sexta-feira, 29 de agosto de 2025

LIBERTAR-SE DA ESCRAVIDÃO DA VISIBILIDADE

 Missa do 22º dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,19-21.30-31; Hebreus 12,18-19.22-24a; Lucas 14,1.7-14.

 

            Com muita frequência, os evangelhos nos falam de Jesus à mesa, fazendo refeição com outras pessoas. Essas refeições eram ocasião não só para Jesus estreitar seu laço com as pessoas, mas também para ele ensinar algo importante a respeito do Reino de Deus. Aliás, no evangelho de domingo passado (Lc 13,22-30), Jesus afirmou: “Virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus” (Lc 13,28).

            O evangelho de hoje acabou de nos apresentar Jesus como convidado de uma refeição na casa de um dos chefes dos fariseus. Ali, “Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares” (Lc 14,7). O que está por trás dessa atitude? Qual lugar você escolheria: entre os primeiros, ou entre os últimos? Não há dúvida de que, o tempo todo, nós somos provocados a estar entre os primeiros, nunca entre os últimos! Além de vivermos numa sociedade competitiva, a indústria do consumo, em vista de lucrar conosco, nos convence, através de propagandas enganadoras, que a felicidade só se encontra entre os primeiros; nunca entre os últimos. E nós acabamos caindo no erro de pensar que nós só temos valor se conseguirmos ocupar um dos primeiros lugares.   

            O problema é que existe um preço a pagar para você ocupar um dos primeiros lugares. Esse preço pode custar a sua saúde física e mental, a sua paz de espírito, o seu caráter, o seu casamento, a relação com os seus filhos, a sua espiritualidade, os valores do evangelho etc. Ainda que você esteja disposto a pagar o preço, assim que você ocupa o seu lugar entre os primeiros, a sociedade da aparência muda o conceito de “primeiros lugares”, e aí vai você novamente correr atrás daquilo que todo mundo está correndo, endividando-se, atormentando-se, desgastando-se, para não ficar para trás e não sentir-se entre os últimos.

A questão, na verdade, não é saber se você hoje está ocupando um lugar entre os primeiros ou entre os últimos, mas se o lugar que você escolheu ocupar te deixa perto ou longe de Deus. O Salmo da missa de hoje deixa claro que Deus escolheu se colocar junto daqueles que não têm lugar neste mundo: os órfãos, as viúvas, os deserdados, os prisioneiros. Exatamente para aquelas pessoas, para as quais não há lugar, ou seja, não há atenção, nem cuidado, nem consideração, Deus escolher ser lugar, acolher, proteger, amparar, defender, alimentar. Essa foi também a escolha do Pe. Júlio Lancelotti: “Sou um padre cancelado, porque ando com pessoas que também são ‘canceladas’ pela sociedade. Quero estar do lado dessas pessoas, das que são pisadas pelo poder. Quero ser uma delas e não ser as pessoas que pisam. É preciso amar os que não são amados, e servir os que ninguém quer servir. É preciso estar do lado de quem ninguém quer estar”.

A busca pelos primeiros lugares é a busca pela visibilidade. Essa busca se tornou doentia com as redes sociais. Para ganhar visibilidade, algumas pessoas chegam a fazer coisas absurdas. O importante é que sua postagem ganhe o maior número possível de curtidas e de visualizações. São pessoas escravas do reconhecimento dos outros. A busca doentia pela visibilidade alcançou também pessoas religiosas, cristãs, que deixaram de seguir Jesus, em seu caminho de humildade, e passaram a se preocupar em fazer aumentar o número dos seus próprios seguidores. Ainda que falem de Deus, pregam a si mesmas e prestam culto à sua própria necessidade de reconhecimento.      

O contrário da busca por visibilidade é a humildade. “Na medida em que fores grande, deverás praticar a humildade, e assim encontrarás graça diante do Senhor. Muitos são altaneiros e ilustres, mas é aos humildes que ele revela seus mistérios” (Eclo 3,20). Deus não cabe no coração de uma pessoa cheia de si, com um ego inflado. Humildade vem de húmus, terra, o que significa que a pessoa humilde não vive fazendo propaganda das suas folhas e dos seus frutos (aspectos externos), mas cuida das suas raízes (daquilo que está escondido e que ninguém vê). Enquanto a preocupação com a visibilidade faz de nós pessoas superficiais, o cultivo da humildade faz de nós pessoas profundas, que não tombam diante dos ventos contrários porque têm um alicerce interior.       

