neste mundo? Para
além da superficialidade dos rótulos, Pedro disse a Jesus como o via: “O Cristo
de Deus” (Lc 9,20). Jesus é exatamente isso: o Cristo, o Ungido de Deus! O
problema é que, tanto para Pedro como os demais discípulos, identificar Jesus
como o Cristo significava enxergá-lo como o líder político e militar que
libertaria Israel do domínio romano. Mas a missão de Jesus não era essa; por
isso ele “proibiu-lhes severamente que contassem isso a alguém” (Lc 9,21).
Vivendo num mundo onde ninguém enxerga
ninguém e onde os valores estão invertidos, nós facilmente caímos na tentação
de nos sentirmos “o cristo”, ou seja, uma pessoa que será uma vitoriosa num
mundo de fracassados, será alguém que enxerga num mundo onde todos são cegos,
será um forte num mundo cheio de fracos. A ironia é que, principalmente por
influência das redes sociais, nós somos imitadores dos outros: curtimos o que
todos curtem, aplaudimos o que todos aplaudem, consumimos o que todos consomem
porque, no fundo, somos movidos pela necessidade de aceitação: se formos
diferentes dos outros, não seremos aceitos por eles.
Jesus, por ser livre dessa armadilha da
aceitação alheia, foi tomando consciência da sua missão: “O Filho do Homem deve
sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da
Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia” (Lc 9,22). Enquanto nós
entendemos a vida na base do “eu quero” – quero vencer, quero ser grande e
importante –, Jesus foi compreendendo na sua oração que o sentido da sua vida
não estava no “eu quero”, mas no “eu devo”. Quem se orienta somente pelo “eu
quero” acaba por ser infiel à sua missão e segue pela vida desorientado, como
folha seca empurrada pelo vento. Somente quem tem consciência do seu “eu devo”
não perde a direção do rumo que tem que tomar, para realizar a missão para a
qual foi chamado.
Estando consciente do seu “eu devo”,
Jesus lançou um desafio para toda e qualquer pessoa que deseja se tornar sua discípula:
“Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e
siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a
sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,23-24). Enquanto o mundo
provoca o nosso ego a se colocar no centro de tudo, Jesus nos desafia a
frustrar o nosso ego, que só busca o que lhe agrada e o que lhe interessa, para
colocar no centro das nossas atitudes a consciência do nosso dever. Tomar a
cruz cada dia significa ser fiel à missão que recebemos do Pai, ao nos chamar à
existência; significa não nos colocar no centro e não termos medo de sermos
desprezados, de sermos cancelados dos contatos das pessoas por não nos
sujeitarmos a ser a reprodução da mediocridade que elas se tornaram, só para
serem aceitas por uma sociedade que valoriza o fútil, o vazio, a
superficialidade, o ridículo.
“Eles olharão para mim. Ao que eles
feriram de morte, hão de chorá-lo, como se chora a perda de um filho único, e
hão de sentir por ele a dor que se sente pela morte de um primogênito” (Zc
12,10). A pergunta sobre “quem eu sou?” está diretamente relacionada sobre “quem
Deus é para mim?”. Deus se identifica com o fracassado, não com o vitorioso;
Ele se encontra onde há dor, não onde há uma alegria egoísta e indiferente ao
sofrimento alheio. “Naquele dia, haverá um grande pranto em Jerusalém... Naquele
dia, haverá uma fonte acessível à casa de Davi e aos habitantes de Jerusalém,
para ablução e purificação” (Zc 12,11; 13,1). Nossos olhos precisam chorar. As
lágrimas da dor da realidade à nossa volta precisam limpar nossos olhos, para enxergarmos
melhor quem é Deus e quem nós somos. Já passou da hora de nos despirmos da
fantasia da grandeza, da vaidade, do “aparentar ser”, do aparecer, para nos
revestirmos de Cristo (cf. Gl 3,27), de forma que as pessoas enxerguem em nós
não uma caricatura de cristãos, mas verdadeiros discípulos d’Aquele que sempre
buscou na oração tomar consciência da sua verdadeira missão neste mundo.
Pe. Paulo Cezar Mazzi