            Depois de nos aconselhar a respeito da humildade, Jesus nos fala de outro valor importante: a gratuidade. “Quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos” (Lc 14,13-14). Aqui está o segredo da verdadeira alegria: dar a quem não pode nos devolver; ajudar gratuitamente, sem esperar por recompensa ou reconhecimento; fazer um trabalho voluntário sem divulga-lo nas redes sociais para recebermos elogios. “Então tu serás feliz!”. Quanto mais nos voltamos para nós mesmos, girando em torno da necessidade de reconhecimento e de visibilidade, mais infelizes nos sentimos. Quanto mais amamos quem não é amado e mais nos colocamos junto daqueles que o mundo ignora, mais nos sentimos felizes, porque estamos onde Deus escolheu estar.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

NÃO HÁ CÉU PARA QUEM VIVE FAZENDO CORPO MOLE NA TERRA

 Missa do 21º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 66,18-21; Hebreus 12,5-7.11-13; Lucas 13,22-30.

            “Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?” (Lc 13,23). Quem hoje pergunta pela salvação, seja de si mesmo, seja dos outros? A pergunta pela salvação é a pergunta pela Vida Eterna. Neste mundo onde “quem pode mais chora menos”, cada um vive correndo atrás não da sua salvação, mas da sua sobrevivência. Além disso, as redes sociais fizeram nascer outra preocupação nas pessoas: como tornar-se um youtuber, um influencer; como ganhar seguidores e, consequentemente, dinheiro, postando vídeos fúteis, banais e vazios. Se há algo que está longe da vida cotidiana da maioria das pessoas hoje em dia é a pergunta pela Vida Eterna.   

             Talvez, uma outra razão para as pessoas não se preocuparem com a própria salvação seja a confiança na ciência, na tecnologia, no dinheiro ou, quem sabe, nas armas etc. Neste sentido, precisamos nos lembrar de uma importante verdade: “Ninguém se salvará por sua própria força” (Sl 33,17). A salvação não é uma conquista nossa, mas uma resposta de fé ao Deus que nos enviou o seu Filho como Salvador do mundo: “Deus enviou seu Filho ao mundo para salvar o mundo. Quem n’Ele crê não é condenado; mas quem não crê, já está condenado” (citação livre de Jo 3,17-18).     

            Então, basta a fé em Jesus Cristo para sermos salvos? Depende do que entendemos por fé. A fé é uma força que nos tira da acomodação e nos põe em movimento. Jesus traduz a fé n’Ele usando um exemplo bem concreto: “Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (Lc 13,24). A porta da salvação é o próprio Jesus, como Ele mesmo afirma: “Eu sou a porta. Quem entrar por mim será salvo” (Jo 10,9). Mas, por que Jesus é uma porta “estreita” e não larga?

            Na verdade, o que torna a porta da salvação estreita é a nossa preguiça espiritual. A maioria das pessoas faz corpo mole perante a vida, buscando sempre o caminho mais fácil e menos custoso. Como alguém disse: “todo mundo quer ir para o céu, desde que não tenha que fazer nada”. Para uma geração como a atual, que quer tudo fácil e rápido, que vive se desviando do que é difícil e custoso, a desistência em ser salva é regra e não exceção. No entanto, Deus não desiste de nos chamar à conversão e à salvação. Por isso, permite situações dolorosas em nossa vida em vista da nossa educação, da nossa correção: “Meu filho, não desprezes a educação do Senhor, não te desanimes quando ele te repreende; pois o Senhor corrige a quem ele ama e castiga a quem aceita como filho” (Hb 12,5-6).

Quanto mais “corpo mole” uma pessoa é, mais ela vai “apanhar” da vida, até virar gente. Quanto mais teimoso, arrogante e autossuficiente for o coração humano, mais ele precisará sofrer para se tornar humilde e reconhecer-se necessitado de salvação. Isso não quer dizer que todas as pessoas que sofrem aceitam ser educadas, corrigidas. Muitos seguirão pela vida destruindo a si mesmos e aos outros, seja por orgulho, seja pela própria preguiça em se esforçar para mudar e melhorar.  

            Se existe em nós um instinto em fugir da dificuldade e buscar facilidade, o autor da carta aos Hebreus afirmou algo intolerável de se ouvir: “É para a vossa educação que sofreis” (Hb 12,7). Em outras palavras: quando estamos passando por uma situação de sofrimento, precisamos nos fazer uma pergunta: “O que esse sofrimento veio me ensinar?”. A vida ensina quem está disposto a aprender, e as lições mais importantes só são aprendidas por meio da dor. Só o sofrimento tem o poder de nos transformar em pessoas melhores, mas isso depende da forma como lidamos com ele e se estamos abertos a ouvir o que ele tem a nos ensinar.

Assim termina o texto de hoje da carta aos Hebreus: “Acertai os passos dos vossos pés, para que não se extravie o que é manco, mas antes seja curado” (Hb 12,13). Os passos que temos dado na vida têm nos levado na direção da porta estreita, que é Cristo, ou nos afastado cada vez mais dela? Tenhamos consciência disso: só existe cura para quem se reconhece doente e não somente busca pelo Médico, Jesus Cristo, mas também aceita tomar o remédio “amargo” do Evangelho. Só existe salvação para quem, de fato, se preocupa e se esforça por viver de maneira digna da Vida Eterna. No fundo, a pergunta que precisa ser respondida não é se são poucos os que se salvam, mas se cada um de nós tem consciência de que necessita ser salvo.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi    

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

O CÉU RECOLHE NOSSAS LUTAS NA TERRA

 Missa da Assunção de Maria. Palavra de Deus: Apocalipse 11,19a; 12,1-6a.10ab. 1Coríntios 15,20-26.28; Lucas 1,39-56

           

            Qual será o ponto final da história terrena de cada um de nós? O ponto final da história terrena de Jesus foi a sua ascensão ao céu, a sua subida, a sua elevação até junto de Deus Pai. Pelo fato de Maria estar unida ao seu Filho desde o momento da concepção, passando por sua vida pública e terminando na cruz, nossa Igreja acredita que, no momento da sua morte, Maria foi assunta, isto é, foi elevada em corpo e alma ao céu. Por que “em corpo e alma” e não somente “em alma”? Porque o corpo de Maria foi um corpo sem a mancha do pecado, preparado por Deus desde toda a eternidade para gerar seu Filho Jesus. “Sendo Maria a ‘cheia de graça’, sem sombra alguma de pecado, quis o Pai associá-la à ressurreição de Jesus” (Missal dominical).

            Mas o que o dogma (afirmação de fé) da Assunção de Nossa Senhora tem a nos dizer? Esse dogma aponta para a “meta final da redenção: a glorificação da humanidade em Cristo. Maria chama hoje os cristãos a se considerarem inseridos na história da salvação e destinados a conformar-se a Cristo na glória... É a mãe que nos espera e convida a caminhar para o reino de Deus” (Missal dominical). Desse modo, podemos entender que o ponto final da nossa história terrena é a nossa glorificação em Cristo. Embora já tenhamos sido salvos por Jesus, nós somos, enquanto Igreja, aquela Mulher grávida que grita em dores de parto. Somos homens e mulheres grávidos de sonhos e de esperanças. Trabalhamos e lutamos diariamente para gerar justiça, reconciliação e libertação para a humanidade, mesmo sabendo que no mundo em que vivemos age o dragão do mal, tentando devorar aquilo que com tanto esforço geramos. 

            Maria nos convida a confiar na intervenção de Deus na história humana. Justamente porque “sua misericórdia se estende de geração em geração, sobre aqueles que o temem” (Lc 1,50), Deus volta seus olhos para os pequenos e humilhados, como “olhou para a humilhação de sua serva” (Lc 1,47). Agindo com a força do seu braço, Ele salva o Filho que nasceu em meio a grandes dores de parto, impedindo que o dragão do mal o devore. Isso significa que, se o maligno nos persegue e nos ataca por sermos cristãos, devemos saber que pertencemos a Deus e, justamente no momento mais crítico, onde o mal parece estar muito próximo da vitória, ali Deus intervém e nos salva como seu povo (cf. Ap 12,5). Portanto, essa imagem do Apocalipse quer nos tornar conscientes de que o mundo sempre será para nós, cristãos, o lugar do combate, da ameaça, de uma fidelidade custosa, o tempo em que o mal parece prevalecer nos seus ataques, mas, sobretudo, o tempo em que a poderosa mão de Deus nos socorre, nos protege e nos impede de sermos alcançados pelo mal.

Assim como o Pai recolheu o corpo de seu Filho morto na cruz e o transformou num corpo glorificado na ressurreição, assim como Ele recolheu Maria em corpo e alma ao céu, assim Deus recolherá as nossas lutas, os nossos sonhos, as nossas lágrimas, e os transformará numa vida nova, como diz a Escritura: “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias (primeiros frutos de uma colheita) dos que morreram... Em Cristo todos reviverão” (1Cor 15,20.22). É por isso que o salmista proclama: “Já contaste os meus passos errantes, recolhe minhas lágrimas em teu odre!” (Sl 56,9), o que significa que cada lágrima do justo terá sua recompensa no céu (cf. Is 25,8; Ap 7,17). 

            Não há dúvida de que a luta contra o Dragão do mal é sentida de forma mais intensa na vida de pessoas que procuram andar no caminho de Deus e manter a fé em Jesus Cristo. Contudo, devemos confiar na vitória final de Cristo: todos os inimigos da vida e da esperança serão postos debaixo dos pés de Jesus, sendo que “o último inimigo a ser destruído é a morte. Com efeito, Deus pôs tudo debaixo de seus pés” (1Cor 15,26-27). Que à semelhança de Nossa Senhora cada um de nós, no seio da sociedade humana, possa proclamar a força do braço do nosso Deus, que recolhe o suor da nossa luta, do nosso esforço, e as lágrimas da nossa dor para tornar o mundo melhor, e transforma tudo isso segundo o Seu desígnio de vida e de salvação para a humanidade.

Neste terceiro domingo de agosto, mês vocacional, celebramos o dia do(a)s Religioso(a)s, das pessoas que não se casaram por causa do Reino dos céus (cf. Mt 19,12), homens e mulheres cuja afetividade não foi direcionada para alguém em particular, mas para amar a todos, especialmente os que não se sentem ou de fato não são amados em nosso mundo. Assim como Maria, elevada em corpo e alma aos céus, o(a)s religioso(a)s são um sinal a nos lembrar que o desejo último de cada um de nós é nos unir definitivamente a Deus na sua Glória, como Maria está.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

VOCÊ É UMA PESSOA SUSTENTADA PELA FORÇA DA ESPERANÇA?

 Missa do 19º dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 18,6-9; Hebreus 11,1-2.8-12; Lucas 12,35-40.

 

            Este ano de 2025 foi escolhido pelo Papa Francisco para celebrarmos o Jubileu da Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo, com o tema: “Peregrinos de Esperança”. A esperança é justamente a força que nos levanta e nos põe a caminho, nos faz peregrinos, como Abraão que, ao ser chamado por Deus, “partiu, sem saber para onde ia” (Hb 11,8). Partir sem saber para onde vamos significa deixar-nos conduzir por Alguém que é maior do que nós, pelo Deus que vê aquilo que ainda não vemos e que, em Seu Filho Jesus Cristo, nos fez a promessa da vida eterna. Ora, sempre que Deus nos faz uma promessa, esta precisa ser abraçada pela esperança.

            Como anda a nossa esperança? Em tempos de rapidez e de imediatismo, nós sabemos esperar em Deus? O salmista fez uma afirmação importante: “O Senhor pousa o olhar sobre os que o temem, e que confiam esperando em seu amor, para da morte libertar as suas vidas e alimentá-los quando é tempo de penúria” (Sl 33,18). Confiar esperando em Seu amor – essa é a atitude que nos é pedida por Deus. Foi essa a atitude dos hebreus que, vivendo escravos do Egito, esperaram pela noite da sua libertação: “A noite da libertação... foi esperada por teu povo, como salvação para os justos e como perdição para os inimigos” (Sb 18,6.7).

            Mais uma vez, precisamos nos perguntar: nós ainda sabemos esperar no Senhor, esperar por Seu socorro, por Sua salvação? Não há dúvida de que muitos esperaram em Deus e se decepcionaram, porque a salvação pela qual esperavam não veio. É o caso de tantos que suplicaram a cura por um ente querido, mas em lugar da cura veio a morte. Aqui precisamos nos recordar as palavras do apóstolo Paulo: “Se temos esperança em Cristo somente para essa vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens” (1Cor 15,19). A nossa esperança nunca pode se restringir ao aqui e agora, mas manter-se aberta. A salvação que Deus nos oferece em Seu Filho Jesus Cristo transcende esta vida e ultrapassa todo o nosso entendimento.

            Olhemos novamente para Abraão. A esperança que ele tinha em Deus o fez habitar na terra prometida como estrangeiro, morando em tendas! De fato, “ele residiu como estrangeiro na terra prometida, morando em tendas... pois esperava a cidade alicerçada que tem Deus mesmo por arquiteto e construtor” (Hb 11,9-10). A tenda é uma morada provisória. Ela se tornou, na Bíblia, símbolo de tudo aquilo que é provisório, transitório, em nossa vida. Enquanto estivermos neste mundo, tudo será provisório, não somente as coisas, mas inclusive as pessoas que hoje estão em nossa vida. Também aquilo que hoje nos oferece alguma garantia de segurança e bem-estar é provisório: saúde, dinheiro, amor etc.

            Morando em tendas, Abraão esperava a cidade que tem Deus como alicerce e construtor. O quê você espera nesta vida? Como você lida com aquilo que é transitório? Você consegue deixar ir aquilo que tem que ir? Suas mãos estão sempre fechadas, tentando agarrar-se àquilo que é provisório, ou se mantém abertas para receber aquilo que Deus está lhe preparando, como salvação definitiva?

            A esperança sempre nos faz olhar para frente, nunca para trás. Jesus nos quer pessoas não só habitadas, mas também movidas pela esperança. É por isso que ele nos diz: “Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas” (Lc 12,35). No tempo de Jesus estar com os rins cingidos significava colocar sobre as vestes largas, um cinto ou uma corda na cintura, para segurar a veste e assim, facilitar os movimentos do corpo, principalmente em vista de uma caminhada. Jesus quer que tenhamos consciência de que somos peregrinos, ou seja, nós estamos a caminho. Cada vez que perdemos algo provisório, precisamos olhar para a frente e continuar o nosso caminho, sustentados pela esperança e mantendo os olhos fixos na promessa de Deus.

            Além de ter os rins cingidos, Jesus nos fala da importância de termos nossas lâmpadas acesas. Uma lâmpada acesa é necessária, sobretudo, durante a noite. Isso significa que nós teremos que caminhar algumas vezes de noite, isto é, teremos que continuar a dar passos na direção de Deus e das Suas promessas mesmo quando estamos atravessando a noite escura da fé, ou seja, quando temos a sensação que Deus nos deixou sozinhos no caminho da vida ou que escondeu de nós o Seu rosto. É exatamente nas noites escuras da fé que corremos o risco de deixar de esperar no Senhor, e quando deixamos de esperar, também deixamos de caminhar. Portanto, quando tudo fica escuro à nossa volta, a lâmpada da nossa esperança precisa se manter acesa, recordando esta verdade: “Não se envergonha quem em Vós põe a esperança, mas quem por um nada nega a sua fé” (Sl 25,3).    

            Por fim, Jesus fala de maneira mais explícita sobre a esperança ao nos dizer:  “Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrirem, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater” (Lc 12,36). O quê, concretamente, nós, cristãos, estamos esperando? Estamos esperando uma Pessoa! Estamos esperando nosso Senhor voltar! Mas, quando ele voltará? Deixemos o próprio Jesus responder: “Ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes” (Lc 12,40). Nossa esperança pela volta do Senhor Jesus precisa desistir de querer saber inutilmente quando ela se dará, e manter o foco na tarefa que ele mesmo nos confiou. Concretamente, quando Jesus voltar, ele quer nos encontrar cuidando daquilo que ele confiou aos nossos cuidados.

            Cuidemos da nossa esperança! Não permitamos que o mundo nos contamine com a doença do desespero, com o esvaziamento da nossa esperança e com a perda de sentido da nossa vida. Quanto mais a vida nos confronta com a verdade daquilo que é transitório, mais nossa esperança precisa levantar o seu olhar para frente, para o Senhor que está vindo. Façamos nossa a oração do salmista: “No Senhor nós esperamos confiantes, porque ele é nosso auxílio e proteção! Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, da mesma forma que em vós nós esperamos!” (Sl 33,20.22).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

quinta-feira, 31 de julho de 2025

O FIO DE OURO QUE NOS ADOECE E NOS ESCRAVIZA: A GANÂNCIA

Missa do 18º dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiastes 1,2.2,21-23; Colossenses 3,1-5.9-11; Lucas 12,13-21.

 

            Inúmeras famílias estão sendo arruinadas por causa das “Bets” (apostas) eletrônicas. Há diversos casos de suicídio, porque a pessoa viciou no jogo e foi se afundando cada vez mais em dívidas; há casais que se divorciaram, porque o marido viciou no Jogo do Tigrinho e se endividou; há também casos trágicos, como o de uma professora de Belo Horizonte (MG) que recentemente foi morta pelo próprio filho, o qual estava endividado. Enquanto famílias estão sendo destruídas pelo vício em jogos de aposta on line, os donos das casas de aposta estão ficando cada vez mais milionários, pois os jogos de azar são programados para que a casa de aposta sempre ganhe. Há diversos vídeos no You Tube nos conscientizando a respeito disso. Deixo aqui apenas dois exemplos: https://www.youtube.com/live/T5Tsy_Ln4n4 (A Banca sempre ganha) e https://www.youtube.com/watch?v=kNUUwEXLVCM (A BET nunca perde).

             Num país de profunda desigualdade social como o nosso, onde os salários de políticos e juízes são astronômicos, enquanto a grande maioria dos trabalhadores brasileiros tem que sobreviver com salários em torno de R$ 2 mil reais ou de R$ 3 mil reais, é mais do que compreensível que a promessa enganadora de ganhar dinheiro com apostas on line seduza fortemente as pessoas. Além disso, a propaganda de consumo leva as pessoas a perderem a noção entre o essencial e o supérfluo, de modo que muitas dívidas são contraídas não porque a pessoa busca suprir suas necessidades básicas, mas porque se sente um “nada”, uma fracassada, quando se compara com outras pessoas que, nas suas redes sociais, ostentam o seu poder de consumo.

            Diante da grande ilusão de que o dinheiro é a solução de todos os nossos problemas, Jesus nos faz esse alerta: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15). Jesus é muito claro: “todo tipo de ganância”. A ganância não está presente só no coração dos ricos, mas também no coração dos pobres. Ela sempre foi e sempre será uma tentação na vida de qualquer pessoa. É ela quem corrompe governantes, políticos, juízes, advogados, policiais, empresários, médicos, etc. É ela que implanta em nós um vírus perigoso, chamado cobiça. Segundo o apóstolo Paulo, a cobiça “é idolatria” (Cl 3,5), ou seja, ela nos faz dar prioridade aos bens materiais em detrimento dos bens espirituais; ela tira Deus do centro da nossa fé e coloca o dinheiro no lugar d’Ele. A consequência disso é a perda de sentido de vida. Já está comprovado que o índice de suicídio é muito mais alto nos países ricos do que nos países pobres. Quando Deus deixa de ser o centro do coração humano, o vazio existencial se torna tão grande que dinheiro algum consegue preenchê-lo.  

            Na parábola que Jesus nos conta fica muito claro que a ganância e a cobiça fecham a pessoa em si mesma e a tornam indiferente às necessidades dos outros seres humanos. O homem da parábola não enxerga ninguém, além de si mesmo: “Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!” (Lc 12,18-19). Portanto, o que condena uma pessoa perante Deus não é a quantidade de dinheiro que ela possui, mas o seu fechamento em si mesma e a sua indiferença para com os outros que têm menos do que ela, principalmente quando a sua riqueza é consequência dos baixos (e injustos) salários que ela paga aos seus funcionários.

            Para aqueles que investem o melhor de suas energias na busca de se tornarem ricos e, ilusoriamente, garantirem um futuro tranquilo para si e para os seus, Jesus tem algo simples e direto a dizer: “Vocês são loucos!” (cf. Lc 12,20). ‘Vocês abriram mão da liberdade interior para se tornarem escravos do consumismo. Vocês se sentem seguros acumulando dinheiro e não se dão conta de que a vida de vocês terminará muito antes do que imaginam, e vocês mesmos não desfrutarão do que acumularam. Vocês não se dão conta de que vazio não se preenche com vazio. Ostentar riqueza é vaidade, e vaidade significa vazio. Investir o dinheiro de vocês apenas em função dos seus prazeres mundanos, sem se preocuparem com a desigualdade social, os impedirá de entrarem no Reino de meu Pai, pois o destino de quem deu prioridade em buscar as coisas da terra ao invés das coisas do alto é ser enterrado, e não ser levado ao céu (cf. Lc 16,22)’.    

            Hoje, portanto, cada um de nós precisa se perguntar: como eu lido com a minha vida financeira? O quanto de liberdade interior ainda me resta, diante dos apelos da propaganda de consumo? Quanto tempo eu perco e quanto mal eu faço a mim mesmo(a) vendo postagens nas redes sociais de pessoas vazias ostentando o próprio vazio? Quanto do meu ganho mensal eu “invisto” em ajudar alguma entidade beneficente ou uma pessoa/família necessitada? Eu também estou entre aqueles que se encontram adoecidos pelo vício dos jogos de aposta on line? Eu aprovo que meu time de futebol seja patrocinado por alguma BET, cuja ganância está destruindo inúmeras famílias no Brasil?  

            Que o Senhor, nosso Deus, tenha misericórdia de nós e nos arranque das mãos de todo e qualquer tipo de ganância. A Ele pedimos, junto com o salmista: “Ensinai-nos a contar os nossos dias, e dai ao nosso coração sabedoria! Que a bondade do Senhor e nosso Deus repouse sobre nós e nos conduza! Tornai fecundo, ó Senhor, nosso trabalho” (Sl 90,12.17).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi   

  

quinta-feira, 24 de julho de 2025

A ORAÇÃO É O OXIGÊNIO DA NOSSA FÉ.

 Missa do 17º dom. comum. Palavra de Deus: Gênesis 18,20-32; Colossenses 2,12-14; Lucas 11,1-13.

 

            O tema central da nossa liturgia de hoje é a Oração. Na primeira leitura, temos a oração de intercessão de Abraão; no Evangelho, a oração de Jesus; no Salmo a oração do salmista: “Naquele dia em que gritei (na oração), vós me escutastes e aumentastes o vigor da minha alma” (Sl 138,3).

            A primeira coisa que precisamos recordar, a respeito da oração, é que ela não é algo espontâneo em nós. Espontâneo é comer quando estamos com fome, dormir quando estamos cansados etc. Em outras palavras, a oração nunca surge em nós como uma necessidade, embora nós necessitemos dela absolutamente, pois o próprio Jesus afirmou: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5). Rezar não é uma questão de sentir vontade de fazê-lo ou de ter tempo para fazê-lo, mas uma questão de disciplina, isto é, de educar-se para, todos os dias, escolher um horário e um local para se colocar na presença de Deus, como fazia Jesus; como fez Abraão: “Abraão ficou na presença do Senhor” (Gn 18,22).  

            Nós somos seres necessitados. É normal que, na oração, apresentemos a Deus nossas necessidades. No entanto, a oração de Abraão pela salvação das cidades de Sodoma e de Gomorra nos convida a rezar não unicamente por nós mesmos e por aqueles que amamos, mas também pela salvação da humanidade. Outra coisa importante que aparece na oração de Abraão: pessoas justas, isto é, que procuram viver segundo a vontade de Deus, podem salvar pessoas injustas, que fazem mal a si mesmas e ao mundo. Se em Sodoma e Gomorra Deus encontrasse dez pessoas justas, Ele pouparia tais cidades da destruição. Para todos aqueles que abandonaram a vontade de se tornarem pessoas ajustadas à vontade de Deus, achando que isso de nada adianta, a oração de Abraão deixa claro que o comportamento justo de uma pessoa pode salvar da destruição o ambiente em que ela se encontra.

            Da oração de Abraão passamos para a de Jesus. “Jesus estava rezando num certo lugar. Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: ‘Senhor, ensina-nos a rezar’” (Lc 11,1). Todos nós precisamos reaprender a rezar. A oração é um desafio para qualquer pessoa, seja porque ela nos obriga a entender que jamais poderemos usá-la para manipular Deus e dobrá-lo aos nossos interesses, seja porque seja porque ela nos ensina que nós não somos autossuficientes: ou nos colocamos todos os dias nas mãos de Deus, ou não chegaremos a lugar nenhum com nossos próprios esforços. Além disso, a principal coisa a aprender na oração é que ela só nos transforma quando saímos dela dispostos a fazer a vontade de Deus.

            Quando nos colocamos em oração, nos colocamos na presença do “Deus escondido” (Is 45,15), o Deus que não podemos ver, nem tocar e nem sentir. E só há uma forma de não desistirmos de estar na Sua presença: nos lembrar das palavras da carta aos Hebreus – “Aquele que procura a Deus deve crer que ele existe e que recompensa aqueles que o procuram” (Hb 11,6). Quem verdadeiramente reza nunca sairá da oração de mãos vazias. Isso não significa que Deus nos dará tudo o que pedimos na oração, mas Ele nos dará tudo o que necessitamos naquele momento para vivermos segundo a sua vontade. Portanto, não nos esqueçamos: na oração, o Pai não dá ao filho o que ele quer, mas o que ele precisa, sobretudo em vista da sua própria salvação.

            Pelo simples fato de que a oração nunca será uma forma automática e imediata de resolvermos os nossos problemas e termos os nossos desejos atendidos por Deus, Jesus nos fala da importância de perseverarmos na oração: “Pedi e recebereis; procurai e encontrareis; batei e vos será aberto” (Lc 11,9). Toda e qualquer oração terá que passar pela provação da espera. Recordemos mais uma vez: por mais que uma oração seja movida por uma fé autêntica e sincera, ela não tem poder de forçar Deus a agir em favor da pessoa. Quem não aprendeu a esperar em Deus e suportar as suas demoras sempre acabará por desistir de rezar. Por isso, como disse um homem de Deus, “a oração errada é aquela que você nunca fez”. Muitos desistiram de rezar, de pedir, de procurar e de bater à porta.   

            Segundo Jesus, uma coisa é fundamental para a nossa oração: confiar no cuidado e no amor do Pai por nós, seus filhos. Ele nunca nos daria algo inútil (uma pedra), quando lhe pedimos algo extremamente necessário (um pão), segundo a versão da oração em Mt 7,9; Ele nunca nos daria um escorpião (algo ruim), quando lhe pedimos um ovo (algo bom). Mas aqui entra um problema: o que Deus entende por bom? Toda pessoa que reza já se decepcionou ou um dia se decepcionará profundamente com Deus, pois Ele nem sempre nos concede aquilo que lhe pedimos. Quantos pais pediram a Deus a cura para seus filhos, mas suas orações não foram atendidas? Pediram algo bom: a preservação da vida do filho, mas Deus permitiu algo ruim: a morte do filho.  

            Se não quisermos abandonar a oração como algo completamente inútil e sem sentido, precisamos aceitar que o Deus a quem oramos é mistério; Ele tem propósitos que nos escapam. Além disso, jamais podemos reduzir a nossa fé à vida deste mundo; o que Deus tem para nós vai muito além desta vida terrena e passageira. Enquanto nós oramos mantendo os olhos nas necessidades do aqui e do agora, Deus tem os Seus olhos voltados para a nossa salvação, para a vida eterna, para o seu Reino. Se para nós, é imprescindível a cura física de uma pessoa, para Ele é imprescindível a salvação dessa mesma pessoa. Portanto, cada “não” de Deus à nossa oração é um convite a confiar no Seu amor e no Seu cuidado para conosco. Sem essa confiança, todos nós um dia desistiremos da oração.

            Para terminar, não nos esqueçamos: Jesus não apenas nos ensinou a rezar, através da oração do Pai Nosso, mas nos ensinou também que aquilo de que mais necessitamos e que jamais deve ser esquecido de ser pedido na oração de cada dia é o Espírito Santo: “o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem!” (Lc 11,13).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi   

 

sexta-feira, 18 de julho de 2025

JESUS PRESENTE, MAS NÓS AUSENTES.

 Missa do 16º. Dom. comum. Palavra de Deus: Gênesis 18,1-10a; Colossenses 1,24-28; Lucas 10,38-42.

 

Quem de nós não gostaria de receber a visita de Jesus em sua própria casa? Na verdade, essa visita acontece sempre. Jesus visita a nossa história de vida todos os dias, mas nós não nos damos conta disso, na maioria das vezes. A grande ironia é esta: Jesus visita a nossa casa interior todos os dias, mas nós, estranhamente, não estamos em casa! Por quê? Porque não cultivamos nossa vida interior; porque acontece conosco a mesma experiência que Santo Agostinho vivenciou: “Eu te procurava fora, e o Senhor estava dentro de mim!”.

Antes de nos debruçarmos sobre a visita de Jesus na casa de Marta e de Maria, vamos olhar para outra visita, a que aconteceu na tenda de Abraão. Era a hora mais inadequada possível, “no maior calor do dia”, e Abraão “estava sentado à entrada da sua tenda”, quando viu três homens passando. Para nós, cristãos, não é difícil identificar esses três homens como sendo o Pai, o Filho e o Espírito Santo. De fato, Deus estava ali, naqueles três homens, mas Abraão não o sabia! O mais importante é a solidariedade de Abraão com aqueles três viajantes: se aproxima deles, os convida a sentar e lhes prepara uma refeição, antes que prossigam a viagem.

Diferente de Abraão, nós estamos cada vez mais voltados para nós mesmos, incapazes de nos dar conta daqueles que cruzam o nosso caminho, ocupados demais conosco mesmos e com as nossas tarefas, de modo que até agradecemos a Deus quando ninguém aparece para nos importunar, para pedir nossa ajuda e interromper o que estamos fazendo. É por isso que não reconhecemos as ocasiões em que Deus nos visita. O Deus que nós buscamos na Igreja, no sábado ou no domingo, nos visita durante a semana nas ocasiões mais rotineiras do nosso dia a dia, e tal visita acontece por meio de pessoas que cruzam o nosso caminho...

A gratuidade e a generosidade de coração de Abraão para com aqueles três viajantes teve como recompensa a cura da esterilidade de Sara: “Onde está Sara, tua mulher?” “Está na tenda”, respondeu ele. E um deles disse: “Voltarei, sem falta, no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho” (Gn 18,9-10). Muitas curas e muitos milagres não acontecem conosco porque vivemos em volta do nosso umbigo, sem nos importar com pessoas que precisam de nós, sem termos tempo para estar com o outro. A nossa esterilidade só pode ser curada quando nos esquecemos de nós e nos damos aos outros, gratuitamente, sem esperar por retorno ou recompensa de qualquer tipo, inclusive espiritual.  

Olhemos agora para a casa de Marta e de Maria. Quem recebe Jesus na casa é Marta, mas quem se senta aos pés dele é Maria, enquanto Marta continua ocupada com os seus muitos afazeres. Não há dúvida de que todos nós nos vemos em Marta. Somos pessoas constantemente ocupadas; mais do que isso, preocupadas. A tecnologia, que chegou prometendo facilitar a nossa vida, nos colocou a todos no modo “fast”, isto é, “rápido”. Estamos sempre correndo e queremos que as coisas se resolvam rapidamente. Há, em cada um de nós, uma agitação interior que não descansa. Essa agitação atrapalha a nossa vida de oração. Diferente de Maria, não encontramos tempo para nos sentar aos pés do Senhor e ouvir a sua Palavra. E mesmo quando o fazemos, podemos até estar fisicamente na presença dele, mas o nosso coração está ocupado demais com nossas preocupações, para que possamos ouvi-lo.

Enquanto Marta representa a pessoa que vive no piloto automático, Maria nos aponta para a pessoa que decidiu sair do modo “automático” e viver o momento presente, sem consumir-se de culpa pelo passado ou de ansiedade pelo futuro. Jesus é aquele que está presente, e nós só podemos encontrá-lo quando nos colocamos no presente. “Maria escolheu a melhor parte” (Lc 10,42). Maria escolheu estar presente diante daquele que se fez presente em sua casa. O contrário de viver consumido pelo modo “piloto automático”, é usar a nossa liberdade para fazer escolhas e tomar decisões que nos levem a dar prioridade ao que é essencial, ao mais necessário, ao invés de nos perdemos nas inúmeras solicitações que o mundo coloca diariamente diante de nós.

O filósofo Blaise Pascal (1623-1662) afirmou que “todos os problemas do homem surgem porque ele não consegue se sentar sozinho em um cômodo e permanecer em silêncio”. Por que essa atitude é importante? Porque Jesus é Presença e Palavra, e somente quando entramos num cômodo da nossa casa interior e silenciamos é que podemos encontrá-lo. Abramo-nos, pois, ao seu convite: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3,20-21).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi